Pronunciamento do presidente Lula no lançamento do Plano Ruas Visíveis
Eu, mais uma vez, não vou ler o meu discurso. Eu estava prestando muita atenção nesse ato que estamos fazendo aqui nesse salão, onde já fizemos tantos atos esse ano de recuperação da administração pública brasileira e na recuperação das políticas de inclusão social, que a gente não poderia terminar o ano melhor do que estamos terminando esse ano.
Aqui, nesse Palácio, já foi palco de muitas atividades importantes. Aqui já passou príncipes, rainhas, aqui já passou presidentes, já passou primeiros-ministros, aqui já passou banqueiros, empresários, mas poucas vezes esse Palácio foi aberto para que o povo mais sofrido do Brasil pudesse participar. Há uma coisa que me inquieta nos dias de hoje. Eu não sei se essa inquietação é por conta da minha idade. É o poder da palavra.
Como é que a gente faz para convencer a sociedade brasileira a compreender que os discursos que foram feitos aqui são discursos de pessoas que assumiram o compromisso de vida em tentar estabelecer uma política mais igualitária entre os seres humanos. E não tem nada mais degradante na vida humana do que alguém não ter onde morar, não ter onde dormir, alguém não ter uma espécie daquilo que eu costumo chamar de ninho. Um lugar em que a pessoa, de forma aconchegante, possa dormir, a mulher possa cuidar dos seus filhos.
E eu fico imaginando nessa história de população de rua, como é que fica as mulheres com duas, três crianças, tendo que dormir na sarjeta, como é que dá banho nas crianças, como é que fazem as necessidades fisiológicas. Até porque, para o homem, é muito mais simples fazer. E uma mulher, como é que ela se vira? Como é que o Estado cuida dela? E nós sabemos que, muitas vezes, o Estado não cuida dessas pessoas. Muitas vezes a sociedade não se importa com essas pessoas. E muitas vezes passamos por elas e viramos o rosto para não enxergar.
Essa que é a realidade do descaso político, econômico e social desse país. Se essas pessoas existem, tem culpa e a culpa não pode ser outra senão do Estado. Eu, uma vez, passei numa cidade, e eu vi que o prefeito estava colocando paralelepípedos em pé, embaixo de uma ponte. E aí, calhou de um tempo depois eu encontrar com o prefeito. E eu perguntei: “Escuta aqui, prefeito. Por que ao invés de estar plantando uma árvore, plantando flores, fazendo um jardim, você está plantando paralelepípedos?”.
Aí eu descobri. Era pra evitar que as pessoas de rua dormissem embaixo daquela ponte. Eu sou de uma geração um pouco mais antiga do que a de vocês. E eu lembro que, naquele tempo, tinha menos gente de rua. Mas tinha pessoas pedindo esmola, que passavam na casa da gente pedindo comida. Sabe qual é a lembrança que vem na minha cabeça? Quando uma pessoa chegava lá na minha casa, todo mulambento, todo mal vestido e pedia uma comida, a minha mãe mandava ele entrar e ele comia dentro de casa. Hoje as pessoas são maltratadas e recusadas de longe.
As pessoas, muitas vezes, são xingadas. “Quem mandou ter muito filho? Por que não se cuida? Por que não trabalha? Por que é vagabundo? Por que está na rua?” Será que é só isso? Será que é tão fácil a gente julgar as pessoas sem ter noção do que a gente está falando? Alguém já parou para conversar com essas pessoas? Alguém já parou para sentir a vida delas? Não.
As pessoas fazem esse julgamento e, graças a Deus, a gente encontra uma figura como o Padre Júlio Lancelloti, na capital de São Paulo, que há muitos e muitos anos dedica a sua vida para tentar dar um pouco de dignidade, respeito e cidadania a essas pessoas. E, quando eu vejo as notícias de que alguém foi assassinado, atearam fogo no morador de rua, bateram numa mulher, estupraram uma mulher de rua, eu fico imaginando como é que anda a cabeça do ser humano.
Porque, pelo menos na educação que eu tive, com uma mulher pobre, que nasceu e morreu analfabeta, a gente aprendia uma coisa sagrada que é o respeito. Respeito aos mais velhos, aos mais necessitados, àqueles que não tinham tido a mesma oportunidade da gente. Parece que o mundo deu uma virada de ponta cabeça e o desrespeito está tomando conta no lugar do respeito.
O que vocês viram a gente assinar aqui, em documento, eu quero chamar a atenção, não é para pensar que está resolvido. É como se essa gente tivesse plantando um pé de banana. Isso aqui tem que ser aguado, tem que ser cuidado, se a gente quiser colher um cacho de banana para a gente comer. Porque, para destruir o que estamos assinando aqui, é fazer uma reunião, não como essa, uma reunião num gabinete de um presidente e assinar um decreto anulando tudo.
E vocês sabem que tem gente capaz de anular, vocês sabem que tem gente que acha que isso aqui é uma afronta, que a gente não deveria estar cuidando de pobre, que a gente deveria estar governando para os ricos. Tá cheio de gente assim. Vocês pensam que um pouco do preconceito que tem contra mim é porque, possivelmente, fosse muito melhor, num sábado, eu estar jogando golfe do que estar aqui com vocês, me reunindo embaixo do viaduto. E é isso que nós temos que vencer, que convencer as pessoas da necessidade da gente mudar a cabeça das pessoas.
Como é que a gente convence as pessoas a serem mais humanas? Como é que a gente convence as pessoas a serem mais fraternas, serem mais solidárias? Eu não uso nem a palavra compaixão, mas como é que a gente consegue visualizar as pessoas que têm o que comer de manhã, de tarde e de noite, as pessoas que jogam fora para esses que estão na rua catar os seus lixos, quando é que a gente vai convencer a humanidade que nós nascemos para viver em comunidade.
Nós não nascemos para viver individualmente. Cada um vivendo do jeito que pode. Não. A Constituição diz que todos têm direitos elementares. Está lá nos fundamentos do artigo que cuida da questão social, a Declaração dos Direitos Humanos diz. E por que a gente não consegue fazer? A gente não consegue fazer porque essa conquista que nós estamos tendo aqui hoje está ligada a uma palavra chamada democracia, está ligada a uma palavra chamada compromisso.
E é uma coisa muito eleitoral mesmo que eu vou dizer para vocês. Ou a gente se dá conta da importância do processo democrático de uma cidade, de um país, ou a gente sempre vai estar colocando os nossos inimigos para fazer as coisas que a gente pensa que vai fazer, mas que eles nunca vão fazer e todo mundo aqui já tem experiência. Então, é importante, na hora, vai ter eleições o ano que vem, é importante a gente saber se as pessoas que são candidatas estão preocupadas com vocês, com o desempregado, com os que estão morando em situação de risco, na beira de córregos, de encosta.
Porque se for olhar para o lado de Pinheiros, onde estou morando agora, lá não tem problema, a não ser um pouco de mosquito. Então é preciso saber se a gente vai se preocupar mesmo. Isso aqui só vai dar certo se vocês não acharem que está resolvido. Vocês têm que cobrar. O nosso ministro disse 11 ministros, 11 ministros estão envolvidos com essa política aqui.
O Silvio é o coordenador, lá na base tem muita gente aqui cuidando. Vocês não podem deixar que o que nós fizemos aqui hoje não seja cumprido. Primeiro, Silvio, esse R$ 1 bilhão que nós anunciamos tem que aparecer. Porque, às vezes, a gente anuncia R$ 1 bilhão e esse bilhão demora para aparecer. Às vezes a gente assume o compromisso e a gente não consegue cumpri-lo.
E é importante vocês saberem: cobrem! Cobrem o Silvo todo dia. Manda o Padre Júlio cobrar. Manda os conselhos cobrarem. Porque se não cobrar, as coisas podem não acontecer. Eu queria dizer para vocês que o dia de hoje, para mim, é muito feliz. É muito feliz porque nós estamos tratando das pessoas mais vulneráveis desse país. E eu espero que, nesse meu governo, eu tenho mais três anos de mandato, nesses três anos a gente possa consolidar a elaboração das políticas públicas que possam construir a casa.
Júlio, eu vou lhe dizer uma coisa, casa, nós temos projeto, casa, nós temos dinheiro e casa, nós poderemos tranquilamente fazer a casa.
O que não dá, ministro Jader, é a gente achar que o prefeito só vai cuidar disso, porque, muitas vezes, quem faz o cadastramento é o prefeito e, nem sempre, os compromissos assumidos aqui estão na pasta do prefeito ou na mesa do prefeito. É preciso que nós, que participamos aqui, sabemos. “Eu vou construir casa para todo mundo, mas tem um grupo de cidadãos e cidadãs brasileiras que precisam em primeiro lugar, que é o pessoal em situação de rua, que é o pessoal mais pobre desse país”.
Então, gente, vamos nesses três anos consolidar essa política de inclusão social que é a melhor coisa que a gente pode fazer por esse país. Que as pessoas durmam embaixo de uma ponte se quiser dormir de livre e espontânea vontade. Mas que ninguém durma embaixo de uma ponte porque não tem um pedacinho de teto para se abrigar. Um abraço, gente. Boa sorte. Parabéns, companheiro Silvio.