Pronunciamento do presidente Lula na cerimônia de anúncio da 1ª seleção de propostas do Novo Minha Casa, Minha Vida para a Faixa 1
Na verdade, eu estou com um problema que é o seguinte. Se os companheiros que produzem o meu discurso não conversam com o ministro que vai anunciar a obra, nós vamos ter o mesmo discurso duas vezes. Porque todos os números que eu vou citar está no discurso do Jader. Ontem eu já descobri isso num outro discurso aqui. Então, eu vou tentar apenas dizer para vocês o seguinte.
Primeiro, a alegria de ter aqui oito governadores, quase todos reeleitos. Portanto, todo mundo já estava com seu estado voando a 800 km por hora. E alguns que foram eleitos pela primeira vez tiveram a sorte de suceder pessoas que eram amigas do mesmo partido. Portanto, não tiveram nenhum problema.
Não é o caso nosso, na Presidência da República. No Brasil, seria tudo mais fácil se você assumisse o governo e você desse andamento em todas as coisas que tivessem sido contratadas, que estivessem andando, que tivessem importância pra sociedade, sem se importar que cada governante tem que deixar sua marca. Eu preciso deixar minha marca. Então, tem um viaduto construído num lugar por uma pessoa, eu paro de construir e vou construir o mesmo viaduto em outro lugar para ser a minha marca. A marca do outro fica um esqueleto e a minha fica um viaduto.
Nós precisamos acabar com isso no Brasil. Por isso, que sempre que é possível a gente tem que estabelecer uma relação nas políticas públicas do Governo Federal com governadores e com prefeitos. Não é possível a gente achar que a gente pode construir os nossos programas sem envolver os governadores, sem envolver os prefeitos. Para que a obra seja uma obra de interesse de todos. E que todos tenham prioridade por aquela obra. A mesma coisa vale para os deputados e senadores.
Habitualmente, eu ouço dizer assim: “O presidente Lula conversou com o centrão. O centrão exigiu do presidente Lula tal coisa. O presidente Lula fez não sei das quantas”. Uma coisa tão atrasada. Porque não existe possibilidade de você exercer uma governança democrática se você não conversar com as pessoas.
Eu preciso conversar com governadores. Eu preciso conversar com prefeitos, eu preciso conversar com deputados federais, não importa de que partido sejam eles. Eu preciso conversar com senadores, não importa de que partido sejam eles. Eles estão exercendo um mandato e, portanto, eu tenho que conversar com eles. É preciso que a gente estabeleça nesse país a criação de uma cultura em que as pessoas entendam como normal a necessidade de conversar.
Às vezes no Brasil se vende como uma coisa muito estranha o fato do governo mandar um projeto de lei e o Senado resolver fazer uma emenda. Olha, nós mandamos pro Senado não foi pra aprovar do jeito que a gente queria. A gente mandou pro Senado pra tentar ver se melhorar.
E, muitas vezes, uma emenda ajuda a melhorar e, muitas vezes, uma emenda não atende aquilo que a gente queria. Mas paciência. Nós não somos o dono da verdade. E, portanto, isso vale pra mim e vale para os governadores. O governador vai ter que conversar com o deputado estadual, prefeito vai ter que conversar com governador. E assim é a nossa vida. Por que que eu tô dizendo isso? Porque hoje é um dia muito especial pra mim, quando a gente tá lançado esse programa. Eu lembro que em 1974, quando houve uma guinada na política brasileira. Porque eu não sei se vocês se lembram.
Em 1970, a Arena elegeu tudo aqui nesse país. O PMDB quase acaba. Eu sei que houve reunião na direção do PMDB para saber se era possível continuar disputando eleição porque o Arena tinha eleito quase 100% nesse país. Foi na época do famoso milagre brasileiro. Quem não lembra quando a economia brasileira crescia 14% ao ano. E isso, eu lembro do PMDB fazendo uma campanha que dizia “o sol nasceu para todos, mas também nasceu para mim”. Foi a primeira vez que o Quercia, um recém-prefeito de uma cidade pequena. Ele nasceu em Pedregulho, foi prefeito em Campinas, foi candidato a senador. Foi a primeira vez que o sindicato de São Bernardo assumiu uma política de defesa do Quercia. Porque o adversário era nada mais nada menos que o Carvalho Pinto e a gente queria, efetivamente, eleger o Quercia.
O que aconteceu de fato é que o PMDB fazia uma campanha que tinha um déficit habitacional de 7 milhões de casas nesse país. Eu estou dizendo em 1974. Há 50 anos atrás, o déficit habitacional era de 7 milhões de casas. Passados todos esses anos, acho que o presidente da Caixa sabe, acho que o ministro das Cidades sabe, o déficit continua sendo de quase 7 milhões de casas. Então, eu fico me perguntando quantas casas nós precisamos fazer para a gente acabar com esse déficit. Eu pensei que com o Minha Casa, Minha Vida a gente iria acabar. Mas não. Acontece que tem mais gente precisando de casa e a gente está governando e fazendo casa num ritmo, por mais rápido que seja, aquém das necessidades do povo.
Quando eu pensei o Minha Casa, Minha Vida, a primeira instituição que eu chamei foi um grupo de sindicatos de empresários da construção civil pra eles me dizerem quantas casas seria possível a indústria da construção civil construir se a gente anunciasse um grande programa. Pasmem, a indústria me repetiu: 200 mil casas. Eu falei: “ô cara, eu tô querendo fazer um grande programa habitacional e você vem me dizer 200 mil casas? Isso não é um grande programa. Isso é um programa pequeno”. O Guido Mantega era meu ministro da Fazenda. Chamei o Guido Mantega e falei: “ô Guido, eu quero que você me diga quantas casas a gente pode financiar num grande programa”. 500 mil casas. Eu falei: “Guido, 500 mil casas não é um grande programa”. Aí chamei a Dilma Rousseff, que era ministra-chefe da Casa Civil junto com a turma dela, Miriam e tantas outras companheiras, e eu falei: “eu quero um programa grande, quero um programa com mais de 1 milhão de casas. E nós vamos ter que estruturar para fazer um grande programa”.
Eu anunciei isso em março de 2009 e nós só fomos concluir a contratação do primeiro milhão de casa em dezembro de 2010. Durante aqueles dois anos a gente não construiu nenhuma casa. Mas de lá pra cá, esse programa já construiu, como disse o Jader, 6 milhões de casas. Ou seja, nós ainda não pagamos o déficit de 7 milhões de casas. Possivelmente, se a gente trabalhasse sempre em conjunto. Governo estadual, governo municipal e Governo Federal, a gente pudesse pactuar a construção desse déficit e zerar. Mas a gente não quer zerar um déficit habitacional. Pode ter alguns milhares que não tenham, que viva do aluguel, porque tem gente que tem casa para alugar e vive do aluguel também. Mas o dado concreto é que esse programa provou que quando a gente quer, as coisas acontecem.
Você tem gente que quer casa, você tem possibilidade de ter dinheiro, você tem empresário que sabe fazer. Então, o que que falta se não fizermos? Eu quero, sinceramente, dizer pra vocês que eu, que já morei numa casa pequena, já morei, meu caro Boulos, meu caro Baleia, em 1976, a primeira casa que eu comprei pra mim, pra minha mulher, pra três filhos e dois cachorros era uma casa de 35 metros quadrados. Eu não esqueço nunca que eu recebi lá em casa o então deputado progressista do PMDB, Jarbas Vasconcelos, que foi a primeira autoridade a frequentar a minha casa. A segunda foi Teotonio Vilela, na época da anistia. Eu fico imaginando a alegria que eu tive com a minha mulher, porque ter uma casa é você ter um ninho seu. É você saber que você não tem que procurar um galho a cada primavera. É que você não tem que correr a cada chuva. É que você tem um lugarzinho que é seu. Ali você vai criar o seu vasinho de flores, ali você vai colocar o seu quadro na parede. Porque se você alugar casa hoje, muitas vezes nem um prego você pode colocar na parede. Não pode furar a parede. E se a casa for sua você faz as coisas.
E aí eu fico imaginando a alegria dessa companheira que falou da casinha dela. O sonho, que é o sonho maior de cada chefe de família nesse país, do povo pobre. O cara que é rico que pode pagar aluguel e mudar ou morar em hotel, tudo bem. Mas o maior sonho do povo pobre desse país é ter uma casa própria. Eu não sei se aqui vocês têm experiência de mudar todo ano. É duro. Você vai acostumando na casa. Até o barzinho que você vai tomar cachacinha de tarde tá ali perto. De repente chega o dono da casa e fala: “eu quero a casa de volta”. Aí você sai pra procurar casa e não tem aonde você mora. Não tem perto da escola do seu filho, você precisa andar, às vezes encontra longe, longe, em condições piores. Não tem ponto de ônibus perto, não tem padaria perto, não tem feira perto, não tem farmácia perto, mas é o que tem.
Mas quando a gente tem a nossa casa, tudo melhora. Até a garantia de que os nossos filhos vão ter um grupo de amigos para brincar. Eles não vão ter gente estranha todo ano. Porque quando você mora pra uma vila, você leva tempo para fazer amizade. Muito tempo. E se tiver uma casinha própria está, é o céu. E ainda agora, que o Merval, como presidente da Academia de Letras, resolveu nos ajudar a fazer biblioteca, é tudo que a gente precisa. É tudo. Moradia e cultura. Até porque nós temos que ensinar o povo brasileiro a gostar de ler. Nós precisamos fazer com que o povo brasileiro goste de ler. E as pessoas não têm, muitas vezes, dinheiro pra comprar livro. E se a gente fizer em cada conjunto uma pequena biblioteca e as pessoas adquirirem o hábito de ler, quantos Guimarães Rosa a gente não vai conseguir produzir nesse país. Quantos Jorge Amado a gente não vai conseguir produzir nesse país. É apenas uma questão da gente saber com quem que a gente está acreditando.
E eu tenho uma preocupação porque eu disse ao Jader: “quando a gente fala de casa para os mais pobres, nós precisamos ter em conta que nós precisamos ter um discurso para as pessoas que ganham um pouco mais”. Porque se não fica assim, a gente faz casa só para os mais pobres, aí tem outro que faz casa só para os mais ricos. Os mais ricos é só condomínio. Condomínio chique. Estamos voltando a fazer Roma antiga, toda cercada de muro, com todas as garantias, alto padrão. E tem uma classe média que ganha, não é classe média pobre, não. Não é uma classe média intelectualizada, mas tem milhares de trabalhadores nesse país que tem profissão que ganham R$ 8 mil por mês, que ganham R$ 9 mil por mês, tem bancário que ganha 10 e que não tem casa feita no padrão dele. Ele não quer 35 metros como eu quis. Eu já era presidente do sindicato e eu quis uma casa de 35 metros porque eu era o filho da Dona Lindu que teve a primeira casa própria na vida. Então, eu queria. Mas o pessoal hoje quer uma casa maior, ao invés de dois quartos, três quartos. Ao invés de uma sala três por três, uma sala quatro por quatro, pra não ficar com a cara na frente da tela da televisão. Na minha cozinha, pra gente cozinhar no fogão tinha que afastar a geladeira. Pra abrir a geladeira, tinha que afastar o fogão. A gente não precisa levar o povo a esse sofrimento.
Por isso que as casas têm que ser melhor, por isso que eu exijo que tenha varanda. Eu não vou dizer varando do quê, mas é varanda. Nós precisamos ter o lugar da intimidade da pessoa. Se o cara quer fazer qualquer coisa, faz na sua varanda. Não tem que ficar dentro de casa apertado. É uma questão de respeito. É uma questão de respeito à boa vida das pessoas. Eu, se pudesse, fazia até um fogão de lenha nas casas do trabalhador rural. É que trabalhador rural também não quer mais fogão de lenha, as mulheres querem é fogão a gás. As pessoas não querem mais tanques, querem máquinas de lavar roupas. E nós temos que garantir que as pessoas tenham isso.
Então, eu quero agradecer a presença de vocês, sobretudo dos governadores, dos deputados e senadores, porque nós estamos completando 11 meses de governo. Nós temos ainda três anos pela frente. A gente pode estabelecer entre nós, três anos de convivência civilizada, três anos de convivência madura, três anos de harmonia. Três anos de respeito. Sem precisar ninguém ceder em nada das suas convicções, das suas crenças religiosas, das suas aptidões ideológicas, ninguém vai impedir. A única coisa que eu quero é o seguinte: vamos trabalhar juntos, porque juntos nós podemos mais do que separados.
Nós tivemos recentemente um governo nesse país que tudo que ele gostava era brigar. Porque tem gente ruim que não sabe fazer política sem ter inimigo. Eu preciso ter inimigo pra justificar as coisas que eu faço. Pois o Lula não quer ter inimigo. Eu quero ter amigo. Eu quero ter parceiro, eu quero ter companheiros, pra construir as coisas nesse país. Por isso, nós vamos consertar esse país. Todo mundo sabe que eu tenho um compromisso. Eu quero entregar, dia 31 de dezembro de 2026, esse país civilizado. E cada governador pode contribuir agora, nesse Natal, pedindo para as pessoas que brigaram nas eleições voltarem a conversar. Que o pai receba o filho, que o filho receba o cunhado, que o cunhado receba o primo. Deixa a briga pra daqui a mais quatro anos e vamos viver.
Nós estamos vendo o que está acontecendo em Israel, nós estamos vendo o que está acontecendo na Faixa de Gaza. Vocês viram que foi feito um acordo ontem, depois de 12 mil mortos. Doze, não. 14 mil. Depois de quase 6 mil desaparecidos, depois de quase 6 mil crianças mortas, depois de centenas de mulheres fazerem cesariana para tirar o filho antes de morrer. Depois de tudo isso, os insanos que fizeram a guerra resolvem fazer um pacto de quatro dias, quando poderia nem ter começado a guerra. Precisava matar 6 mil crianças? Precisava deixar 6 mil crianças desaparecidas? Precisava sequestrar, fazer refém das pessoas? O problema é que nós, seres humanos, estamos ficando desumanos. A gente não está mais com nenhuma dosagem de humanismo diante de nós, de sentimento, de fraternidade, de solidariedade.
O ser humano nasceu para viver em comunidade. Mas na era que nós estamos vivendo, temos que viver sozinhos. Nós e o nosso celular. Nós e de quem a gente gosta. E a gente não nasce pra fazer política pra quem a gente gosta. A gente faz, nasce para fazer política para o povo brasileiro. E é isso que nós vamos fazer e é isso que o Minha Casa, Minha Vida significa. Por isso, a presença de vocês, governadores, prefeitos, deputados e senadores, é muito importante. E parabéns, Jader, parabéns. Porque eu vi gente que dizia pra mim: “Só porque o cara é irmão do Helder. Você vai pegar o cara só porque é filho do Jader Barbalho?”. Não, eu vou pegar o cara porque o cara é bom. Então, parabéns pelo trabalho do Minha Casa, Minha Vida. E parabéns, presidente da Caixa, pelo trabalho. Tem muito trabalho pela frente. Muito trabalho. E se você ouvir bem a Inês você vai perceber que a Caixa vai produzir muito mais ainda. Um abraço, gente, e parabéns a todos vocês.