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Pronunciamento do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião com governadores
Primeiro eu quero agradecer a todos os governadores, às governadoras, aos prefeitos, aos ministros da Suprema Corte, ao nosso Procurador-Geral da República, aos líderes do governo no Senado, aos ministros do meu governo que estão aqui. Os meus agradecimentos pela presença de vocês. Eu não sei se algum de vocês tem lembrança de qual foi a última reunião que se juntou 27 governadores de Estado aqui em Brasília, em uma reunião com o presidente da República.
Eu sou capaz de desafiar e ninguém vai lembrar. Porque, já no auge da crise em 2015, em 2007, para aprovar uma proposta de política tributária, que foi aprovada pelos 27 governadores, foi aprovada pelas 27 federações empresariais, foi aprovada pelas centrais sindicais, foi aprovada por todos os líderes e quando chegou no Congresso Nacional, ela não andou até hoje. Ela ficou paralisada.
Pois bem. E nós estamos reunidos agora por uma causa mais nobre. Normalmente um presidente da República não gosta de receber governadores, porque normalmente ele pensa que os governadores vêm aqui para reivindicar recursos. Não gosta de receber prefeitos, porque os prefeitos vêm aqui pra reivindicar recurso. Não gosta sequer de receber reitor das universidades porque vêm aqui reivindicar mais dinheiro para a educação. E, hoje, nós estamos reunidos aqui. De vez em quando, presidenta, não se gosta de receber, sequer, a presidenta do Supremo Tribunal Federal, porque vêm aqui para pedir reajustes dos funcionários do Poder Judiciário.
E hoje nós estamos aqui, diferentemente do que eu imaginava, porque eu tinha proposto durante o processo de campanha que uma das primeiras coisas que eu ia fazer era reunir os 27 governadores para que a gente pudesse discutir com os governadores os três mais importantes projetos de cada estado, pra ver se a gente trabalhava juntos, pra ver se a gente conseguia arrumar dinheiro, ou financiamento para que a gente pudesse colocar o país para andar.
E quis Deus que essa reunião não acontecesse antes dessa que vocês não vieram reivindicar nada. Vocês vieram prestar solidariedade ao país e vieram prestar solidariedade à democracia.
O que nós vimos ontem foi uma coisa que já estava prevista. Isso tinha sido anunciado há algum tempo atrás, porque as pessoas que estavam nas ruas, nas frentes dos quartéis, não tinham pauta de reivindicação.
Eu sou um presidente da República que já tive dez ministros em mesa de negociação para negociar com todo e qualquer segmento da sociedade. Nunca houve nenhum problema de negociação. Mas essa gente não tem pauta de negociação. A única negociação que essa gente poderia ter é que se entrou com recurso tentando negar o resultado do processo eleitoral, tentando mostrar que tinha havido falha na urna, e o ministro Alexandre Machado [de Moraes] negou o pedido, ainda multou o partido que fez o pedido numa quantia, sabe, importante de dinheiro para que o presidente do partido parasse de ser, sabe, massa de manobra.
E o resultado eleitoral aconteceu e foi respeitado por uma grande parte da sociedade brasileira, mas uma parte dos perdedores não aceitou. E estão na rua reivindicando o quê? Eles não estão na rua. Estão na frente dos quartéis, em quase todo território nacional. Parece, governador Tarcísio, que lá em São Paulo hoje também se retiraram da frente do Segundo Exército. Mas eles estiveram em todos os estados, na frente dos quartéis, reivindicando o quê? Reivindicando melhoria da qualidade de vida das pessoas? Reivindicando mais liberdade? Reivindicando aumento de salário? Reivindicando construção de habitação? Reivindicando melhoria da produção agrícola desse país? Não! Eles estavam reivindicando golpe.
Era a única coisa que se ouvia falar. É que eles estavam gritando golpe, chamando por golpe. E quando o presidente da República saiu antecipadamente, sem me dar a posse, que o vice fez um pronunciamento na televisão, eles passaram a atacar generais e passaram a atacar o vice, chamando ele de covarde, que tinha traído todo o movimento.
Então, o que nós estamos fazendo aqui é tentando reparar um defeito que foi criado lá atrás quando se começou a negar tudo nesse país. Todo mundo aqui acompanhou quantas vezes a Suprema Corte foi ofendida. Quantas vezes a Justiça Eleitoral foi ofendida. Quantas vezes foi ameaçado invadir a Suprema Corte. Quantas vezes as coisas foram negadas, inclusive na Justiça Eleitoral.
E todos vocês sabem que eu sou o maior perdedor de eleição para presidente nesse país. Não tem ninguém que perdeu mais do que eu, mas também não tem ninguém que ganhou mais do que eu. E todas as vezes que eu perdi, eu voltava para casa. E como diria o velho Brizola, governador, ia lamber minhas feridas e me preparava para fazer uma outra disputa eleitoral.
Essa gente passou a reivindicar, sabe, o negacionismo do resultado eleitoral. Começou a reivindicar a negação da urna eletrônica, que está provado que é a coisa mais evoluída do ponto de vista eleitoral que a gente tem conhecimento.
Não é como os Estados Unidos que têm uma cédula que parece mais um álbum de fotografia, sabe, que se tem que votar quinhentas vezes. Aqui não! Aqui se vota e com duas horas depois a gente já tem o resultado eleitoral. Todo mundo já sabe quem ganhou e quem perdeu. Nunca se colocou em dúvida, nunca. Eu lembro que a primeira pessoa que colocou em dúvida isso foi o Brizola logo que foi instituído o voto eletrônico, e depois disso nem o Brizola nem o PDT questionava mais a questão da urna eletrônica.
E essa gente, depois de duvidar da urna eletrônica, depois de dizer que se perdesse tinha sido roubado, da mesma forma que dizia o Trump nos EUA, não quis acatar o resultado eleitoral. Porque muitas vezes quando a gente mente, a gente continua mentindo para poder justificar a primeira mentira que a gente contou.
Foi assim com Saddam Hussein, que não teve coragem de dizer para o povo que não tinha armas químicas e deixou que se destruísse um país chamado Iraque. E a história da humanidade mostra quantas vezes as pessoas seguem mentindo porque não querem dizer que mentiram, e aqui se mentiu sobre a urna eletrônica. Nenhum de vocês nunca duvidou da urna eletrônica, e a maior obra que me faz acreditar na urna eletrônica é que, se pudesse roubar na urna eletrônica, um metalúrgico quase que analfabeto não seria presidente da República três vezes.
É isso que me faz crer que a urna eletrônica é uma coisa que é quase impossível de ter corrupção. Que pode ter erro, pode ter erro, uma máquina pode falhar. Mas daí a tentar jogar a culpa de que não valeu o processo eleitoral… E na medida que as pessoas ficam sem líder, porque o líder antecipa sua saída, as pessoas ficaram na rua sem ter o que fazer. Então vamos para a porta dos quartéis reivindicar um golpe. E pasmem, pasmem, meu querido companheiro Helder, a quem eu agradeço por ter tido a ideia de fazer essa reunião. Nós aqui, todos maiores de idade, sabemos que já teve gente nesse país que foi preso e que foi torturado, outros que morreram na cadeia, porque ousaram falar em derrubar o governo. Todo mundo aqui sabe quanta gente foi torturada por não concordar com o regime militar. E agora as pessoas estão livremente reivindicando um golpe na frente dos quartéis e que não foi feito nada por nenhum quartel, nenhum general se moveu pra dizer: “Não pode acontecer isso, é proibido pedir isso, nós não vamos fazer isso”. Dava a impressão que tinha gente que gostava quando o povo estava clamando o golpe. A impressão que eu tenho é que, gente, o Segundo Exército em São Paulo ficou meses com as pessoas lá gritando. E lá tinha banheiro químico, lá tinha barraca, lá tinha almoço, lá tinha churrasco, como aqui em Brasília.
E olha que nós não fizemos nada até que eles fizeram. Eles fizeram aquilo que a gente não esperava que eles fizessem. Depois do dia 1º de janeiro, o domingo mais democrático que esta capital, sabe, colheu, com mais de milhares e milhares de pessoas participando da festa da posse, em que o presidente não esperou pra me passar a faixa, depois da grande festa democrática, todos nós fomos pegos de surpresa. Eu estava em São Paulo visitando a cidade de Araraquara, que tinha sido vítima de uma enchente. Aliás, Tarcísio, encontrei o seu secretário da Defesa Civil. Estava trabalhando lá pra tentar reparar o prejuízo que Araraquara teve. E eu espero que você coloque um pouco de dinheiro, a gente coloca um pouco de dinheiro, e o próprio Edinho coloca um pouco pra gente tentar recuperar Araraquara. Eu estava lá quando eu vi a notícia de que estava sendo invadido a Suprema Corte, de que estava sendo invadido a Câmara dos Deputados e que estava sendo invadido o Palácio do Planalto. Eu não quis acreditar. E, por isso, fui obrigado a conversar com o meu ministro da Justiça e tomar uma atitude forte. Porque a polícia de Brasília negligenciou, a inteligência de Brasília negligenciou. É fácil a gente ver nas invasões os policiais conversando com os agressores.
Já no dia 30 quando eu fui diplomado, na minha diplomação, na Suprema Corte, a quebra-quebra que teve em Brasília, a Polícia Militar de Brasília acompanhava as pessoas tocando fogo em ônibus, e nada foi feito.
Havia uma conivência explícita da polícia apoiando os manifestantes, mesmo aqui dentro do Palácio. Soldado do Exército Brasileiro conversando com as pessoas, como se fossem aliados.
Até que nós resolvemos tomar uma atitude e fazer uma intervenção na polícia de Brasília, porque o responsável pela segurança estava muito sob suspeita há muito tempo. Foi feita a intervenção, o nosso vice-ministro da Justiça, o secretário-executivo, assumiu a intervenção. Fomos na Secretaria e começamos a colocar ordem na casa. E, graças a Deus, nós conseguimos hoje de manhã, da forma mais tranquila, saber que as pessoas foram retiradas, e cada um que entrava no ônibus, o ônibus era dirigido para a Polícia Federal, e tem quase 1.500 pessoas presas. E vão ficar presas até que a gente termine o inquérito.
E é importante para as pessoas saberem que nós vamos parar, e investigar esses que possivelmente são vítimas, esses que possivelmente são massa de manobra, esses que possivelmente receberam ajuda, lanche e comida pra vir aqui protestar. Por que os mandantes certamente não vieram aqui. E nós queremos saber quem financiou, nós queremos saber quem custeou, nós queremos saber quem pagou para as pessoas ficarem tanto tempo, tanto tempo. E vocês sabem que eu sou especialista em acampamento, sou especialista em greve, sou especialista em um monte de coisa.
Não é possível um movimento durar o tempo que eles duraram nas portas dos quartéis se não tivesse financiamento. Se não tiver gente garantindo o pão de cada dia, o café, o almoço e a janta.
Então, em nome de defender a democracia, nós não vamos ser autoritários com ninguém, mas, nós não seremos, sabe, como diria, mornos com ninguém
Nós vamos investigar e vamos chegar a quem financiou. E eu tenho certeza que nós vamos descobrir, porque aqueles caminhões que vinham para Brasília, às vezes chegavam oitenta caminhões desses novos, e não era motorista autônomo. Certamente era dono de empresa de caminhão. Essa quantidade de ônibus que tava aqui certamente não veio de graça. Alguém pagou. E nós vamos descobrir, porque foi muito difícil para vocês e para mim conquistar a democracia nesse país.
Foi muito difícil a gente fazer com que a gente tivesse uma Constituição que fosse uma carta cidadã respeitada por todos nós. Foi muito difícil a gente conquistar o direito de manifestação nesse país. E a gente quer continuar tendo direito de manifestação. A gente não precisa gostar um do outro, a gente precisa apenas se respeitar. A gente precisa apenas aprender a conviver democraticamente na diversidade.
Jamais eu me importaria com alguém fazendo uma passeata contra o governo. Quantas vezes eu tive aqui, Eduardo Leite, os arrozeiros do Rio Grande do Sul fazendo passeata e ocupando a Esplanada dos Ministérios com caminhões? Quantas vezes nós tivemos passeatas de caminhões aqui? Quantas vezes nós tivemos passeatas de médico queimando velas aqui na Esplanada dos Ministérios? Quantas vezes nós tivemos aqui passeatas e mais passeatas contra o governo e nunca aconteceu nada? Mas dessa vez as pessoas não tinham pauta de reivindicação. Eles não tinham que reivindicar o governo, porque eles querem é golpe, e golpe não vai ter.
Por que eles têm que aprender que a democracia é a coisa mais complicada pra gente fazer, porque exige da gente suportar os outros, obriga a gente a conviver com quem a gente não gosta, com quem a gente não se dá bem. Mas é o único regime que permite que todos tenham chance de disputar e, quem ganhar, tenha o direito de governar.
Por isso, eu quero agradecer a vocês do fundo do coração, porque esse gesto de vocês aqui é uma demonstração de que aqui, nesse país, é possível tudo. É possível discordar, é possível fazer passeata, é possível fazer greve. A única coisa que não é possível é alguém querer acabar com a nossa incipiente democracia, que tanto sofreu já com o golpe da presidenta Dilma.
Nós não vamos permitir que a democracia escape das nossas mãos, porque ela é a única chance da gente garantir a esse povo humilde que vive na periferia, dormindo na rua, consiga o direito de comer três vezes por dia ou consiga o direito de trabalhar.
É a única razão pela qual eu voltei a ser candidato à presidente da República. É a única razão. E não vou deixar isso escapar. Porque, quando eu terminar meu mandato, eu quero entregar esse país para vocês um pouco melhor, ou muito melhor, do que o país que eu recebi e com a democracia muito mais consolidada.
Por isso essa reunião tem um sentido muito grande para mim. Por isso essa reunião é muito importante. Porque não é fácil reunir os governadores, não é fácil reunir os prefeitos. E eu quero, depois o Rui vai falar um pouquinho, quero dia 27 fazer uma reunião com todos os governadores pra gente discutir os interesses do povo de cada estado. E eu não quero saber de que partido é o governador. A única coisa que me interessa é saber que ele foi eleito e se ele foi eleito eu tenho que respeitar ele da mesma forma que eu quero que ele me respeite porque eu fui eleito. É isso que voga pra mim.
Por isso, companheiros e companheiras, eu estou vendo que as mulheres ainda estão em minoria no mundo dos governadores, porque só temos três aqui. Haverá um dia que será meio a meio ou um pouco mais de mulheres. Eu quero agradecer a vocês e dizer que, se Deus quiser, esse ano vocês vão me ver visitando o estado de vocês e quero dizer a todos vocês: vocês só não me atendem se não quiserem, porque em cada estado que eu chegar, eu vou procurar o governador, ir no gabinete dele, ver se ele vai me oferecer um cafezinho, porque eu quero tratar todo mundo da forma mais democrática e mais respeitada que um político tem que tratar o outro. Obrigado pela presença de vocês. E eu convido você agora para irem a pé até a Suprema Corte para fazer uma visita em solidariedade à nossa presidenta Rosa Weber e aos nossos ministros da Suprema Corte.
Muito obrigado pela presença de vocês.