Pronunciamento do presidente Lula na cerimônia de lançamento do segundo Pacote pela Igualdade Racial
Deixa dizer para vocês que tudo isso que nós assinamos agora é como se a gente tivesse plantando uma árvore. Essa árvore, para dar certo, ela tem que ser semeada. Tem que colocar água, tem que ter sol, precisa ter adubo. E você sabe que o adubo, para uma política pública funcionar, são vocês.
Então, é muito importante. Eu estava cobrando do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) ali uma coisa que me incomoda, porque em 2005 eu legalizei um território quilombola em Contagem, Minas Gerais. Passado 13 anos, eu voltei no quilombo e ainda não tinha sido dado a escritura definitiva para o quilombo.
Então, essas coisas, às vezes, demora. Às vezes tem empecilho. Às vezes tem vírgulas a mais, vírgulas a menos. Às vezes tem muita burocracia. Então, é o seguinte: essas coisas que nós assinamos aqui, para elas andarem, vocês não podem deixar de cobrar o funcionamento das coisas. Porque senão, daqui a pouco, alguém me encontra na rua e fala: “Ô presidente, o senhor assinou o decreto não sei das quantas lá, não aconteceu nada, presidente”. E pode ser verdade.
Então, por favor, o que nós fizemos aqui hoje é o pagamento de uma dívida histórica que a supremacia branca construiu nesse país desde que esse país foi descoberto. E que nós queremos apenas recompor aquilo que é a realidade de uma sociedade democrática. Nós não somos diferentes pela pele, pelo cabelo, pela roupa, porque nós somos irmãos. Viemos do mesmo pai, moramos no mesmo planeta e temos o sangue da mesma cor. Então, tudo que a gente está fazendo é a tentativa de recompor coisas que foram destruídas e recolocar no lugar coisas que foram tiradas.
Vocês não têm noção como é que nós encontramos esse país. Vocês estão vendo o furacão no Rio Grande do Sul, enchendo d'água, vocês estão vendo Santa Catarina, mas aqui teve um furacão. Para destruir tudo que é política de inclusão social que a gente se matou para fazer em 13 anos, se destruiu em um dia. É como Faixa de Gaza. Vocês estão vendo aqueles prédios que são destruídos, levaram décadas para ser construídos, mas um foguete destrói aquilo em um segundo.
E aqui se destruiu políticas públicas que nós estamos tentando reconstruir. Eu digo que esse ano foi o ano da reconstrução, de colocar a casa em pé. Ainda, muitos dos meus ministérios, Benedita (da Silva, deputada federal), não têm a quantidade de funcionários hoje que tinha no tempo que eu fui presidente, entre 2013 e 2010. E é preciso recompor para que a sociedade brasileira tenha competência para ajudar a fiscalizar aquilo que nós fazemos.
Dito isso, eu chamei a Benedita da Silva aqui, gente, porque não tem sentido nesse dia 20 que a gente tá homenageando, sabe, os negros desse país, que são responsáveis pela construção do nosso país. Os negros desse país que são vítimas de tanta violência, mas que tem tanta gente extraordinária, que nos ensinou a ser como nós somos, da cor que nós somos, do jeito que nós gostamos de música, de samba, de futebol.
Eu não poderia fazer um discurso aqui que já estava escrito, que foi comido parte por quem já falou na minha frente. Eu estava pensando ali com o Alckmin (vice-presidente da República): eu viajo daqui pra Índia para falar, Benedita, eu só tenho três minutos de discurso. Eu viajo daqui pra Alemanha para falar, eu só tenho três minutos para falar. Eu, o Biden (presidente dos Estados Unidos) e qualquer presidente.
Aqui não, aqui as pessoas falam o tempo que quer, o tempo que pode, sabe? Então, eu acho, eu acho que um jeito de homenagear o dia de hoje é colocar uma pessoa que eu tenho um profundo, mas um profundo amor, respeito, carinho. Uma figura que nasceu na política junto comigo, ajudou a construir esse partido, já foi vítima de dezenas de maldades pregadas por esse país. Uma mulher que eu conheci na favela, que morou muito tempo, criou os seus filhos, seus netos. Uma mulher que ainda hoje continua intacta aqui, mais bela do que quando tinha 40 anos de idade. Eu queria que a Benedita da Silva falasse em homenagem ao dia 20, em lugar do presidente da República. Benedita, a palavra é sua.