Pronunciamento do presidente Lula na abertura da 4ª Conferência Nacional de Juventude
Se eu fosse tão esperto quanto vocês pensam que eu sou, eu não teria vindo nesse encontro da juventude. Primeiro, porque eu tenho coisas a cobrar de vocês. É por isso que eu acho muito bonito vocês cobrarem de mim.
Vocês tiveram uma batalha muito grande nesse país para ajudar a gente conquistar a democracia do Brasil. Vocês tiveram muita solidariedade quando eu tive 580 dias na Polícia Federal em Curitiba. Vocês tiveram muita coragem quando ousaram não acreditar em todas as canalhices e mentiras que foram montadas pela elite brasileira para não permitir que eu voltasse a ser presidente da República desse país. E vocês conseguiram o intento, me elegeram presidente da República.
O que eu acho mais importante de tudo isso é que, pelo fato de vocês terem feito essa luta toda, terem perseverado, vocês não apenas conquistaram o direito legítimo de reivindicar tudo que nós já fizemos e tudo que a gente pode fazer, como vocês têm o direito e o dever de ajudar a gente a fazer um pouco mais.
Não tem na história do Brasil nenhum momento político em que a sociedade civil teve tanta possibilidade, tanta chance de participar da elaboração, da aprovação e da execução das políticas que nós colocamos em prática. Foi a juventude brasileira que ajudou a gente a fazer uma pequena revolução na educação brasileira, com o Prouni (Programa Universidade Para Todos), com o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), com a quantidade de universidades federais, com a quantidade de escolas técnicas.
E eu quero dizer para vocês que nós vamos, ainda neste meu mandato, fazer mais 100 Institutos Federais nesse país, para que a gente possa suprir a ausência de vagas para a juventude aprender uma profissão, ter um emprego digno e um salário justo.
Vocês ajudaram a gente a fazer muitas coisas e vão continuar ajudando, porque tudo que nós fizemos nesses primeiros 11 meses de governo foi reconstruir aquilo que a gente já tinha construído até 2016, quando veio o golpe contra a nossa querida companheira presidenta Dilma, que hoje exerce a grata função de ser a presidenta do banco dos BRICS (Novo Banco de Desenvolvimento). E esses dias, como representante do banco dos BRICS, ela vinha de primeira classe para o Brasil, e uma fascista, que estão em todo lugar, foi tentar dizer para ela: “Hum, a senhora está entrando na primeira classe”, e ela falou: “E onde é que você pensa que banqueiro anda? Eu sou agora presidenta de banco”.
Agora, presta atenção em uma coisa: tudo que vocês já ajudaram o governo a fazer, tudo que vocês ajudaram os ministros e as ministras a construírem, tudo que vocês acabaram de reivindicar aí que vocês querem mais, é importante saber que além de querer as coisas específicas para a juventude na educação, na saúde, no trabalho, sabe, na ciência e tecnologia, no prazer, no lazer, tudo que vocês quiserem, vocês têm direito e têm que ajudar a gente a conquistar.
Mas nós temos uma coisa que a gente não pode abdicar: o movimento sindical. Ele se enfraqueceu quando a luta virou uma luta eminentemente economicista, e a luta de vocês não pode ser apenas uma luta de conquistas de objetivos de interesses, sabe, momentâneos. É preciso que a gente tenha aprendido a lição da importância da democracia neste país. E o que aconteceu há apenas seis anos, que a gente perdeu o direito de exercer a democracia nesse país.
Vocês perceberam que não só eles destruíram tudo que a gente tinha feito, como eles conseguiram evitar que o movimento social se organizasse, que os professores reagissem, que os cientistas reagissem, e eles foram acabando coisa por coisa que nós tínhamos feito. E a gente aprende uma lição fácil: às vezes, para fazer um prédio, a gente leva dez anos. Vocês estão vendo agora na Faixa de Gaza: aquela casa levou décadas e décadas para construir, um foguete destrói vidas e casas das pessoas, que eu não sei quantos anos vai demorar para ser construído.
Então, é importante que a gente saiba que destruir é muito fácil, e nós estamos reconstruindo passo a passo. Esses ministérios que estão aqui, estas ministras que estão aqui, ainda nós não conseguimos repor em muitos dos ministérios a quantidade de funcionários que nós tínhamos em 2010, quando eu deixei a Presidência da República. Ainda não conseguimos, porque eu assumi um compromisso de reconstruir os ministérios em uma época difícil, em que vocês sabem que a gente teve que fazer uma PEC de transição, porque não tinha orçamento para a gente governar o ano de 2023. E por conta disso, assumi o compromisso.
Eu tinha que recriar os ministérios. Porque nesse país é preciso a gente parar de acreditar quando a imprensa fala: “Tem muito ministro, tem muito ministro, tem muito ministro”. Tem pouco ministro porque é preciso mais ministro para cuidar de mais assuntos neste país. Por que as mulheres não podem ter os ministros? Por que os direitos humanos não podem ter ministro? Por que a Pesca não pode ter ministros? Por que não pode ter o Ministério da Cidade? Ainda falta construir mais coisas. E a coisa mais barata do mundo é a gente ter ministros envolvidos com o movimento social, para que tragam para dentro das reuniões do governo o sentimento daquelas pessoas que estão morando na periferia, morando no interior, que muitas vezes nascem e morrem sem ter a chance de dar um único palpite na vida daqueles que governam o estado em que eles moram.
Então, se prepare, porque nós vamos fazer mais coisas. Eu não voltei a ser presidente da República para fazer apenas o mesmo que eu tinha feito. Eu quero fazer mais, eu quero conquistar mais, eu quero realizar mais, porque o povo brasileiro não pode jogar fora o século 21 como foi jogado fora o século 20. A economia deste país entre 1930, 1950, e 1980 chegou a crescer em média 7% ao ano. Foi o país que mais cresceu em trinta anos no mundo. Entretanto, o povo brasileiro, depois desse período, continuava pobre.
Quem não está lembrado quando, em 1970, a economia chegou a crescer 14% ao ano, 14% ao ano. E o que acontecia é que, quando a gente ia fazer as contas, esse crescimento não tinha sido distribuído de forma igualitária. Os ricos tinham ficado mais ricos e os pobres tinham ficado mais pobres, como sempre acontece na história desse país. E é preciso acabar com isso de uma vez por todas. Isso é um desafio que está colocado para nós.
O desafio que está colocado para nós é o que fazer, é o que fazer daqui para frente. Nós vamos conquistar mais coisas porque o governo vai ajudar a realizar aquilo que nós nos comprometemos. Nós vamos aumentar mais salários, nós vamos aumentar a qualidade da educação. Só para vocês terem ideia de duas novidades: nós estamos criando uma faculdade de matemática no Rio de Janeiro para que a gente pegue os gênios deste país que participam da Olimpíada da Matemática. Vocês se lembram que, em 85, quando eu quis criar as olimpíadas, me diziam: “Não, Lula, você não vai criar olimpíada porque estudantes de escola pública não participa de olimpíadas”. Sabe o que aconteceu nas olimpíadas deste ano? 18 milhões de jovens das escolas públicas se inscreveram.
E aqueles que tirarem a medalha de ouro, nós vamos fazer um vestibular especial e vamos levá-lo para o Rio de Janeiro. No ano que vem, nós vamos levar 100. No outro ano, vamos levar mais 100. No outro ano, mais 100 e no outro ano, mais 100. Nós vamos levar 400 jovens. Vamos lá dar faculdade de matemática, com curso especial, com apartamento para eles morarem, com comida e com salário, porque a gente quer competir em inteligência com o mundo.
A gente quer utilizar muito a inteligência artificial, mas a gente prefere a inteligência humana, porque é ela que dá vida a um país. E é por isso que nós vamos acreditar e aportar nessa inteligência. Para quem sabe ou quem é do Nordeste aqui, é importante lembrar: nós vamos levar um braço do Instituto, do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), de São José dos Campos (SP). Nós vamos levar para o Ceará. E é uma dívida de gratidão ao Ceará porque, todo o vestibular do ITA, 40% dos estudantes que vão para o ITA são estudantes que fazem vestibular no Ceará. Então, o Ceará não é bom apenas de humorista, não. O Ceará é bom de educação, e é por isso que nós vamos criar uma bolsa para o ensino médio.
A gente vai criar uma poupança para o ensino médio. O jovem vai ter um percentual depositado em uma conta. Ele vai poder tirar um tiquinho cada mês, mas ele só vai poder sacar a poupança dele quando ele terminar o ensino médio, porque a gente quer acabar com a evasão escolar no ensino médio e a gente quer que as pessoas estudem.
Esse país, nós vamos fazer porque vocês me elegeram. Esse país, nós vamos fazer porque foi possível encontrar gente extraordinária para criar uma secretaria de juventude, para criar os ministérios que nós criamos. Mas para criar esse país, é preciso ter muita paciência e muita paciência política, porque a gente tem que negociar com muita gente que é adversário político.
Nós, a esquerda, todas, não elegemos 130 deputados; o PT elegeu só 70 no parlamento de 513; o PCdoB elegeu 12 ou 13 deputados; o PSB elegeu poucos. Ou seja, então nós temos que conversar com pessoas que vocês não gostam, com pessoas que vocês ficam até com ojeriza quando veem o Lula na televisão conversando com essas pessoas. Na política, a gente tem que compreender que a gente conversa com quem é eleito, porque é ele que tem voto, e é assim que a gente vai conseguindo aprovar as coisas que nós aprovamos, como o fundo da educação para garantir uma bolsa para os estudantes desse país.
Vocês não sabem como eu estou feliz hoje. Pela primeira vez na história deste país, nós conseguimos colocar na Suprema Corte deste país um ministro comunista, um companheiro da qualidade do Flávio Dino.
Agora, o Brasil precisa de vocês, porque vocês já cumpriram uma etapa e vocês podem nos cobrar. Nós temos que fazer. Nenhum desses companheiros que está no governo vem aqui para ganhar salário, ou vem aqui para ganhar imunidade; não, eles vieram aqui para cumprir uma tarefa, para cumprir uma missão, é atender aquilo que a gente prometeu durante o processo eleitoral.
E vocês têm que aprender uma lição: não existe possibilidade de vocês desanimarem de lutar se vocês tiverem dentro da cabeça de vocês uma causa. E cada um de nós pode construir uma causa pessoalmente, mas nós temos que construir uma causa coletiva.
Qual é o trabalho que nós vamos fazer, Sorriso (Ronald Sorriso, Secretário Nacional de Juventude), companheiro da juventude, com os milhões de jovens que ainda não nos entendem? Como é que nós vamos tratar esses milhões de jovens? 65% votaram no Milei (Javier Milei, presidente da Argentina), de 16 a 24 anos de idade. Como é que a gente vai competir na formação política dessa juventude que está abandonada na periferia, sendo violentada todo dia com a indústria da fake news, com a indústria da mentira, com a indústria da destruição? Como é que a gente vai fazer? Qual é o trabalho que a gente vai levar para a periferia? Quando é que nós vamos construir, nesse país, uma espécie de Projeto Rondon na periferia desse país? Para que vocês, que são politizados, para que vocês, que são bem preparados politicamente, vá para periferia dia de semana à noite, de sábado e domingo, criar grupo na periferia para gente discutir como é que a gente ajuda esse país a nunca mais correr risco de perder a sua democracia. É isso que vai garantir as conquistas dessas sociedades.
O Brasil não pode mais continuar sendo um país em que a gente conquista uma coisa, vem um governo e destrói; no outro ano, conquista mais uma, vem outro governo e destrói. Assim, a gente nunca consegue subir uma escada inteira. A gente sobe um degrau, ele derruba a gente para trás; a gente sobe dois degraus, ele derruba a gente para trás.
Nós precisamos compreender que o que vai levar a gente a subir a escada inteira é a capacidade de discussão política que a nossa juventude, que está aqui, tiver para discutir com a juventude que não está aqui. Aquela juventude que, muitas vezes, é emprenhada pelos ouvidos pela televisão, muitas vezes é emprenhada pela internet, muitas vezes é emprenhada pela quantidade de desinformações.
Você sabe que um dos moleques, uma das coisas que aconteceu com o cara que hackeou a Janja (Lula da Silva, primeira-dama do Brasil), sabe quem passou a noite passando informação? Era um moleque de 17 anos. Onde é que a gente vai preparar essa meninada que muitas vezes está na internet pregando violência, abusando de meninas, tentando colocar fotos delas, sabe, em situações não apropriadas para poder coagi-las? Quando é que a gente vai reagir e vai formar essa gente? Quando é que a gente vai deixar de ter algoritmo e vai voltar a ser humanista? A gente vai voltar a ser solidário, fraterno? Está faltando um pouco disso em todos nós. E são vocês, não sou eu, não.
Eu já estou com 78 anos. Eu e a Benedita (da Silva, deputada federal), se a gente for participar para ser delegado no Encontro da Juventude, ela tem direito a quatro votos, quatro delegados, e eu tenho direito a três delegados e meio. Então, a gente pode construir maioria, mas o que eu quero é dizer pra vocês o seguinte, gente: não parem e não se contentem de reivindicar do governo. Não tem problema em reivindicar. Nós vamos atender a maioria das coisas porque é o nosso compromisso de vida.
O que é importante é que vocês assumam o compromisso com vocês, com o futuro desse país. Como é que a gente vai preparar a juventude que muitas vezes não está na UNE (União Nacional dos Estudantes). A juventude que não está no PCdoB, que não está no PT, que não está no PSB, que não está em nenhum partido de esquerda e nenhum de direita, mas ela é conservadora pela quantidade de informações erradas que ela recebe.
Quando é que a gente vai virar agente transformador? Esse é o desafio que está colocado para cada mulher, para cada homem, para cada menino e para cada menina que está aqui. Não é cobrar do nosso governo porque para mim vocês são de casa. Cobrem, gritem, reclamem, xinguem. Nós somos parceiros e nós nos entendemos, e quem não está aqui? Como é que a gente vai conseguir politizar? Esta é uma coisa, Sorriso, para a juventude do PT e para todas as juventudes. Essa é uma coisa para a UNE, é uma coisa para a juventude socialista.
Muitas vezes nós falamos conosco mesmos. Muitas vezes, a gente adora fazer discursos para nós mesmos. É uma reunião em que a gente discute o dia inteiro e depois a gente aprova uma outra reunião para discutir a mesma coisa. Vamos discutir com aqueles que não são nossos. Vamos politizar este país, vamos formar novos socialistas neste país, vamos formar mais gente de esquerda neste país, vamos parar com nossas reuniões internistas que termina não acontecendo nada.
A coisa que eu mais ficava magoado, companheiros, é: quantos domingos, quantos sábados eu dediquei na minha vida para reuniões no meu partido. Quantas reuniões! E no final de dois dias de debate, a gente marcava uma próxima reunião porque a gente não tinha aprovado as coisas que eram necessárias.
No governo, a gente não pode fazer isso. No governo, o presidente não acha, ele não pensa, ele não acredita, ele faz ou não faz. Porque se ele fizer, ele é respeitado; se não fizer, ele nunca mais volta. E o desafio que está para vocês: construam a causa de vocês, a causa de tornar esse país um país grande, um país respeitado, um país onde todos têm o direito de estudar, têm o direito de trabalhar, têm o direito de ter acesso à cultura, direito de ter acesso ao lazer, direito de ter umas férias. Onde o menino estuda na universidade se quiser, mas não por falta de vaga; ele faz um curso técnico se ele quiser, mas não por falta de vaga. Onde o menino sai do seu estado para outro porque ele quer, não por causa da fome, como eu tive que sair de Pernambuco em 1952.
Esse país está nas nossas mãos, esse país está na nossa capacidade de falar para fora de nós mesmos. Por isso, é um desafio, Márcio (Macêdo, ministro), que você tem na Secretaria-Geral da Presidência da República. Você tem mais de 65 ou 70 entidades importantes participando. Então precisamos rediscutir qual será o papel do movimento sindical brasileiro.
Eu tive o prazer de ser presidente do sindicato no melhor momento da história do sindicalismo brasileiro e soube tirar proveito disso. Naquele tempo, eu ia na porta da fábrica, fazia assembleia às 5 horas da manhã com 24 mil trabalhadores e à tarde fazia com mais 20 mil trabalhadores. Hoje, as empresas já não têm mais essa quantidade de trabalhadores, os bancos já não têm mais a quantidade de bancários; nós já não conseguimos saber quais são as profissões que as pessoas estão exercendo.
Hoje, a gente vê gente trabalhando, sabe, carregando passageiros. Hoje, a gente vê gente carregando comida na bicicleta ou numa moto. Essa gente não pertence à categoria. Quem fala com eles? Quem vai discutir com eles? Aí, ele tá trabalhando em casa na informalidade, mas esse cara continua sendo homem, continua sendo mulher, continua sendo gente. É preciso fazer a cabeça deles.
Antigamente, eu trabalhava dez minutos a mais no meu horário de trabalho, eu pedia hora extra, eu abria processos. Hoje, se trabalha de escravo no celular, trabalha na hora do almoço, na hora que vai no banheiro, na hora que sai do serviço, na hora que vai deitar, e ninguém paga nada pelo excesso de jornada que cada um de nós faz nesse país.
Nós temos novas coisas para discutir, não são mais as mesmas que eu discutia quando eu tinha 30 anos de idade. Eu, quando tinha 33 anos, querido, eu já tinha quase 17 de contribuição previdenciária. Eu já tinha feito as greves mais importantes desse país, e foi isso que me fez chegar onde cheguei: a crença de que não existe nada impossível quando a gente quer fazer. A crença de que todo ser humano que tem uma causa, ele não envelhece. O que envelhece é a falta de tesão para viver, a falta de tesão pela vida, a falta de tesão pelas coisas que a gente faz.
Eu quero dizer pra vocês que eu sou uma pessoa que eu acho que Deus foi muito generoso comigo, mas muito generoso. Primeiro, fazer da onde eu saí, por onde que eu saí, e chegar onde eu cheguei. Segundo, por ter o orgulho de participar de uma geração extraordinária. Semana passada, eu jantei com o Chico Buarque, com a Bethânia e com o Caetano Veloso.
E eu queria fazer um encontro entre a geração que nasceu na década de 40, porque é a melhor geração no futebol no Brasil, é a melhor geração dos grandes cantores no Brasil, e é a geração que nasceu com o fim da guerra, e nós vivemos em paz até hoje, porque paz é condição sine qua non (sem a qual não). Gostaram do sine qua non? Para que a gente possa fazer esse país crescer e a gente viver melhor.
Então eu queria que a gente tivesse uma causa, companheiro Márcio: organizar e fortalecer o processo democrático deste país. As instituições brasileiras têm que valer, os sindicatos têm que valer, as mulheres têm que valer. As mulheres não podem mais aceitar a ideia de ser cidadã de segunda classe ou ser objeto de cama e mesa. A mulher é sujeita da história e ela faz o que ela quer, do jeito que ela quer, sem precisar pedir licença a ninguém.
Nós já conseguimos avanços extraordinários, mas o preconceito ainda existe, o machismo ainda existe. A gente fala que não tem racismo nesse país, mas está na cabeça das pessoas, impregnado, impregnado.
E a luta, portanto, meu caro Silvio Almeida (ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil), é uma luta sem trégua. Eu não tenho que ter vergonha de ser negro, eu tenho que ter orgulho de ser negro, porque o que iguala o ser humano não é a cor da pele, é a qualidade do caráter que as pessoas nascem com ele e podem, quem sabe, moldá-lo para ficar melhor.
Por isso, eu quero dizer, meu caro Márcio, parabéns por essa conferência. Parabéns! Que vocês se transformem daqui pra frente, não apenas em uma conferência que aprove no final dela mais três pedidos para o governo, não. Cada conferência daqui pra frente tem que ter um compromisso de trabalho até a próxima conferência.
Quantos bairros a gente vai visitar? Quantas favelas a gente vai visitar? Quantos presídios a gente vai visitar? Como é que a gente vai cuidar dos adolescentes que estão aí na periferia sendo preso a troco de nada, violentado a troco de nada? A gente pode fazer as coisas, a gente tem que conversar. De sábado e domingo fazer mutirão, bater palma. Vai encontrar um jovem arredio: “mas eu não gosto de vocês”. Vamos conversar, companheiro? Vamos conversar, companheira? Por que você acha que você está nessa situação? Por que você acha que você é assim? Por que você acha que não cresce? Por que você acha que você não evolui?
E o meu exemplo é uma mãe, uma mãe que muitas vezes, de domingo, ela tinha 8 filhos e não tinha o que colocar no fogão para fazer comida. E os 8 filhos esperando, ver se tinha alguma coisa. E a minha mãe nunca reclamava. Ela falava: “Amanhã vai ter.” Esse “amanhã vai ter” que não vai ser do jeito que eu sou.
Não existe nada, nada que alguém me diga: “Lula, você não pode fazer.” Eu só não farei se eu for covarde. Eu só não farei se não estiver ao alcance do ser humano. Mas aquilo que for possível, a gente tem que fazer. E é esse comportamento revolucionário, sabe, de um ser humano, de alguém que gosta da vida, de alguém que é fraterno, de alguém que é companheiro ou companheira, de alguém que é solidário, de alguém que é humanista, de alguém que não se deixa aprisionar e ficar o dia inteiro olhando um desgraçado de um celular para ouvir notícia que não interessa, para fazer futrica, para xingar, para falar mal dos outros.
Vamos aproveitar para fazer as coisas que nós achamos bem. Hoje, muitos de nós, se vai deitar à meia-noite, a última coisa que toca é no celular. Se levanta às 6h da manhã, a primeira coisa que toca é o celular. Às vezes nós criamos grupos de “zap” para fazer uma encrenca entre nós mesmos, para divergir, para brigar, para deixar de conversar.
Tem coisas melhores no mundo para a gente fazer. Outro dia eu cheguei na casa de um companheiro nosso, na Bahia, e estava o casal, um rapaz e uma moça namorando, sentados de frente, como a Jania e a Margareth (Menezes, ministra da Cultura) ali, cada um com o celular, falando pelo celular com o outro. Eu fui lá, tirei o celular da mão dos dois e falei: olha um para a cara do outro, sinta o cheiro um do outro, veja o calor um do outro, toque no braço e veja a química. Nós precisamos voltar a ser humanos, a ter sentimentos. É isso que precisa!
O que esse país precisa ter, nós somos capazes de construir. Não estraguem a juventude de vocês fazendo coisas insignificantes. A idade de vocês, a idade que a gente mais pode, é na idade de vocês que se é campeão do mundo, que se ganha a medalha de ouro, que se faz tudo na vida porque estão com 100% de energia. A cabeça está muito aberta, não desperdicem isso. Utilizem essa energia para uma coisa boa, para fortalecer esse país e para ter no Brasil milhões e milhões e milhões de meninas e meninos como vocês, politizados, querendo construir um país melhor, um país mais justo, onde todos vivam em igualdade de condições.
Eu quero dizer para vocês que se eu tinha alguma coisa para agradecer a Deus, Deus me deu, talvez a última coisa que eu precisasse, que é a minha querida Janja. Sabe, que quando eu pensei que mais nada ia acontecer na minha vida, aconteceu uma coisa fantástica. Uma coisa fantástica.
Eu quero que vocês saibam disso, porque muitas vezes acontece tanta desgraça na vida da gente que a gente pensava que já não tinha mais jeito na minha vida. Preso, solito. Sabe, o máximo que eu via era o pessoal gritando: “Bom dia, presidente, bom dia.” Até que me aparece a companheira Janja, e cá nós estamos.
Além de querer voltar à presidência do Brasil, eu estava com vontade de casar. Eu ganhei a presidência, casei com o povo brasileiro e ganhei de presente a companheira Janja para viver até o fim da vida, vendo vocês construírem um Brasil melhor do que o pai de vocês deixou para vocês.
Um abraço, viva a juventude, e até a melhora deste país, se Deus quiser!