Pronunciamento do presidente Lula no lançamento da Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde
Eu mandei recolher o meu pronunciamento por escrito porque toda vez que você é o último a falar, tudo que você escreveu já foi falado antes. Ou eu tomo a iniciativa de falar em primeiro lugar ou faço como agora: não falar.
Primeiro, eu queria dizer para vocês, sobretudo dizer para a nossa querida Amelia Bispo [presidente da Associação de Chagas da Bahia - Achaba], aquela simpatia de mulher que se achou velha com setenta e três anos de idade. Eu quando tinha setenta e três era um jovem. Eu queria dizer para ela que eu tenho setenta e sete anos. Eu me sinto um menino. É verdade.
Eu só queria lembrar a vocês que quando você tem uma causa, que você busca concretizar aquela causa, você briga por ela, o tempo não passa. O tempo passa pra quem não pensa. O tempo passa pra quem não tem objetivo. O tempo passa pra quem não tem uma causa. Quem vive da luta do dia a dia não tem tempo de ficar velho. Por isso que pode ser que algum de vocês não gostem, mas eu estou predestinado a viver cento e vinte anos. Como eu acredito no destino e acredito muito na ciência, eu, inclusive, vou fazer uma operação do fêmur sexta-feira, para aguentar mais cinquenta anos. Porque esse já se desgastou nesses setenta e sete anos.
Eu queria chamar a atenção dos nossos deputados e deputadas, dos nossos empresários e empresárias, dos nossos militantes da área da saúde, dos nossos ministros e ministras, para uma coisa que está acontecendo aqui hoje. O que está acontecendo aqui hoje é a concretização de um sonho que a gente já tinha pensado há muito tempo atrás. O Brasil precisa tomar uma decisão de querer se transformar num grande país. A gente não é um grande país porque a gente tem oito milhões e meio de quilômetros quadrados. A gente não é um grande país porque tem duzentos milhões de habitantes. A gente vai ser um grande país quando a gente definir um país soberano com qualidade de vida para o seu povo. A gente precisa aprender a gostar do Brasil. A gente precisa aprender a respeitar o Brasil. O que, muitas vezes, o complexo de vira-lata fez com que o Brasil se apequenasse em muitos momentos históricos.
Eu vou dizer uma coisa que está acontecendo hoje no Brasil. A primeira coisa que nós fizemos, e eu dizia durante o processo eleitoral, que era preciso três coisas para um país dar certo. Era preciso que o eleito conquistasse com a sua equipe credibilidade do país, era preciso que a gente estabelecesse uma política de estabilidade nesse país e era possível que as coisas ficassem previsíveis aos olhos tanto do trabalhador quanto do investidor. Isso eu dizia durante todo o período da campanha. Até alguns me achavam chato por isso. Mas a vida nos ensina que, sem esses três componentes, a gente não ganha seriedade na nossa vida. A gente não consegue realizar as coisas que a gente pensa em fazer. Não tem nada pior na política do que estar falando com a pessoa e a pessoa não tá acreditando no que você está falando. Não tem nada pior na política do que o presidente fazer um pronunciamento e o povo, em casa, assistindo, achando que é mentira. E, muito pior, é se o presidente ficar prometendo o que não está acontecendo. Aí sim que as pessoas percebem que é mentira.
Vamos ver o que nós fizemos nesse período de nove meses. A primeira coisa que a gente fez foi tentar criar credibilidade. Nós criamos credibilidade na nossa relação com o Congresso Nacional. Tanto é que nós conseguimos aprovar a famosa PEC da Transição, fato sui generis na história da humanidade, um governo começar a governar antes de tomar posse. E conseguir estabelecer uma relação com o Congresso Nacional numa maioria supostamente de oposição, aprovar uma PEC para lhe garantir governabilidade no próximo ano. Esse é um fato inédito. Isso só se fez, eu queria dizer, aos nossos líderes políticos, aos nossos deputados e, sobretudo, Haddad [Fernando Haddad, ministro da Fazenda], ao teu comportamento, a tua credibilidade para a gente conseguir convencer o Congresso Nacional de que era pra valer a transição e era pra valer o que a gente queria acertar com eles.
A segunda coisa que prova credibilidade é a aprovação pela Câmara, e outra vez a gente deve à boa atuação do Haddad; do Rui Costa [ministro da Casa Civil]; do nosso querido companheiro Padilha [Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais], que não está aqui hoje; do Guimarães; do Zeca Dirceu, que está aqui e é o nosso líder. Isso depende de muita conversa. Eu não lembro há quantos séculos não se aprovava uma política de reforma tributária em regime democrático. Normalmente, política tributária é regime autoritário que faz e impõe e as pessoas não gritam, obedecem. Mas, no regime democrático, a gente convencer parlamentares que não votam com a gente, parlamentares que não pertecem a nenhuma aliança política, votar numa coisa de interesse do país. Isso chama-se conquistar credibilidade. E credibilidade a gente conquista quando a gente faz compromisso e a gente cumpre os compromissos que a gente assumiu. Se você não cumpre o primeiro, você é perdoado. Se você não cumpre o segundo, você ainda é perdoado. Mas, se você não cumprir o terceiro compromisso, "adiós, pampa mia", que você nunca mais será respeitado. E o que nós estamos fazendo é isso. Nós conquistamos a credibilidade. Foi a primeira coisa que nós fizemos: estabelecer uma relação com todos os partidos políticos, a gente está disposto a conversar até com quem não quer conversar. Mesmo que a gente fale sozinho, não tem problema. Muitas vezes, os ouvidos moucos daquele que não quer ouvir guarda alguma ressonância do que a gente fala. Quando eu falo ouvidos moucos é porque, muitas vezes, eu ia na porta de fábrica e me lembro um fato muito histórico na greve famosa de 1979, em que a gente ia na porta de fábrica e os trabalhadores não paravam para ouvir a gente. Porque a gente tinha perdido credibilidade. Nós ficamos um ano para recuperar credibilidade e depois fizemos uma greve muito mais famosa do que a que tínhamos feito em 1979. O que está acontecendo aqui hoje é exatamente isso. Nós estamos dizendo ao Brasil e ao povo brasileiro, depois que a gente recuperou a credibilidade, a gente resolveu recuperar a credibilidade internacional.
Se vocês perceberem, esse ano, nós já fomos participar dos BRICS em Joanesburgo, na África do Sul, nós já fomos a Nova Delhi participar do G20, nós já fomos na Bélgica participar da reunião entre Mercosul e a União Europeia e nós concretizamos agora, na reunião da ONU, na assembleia geral, numa reunião em que, junto com o Biden [Joe Biden, presidente dos Estados Unidos], nós discutimos uma política entre Brasil e Estados Unidos com a preocupação de gerar emprego decente para o povo brasileiro e para o povo americano. Sobretudo as pessoas que trabalham nesse setor de plataforma, que, muitas vezes, as pessoas não conhecem quem é o seu patrão, muitas vezes as pessoas não sabem para quem reclamar, muitas vezes as pessoas se sentem pequenos empreendedores ou empreendedor individual e ele só percebe que ele está sendo explorado quando ele cai em desgraça, que ele precisa do Estado para dar para ele o mínimo de seguridade social. Nós sabemos que em São Paulo, por exemplo, no Rio de Janeiro, tem gente que trabalha de bicicleta ou de moto entregando comida, sentindo o cheiro de uma comida que ele não pode comer. Ou, muitas vezes, não tem direito a um banheiro porque não tem banheiro para ele frequentar. Então, nesse mundo, a gente estabeleceu com os Estados Unidos a possibilidade de construir, entre Brasil e Estados Unidos, com a participação dos trabalhadores brasileiros e trabalhadores americanos. É a primeira vez na história – na história dos Estados Unidos e na história do Brasil – que dois presidentes se reúnem com sindicalistas para estabelecer um jeito da gente aprender a conviver com esse mundo novo do mercado de trabalho.
Bem, depois da credibilidade, era preciso garantir estabilidade. O que que é estabilidade? Estabilidade econômica. Aí, Haddad, outra vez, eu quero te dar os parabéns, porque a tua serenidade, na derrota ou na vitória, é que permite que a gente vá construindo, junto aos deputados, senadores, junto a empresários, grandes, pequenos e médios, junto à sociedade como um todo, a ideia de que o Brasil está dando certo. Não tem nada melhor do que a gente acordar achando que o dia vai ser bom. Vocês estão lembrados quando eu falava que o povo ia voltar a comer picanha e tomar cerveja? Vocês estão lembrados como muita gente duvidava disso? E hoje a gente já pode notar a quantidade de pessoas que falam pra mim: "ô, presidente, eu fui no açougue e tá assim de gente comprando carne". Ainda não é tanto quanto ele quer, mas já tá podendo fazer um churrasquinho no final de semana. Esse país pode ser construído se a gente tiver estabilidade política, que nós estamos conseguindo. Se a gente tiver estabilidade econômica, que nós estamos construindo, se a gente tiver estabilidade jurídica, que nós estamos construindo, e se a gente tiver estabilidade social. As pessoas têm que se sentirem sendo cuidadas. O que a nossa querida Amélia falou é verdade. O que as pessoas precisam não é muito, ninguém quer nada exagerado. O povo só quer cuidado. Se ele percebe que os governantes estão cuidando, o povo será agradecido pro resto da vida. Mas se o presidente não cuidar, o governador não cuidar, o prefeito não cuidar, esqueçam. Que ele só será votado uma vez e nunca mais voltará a ocupar cargo público.
Outra coisa importante, gente, é a questão da previsibilidade. Parece pouco, mas, quando você pede uma moça em casamento, ela quer saber o que que vai acontecer com a vida dela. Não é só você achar que é o bam-bam e pedir em casamento e ela já aceita. Não, ela quer saber, você tem que ter um currículo, você tem que ter um passado, um comportamento. Isso vale para o homem e vale para a mulher. Na política é exatamente a mesma coisa. Não adianta a gente ficar com lero-lero se as pessoas não acreditarem na gente. Por isso é muito melhor a gente dizer a verdade do que a gente ficar brincando de mentir. Eu falo sempre pros meus ministros: "Quando vocês conversarem com o Congresso Nacional, prometam somente aquilo que podem entregar. Porque se você prometer alguma coisa e você não conseguir entregar, o preço vai ficar muito mais caro”. O que nós estamos dizendo hoje é o seguinte. Esse país construiu as bases para que a gente seja uma grande nação. Uma grande nação significa que a gente é soberano. Significa o que eu disse para a União Europeia: "A gente quer fazer um acordo com a União Europeia, mas a gente não vai ceder compras governamentais porque compras governamentais é a chance que a gente tem de fazer a nossa empresa crescer". Foi assim. Foi assim que cresceu os Estados Unidos, foi assim que cresceu a Alemanha. Por que que o Brasil não pode crescer? Por que que o Brasil não pode crescer entregando tudo? Nós temos o SUS, que é uma fonte de garantia da nossa produção no sistema de saúde. Portanto, quem tem mercado não tem que ter problema. A gente vai consumir grande parte daquilo que a gente produz aqui mesmo. E Deus queira que a gente produza mais, porque a gente vai construir uma aliança forte na América do Sul, na América Latina, com o continente africano e a gente pode repartir vendendo isso a preços acessíveis para os países que ajudaram a gente a produzir.
É esse país que nós queremos construir. É esse país que, nesse mundo de transição energética, transição climática, não se fala de outra coisa a não ser transição, transição, transição. Ou seja, veja, esse país, Haddad, esse país, não sei se vocês têm a mente fértil como eu tenho, mas eu fico imaginando o seguinte: em se tratando de energia renovável, em se tratando de energia solar, de energia eólica, de biomassa, de biodiesel, de etanol, sabe, de energia hídrica, em se tratando disso, olha o mundo. Olha o mapa do mundo. Vê se vocês conseguem visualizar e veja se eu não posso dizer, de peito aberto, o Brasil, em se tratando de energia renovável, pode ser, para o mundo, o que a Arábia Saudita foi no combustível fóssil. Ou seja, o Brasil pode ser o campeão nisso. O Brasil pode produzir mais. O Brasil pode fazer mais. Pode gerar mais emprego e ser dono do seu nariz. É esse país que a gente tá dizendo: "Vamos construir juntos?". Por isso que quando a gente manda um projeto para um Senado, para um Congresso, a gente não quer que um deputado apoie porque é o governo que mandou. O deputado tem o direito de cobrar, tem o direito de propor mudança, tem o direito de questionar. E nós temos apenas a obrigação de negociar.
O que nós estamos fazendo hoje com esse ato é mais do que um programa de criação de uma indústria na área da saúde, nós estamos criando um país. Um país soberano, um país que tem cabeça, tronco e membro. Um país que é autoridade pra pensar, pra inovar, um país que não vai jogar fora a oportunidade nesse primeiro quarto do século 21. Esse país nós vamos construir e eu espero que a gente construa juntos. A economia vai continuar serena, aqui ninguém vai dar cavalo de pau na economia, aqui a gente não vai inventar, aqui a gente vai fazer o que precisa fazer. Sempre tendo em mente que, embora a gente queira tratar todo mundo com muito respeito, são as pessoas mais necessitadas, são os trabalhadores, são os mais pobres, que vão ter uma atenção especial desse governo, até enquanto esse governo existir.
Companheira Nísia [Nísia Trindar, ministra da Saúde], parabéns pelo programa. Companheiros ex-ministros da Saúde, Araújo, Temporão e Chioro, falta o companheiro Padilha, que está a serviço, está trabalhando, por isso que não está aqui. Não é que vocês não estejam trabalhando, mas é que ele está em uma atividade política intensa. Falta o Saraiva [Saraiva Felipe, ex-ministro da Saúde], sabe, de Minas Gerais. Falta o companheiro Humberto Costa [senador da República], que também deve ter uma atividade no Senado. Mas eu queria agradecer a vocês, Nísia, à Casa Civil que trabalhou para ajudar a produzir. Ao companheiro Alckmin [Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços] que tem sido um vice exemplar e, mais do que vice, tem sido um extraordinário ministro de Indústria e Comércio.
E quero agradecer a vocês. Continuem tendo confiança que esse país saiu da loucura que ele se encontrava e e esse país resolveu encontrar o seu destino: ser uma grande economia, ter uma qualidade de vida boa pro seu povo e a gente poder, dignamente, dizer para todo mundo: esse país é um país em que poucos ganham muito significa pobreza, muitos ganhando pouco significa distribuição de riqueza e, nesse país, todo mundo vai ter o direito de ganhar, ganhar o mínimo para sobreviver. Aquilo que todo mundo sabe que todo mundo tem direito. As pessoas têm direito a ter uma vida digna e é essa a nossa obrigação. Trabalhar, estudar, ter acesso a lazer, a cultura, viajar, cuidar da sua família, ajudar a cuidar do clima desse país, porque sem clima, Marina [Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima], a gente não vai sobreviver. Esse país está uma loucura porque tem lugar que chove onde não chovia. Tem lugar que faz sol aonde não fazia. Tem lugar que dá enchente aonde não dava. Tem lugar que fica seco aonde não ficava. Isso significa que nós estamos brincando com o mundo e o mundo pode se revoltar. Então, antes dele se revoltar, vamos fazer com a nossa obrigação: cuidar do nosso planeta porque é a única casa que nós temos.
Um abraço. Parabéns. Parabéns, companheira Nísia.