Pronunciamento do presidente Lula durante participação em evento de diálogo com a sociedade civil
Muito obrigado, companheiros e companheiras, pela presença de vocês nessa COP28, nossos companheiros governadores, nossos deputados, nossos senadores e nossos representantes dos movimentos sociais brasileiros.
Eu penso que vocês estão vendo o que nós vamos enfrentar em 2025 para realizar a nossa COP. Não fiquem olhando os parâmetros dessa COP pensando que a gente vai fazer perto disso aqui, porque não há a menor condição. Nós vamos oferecer outra coisa, que não prédios fabulosos como esses. Nós vamos oferecer árvores para ter reunião embaixo delas, fazer reuniões em canoas, fazer reuniões em Igarapés.
E talvez seja melhor para muita gente que vai participar da COP no Brasil. Eu queria chamar a atenção de vocês para algumas coisas que vão acontecer no Brasil no próximo período. Vocês sabem que meu mandato vai até o dia 31 de dezembro de 2026, e vocês aprenderam nos últimos tempos a compreender que muitas das coisas que vocês reivindicam, que vocês brigam o dia inteiro depende de uma coisa chamada fortalecimento da democracia do nosso país.
Se a gente não leva isso em conta, a cada eleição a gente vai reclamar que o Poder Legislativo está mais conservador. E se ele tiver mais conservador, mais dificuldade nós teremos de aprovar grande parte daquilo que vocês passam o ano inteiro reivindicando. Eu descobri isso muito cedo. Quando eu era dirigente sindical, eu ia na porta da sala a partir das cinco horas da manhã reivindicar aumento de salário. E eu gritava, xingava o patrão, xingava o segurança da fábrica e, um belo dia, eu fui à Brasília e eu descobri que as pessoas que eu xingava na porta da fábrica era quem era eleito para deputado e senador, para legislar esse país.
E aí eu tomei ciência de que era preciso, ao invés de a gente ficar na nossa briga, sabe, por coisas individuais, por coisas de interesse de grupos, era preciso que a gente tivesse organização política, e que a gente levasse em conta que a gente precisava se organizar politicamente. É por isso que nós chegamos à presidência da República. Porque foi acreditar que, através da organização política, a gente recebe coisas que a gente está habituado a reivindicar desde o tempo em que a gente nasce. E muitas das coisas que vocês colocaram aqui nessa mesa são bandeiras históricas do movimento, são bandeiras antigas do movimento, e quando a gente pensa que está avançando, vem um terremoto e destrói tudo aquilo que a gente achou que era conquista definitiva.
Vocês sabem o que aconteceu no país nos últimos 4 anos. Vocês sabem quanta falta faz a democracia, quanta falta faz o governo que senta com o povo e escuta o povo, inclusive para criticar o próprio governo. Vocês sabem quanta falta faz um Congresso Nacional com representante dos trabalhadores. Eu digo sempre: a gente briga, briga, briga e quando chega no processo eleitoral, nós temos três representantes dos trabalhadores sem-terra e 240 representantes dos fazendeiros.
Se a gente não compreende essas coisas, a gente não vai mudar nunca. E eu queria dizer para vocês que nós temos três anos. Três anos para tentar compreender que a gente vai fazer o que for possível e impossível para gente consolidar as conquistas que nós já conquistamos nesse país. Nós estamos há onze meses no governo, nós chegamos ao governo semidestruído tudo que era política de inclusão social que nós tínhamos deixado, que a Dilma tinha deixado.
Nesses dez meses não fizemos outra coisa a não ser recuperar as políticas de inclusão social, assumir o compromisso de retomar todos os ministérios que a gente tinha, trabalhando com a metade das pessoas que trabalhavam em 2010. A Soninha (Guajajara), quando assumiu o ministério, quase que não tinha gente para trabalhar. A Marina assumiu o ministério com metade das pessoas que ela tinha em 2010, com todos os problemas que a gente tinha em 2010. Então, todos os ministérios estão sendo reconstruídos para que a gente possa dar total impulso, e é no ano de 2024 que nós vamos ter que fazer muito concurso para repor o poder de atendimento que a máquina pública precisa ter às questões demandadas pela sociedade civil.
Então é importante que a gente tenha clareza no que a gente está vivendo. Os ciclones, os furacões não estão acontecendo apenas no Sul, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul e no Paraná. Aconteceu na República Federativa do Brasil. E o que aconteceu na política desse país em 2018 foi um furacão que, por pouco, não destrói mais do que destruiu. Destruir o respeito às instituições, destruir o respeito à organização social, destruir o respeito relação com o movimento social que inexistia. Não se conversava com empresário, não se conversava com trabalhadores, não se conversava com negro, não se conversava com LGBTQIA+, não se conversava com indígena, não se conversava com ninguém.
Esse país era um país predestinado a atender o interesse de poucos em detrimento às necessidades de muitos. Nós temos três anos para recuperar isso. E vai precisar, não é vocês entendendo que o Lula vai fazer, vai depender da capacidade de trabalho que o movimento social tem. É por isso que nós recompusemos a Secretaria-Geral, é por isso que a Secretaria-Geral retomou todos os contatos com os movimentos sociais, porque quando a gente chegar nesse ano, nós já temos uma tarefa que nós não estamos habituados a fazer.
Nós temos o G20. O G20 é uma coisa muito importante, porque é a reunião das economias mais fortes do planeta. E antes dele vai ter umas setenta, oitenta reuniões com ministros e nós queremos fazer uma grande participação social nesse G20. Nós queremos que quando os chefes de Estado se reunirem em novembro a gente tenha, antes dos chefes de Estado, o resultado daquilo que é a decisão do movimento social brasileiro sobre o papel do G20 no próximo período. Se não, a gente vai continuar fazendo reuniões, a gente aprova documentos porque é tudo de consenso, esses documentos são aprovados, não acontece nada no ano seguinte, a gente vai para outra reunião, a gente aprova outro documento, não acontece nada, a gente vai para outra reunião e assim o mundo vai. Ou seja, de COP em COP a gente aprova tudo, e não executa nada. Esse é o dado concreto e objetivo. Nós estamos tentando ver se a gente consegue mudar e, quem sabe, um dia seja na nossa querida COP30, no estado do Pará.
Primeiro por conta da expectativa, fazer uma COP no coração da Amazônia, onde todo mundo se mete a entender da Amazônia, em qualquer país do mundo que você vá o povo fala da Amazônia, as pessoas estudam a Amazônia, então dessa vez a gente resolveu fazer com que a Amazônia fale com o mundo, o que ela é e o que ela quer. Não será uma tarefa fácil. E no mesmo ano nós ainda vamos ter que fazer a reunião dos BRICS, que é uma reunião que reúne grande parte das economias do mundo.
Com o Mercadante, com o Putin, arriscado ser preso em qualquer país que ele for, e nós vamos precisar da nossa gloriosa Suprema Corte, tomar uma atitude que vai ajudar a conduzir. Bom, eu estou dizendo isso porque todas essas coisas que nós vamos fazer oficialmente têm que ser precedidas por uma forte participação de vocês, por uma forte elaboração de documentos de vocês, porque a gente tem que se preparar para entender que ou nós construímos uma força democrática capaz de ganhar o poder Legislativo, o poder Executivo e fazer a transformação que vocês querem, ou nós vamos ver acontecer o que aconteceu com o Marco Temporal. Querer que uma raposa tome conta do nosso galinheiro é acreditar demais. E nós temos que ter consciência do papel da politica que a gente tem que fazer. Nesse país se acostumou a ensinar a sociedade a negar política, nada da politica presta, todos os deputados, governadores e presidentes são ladrões, todo mundo é ladrão, quem governa é ladrão.
E, pasmem, vocês sabem o que está acontecendo no Brasil, vocês viram o que aconteceu na Argentina, vocês viram o que aconteceu na Holanda. E vamos tomar cuidado para que não aconteça nos Estados Unidos outra vez. Isso se chama fortalecimento da democracia. Ou a gente participa ou a extrema-direita vai voltar com muita força, não apenas no Brasil, mas em muitos outros países. Significa que vocês, além de agentes reivindicadores, têm que ser agentes formuladores e agentes participativos. É mais que reivindicar. É participar. É mais que reivindicar. É ajudar a fazer.
Quanta gente nós temos no movimento popular no Congresso Nacional? Quantos indígenas nós temos como deputado no Congresso Nacional? Elegemos a nossa Soninha. Quanta gente? Quantos negros e negras nós temos no Congresso Nacional? Significa que falta uma coisa que eu aprendi muito cedo, a luta que eu fazia economicista é maravilhosa se tivesse 10% no aumento do salário. Mas no mês seguinte ela era corroída pela inflação. Então eu resolvi fazer política, tudo que vocês estão reivindicando, o sofrimento dos Guarani, por exemplo, eu sei o tanto que aquele povo sofre. Eu sei que aquele povo sofre desde 1989, e nós temos que dar uma solução. Há muito tempo eu cheguei até a pensar em comprar uma terra para dizer: “vocês vão ter a terra de vocês para vocês plantarem e viverem sem a ameaça de morte que vocês vivem hoje”.
E nós precisamos criar as condições para isso gente. Vocês aproveitem porque vocês têm três anos em que vocês podem se reunir, vocês vão ser chamados a participar, vocês vão ser chamados a formular, vocês vão ser chamados para tudo. Mas na hora de decidir quem vai mandar na política desse país, vocês vão ter que estar mais organizados, mais plural, mais abertos a fazer com que mais gente que vocês acreditam cheguem no poder desse país.
Vejam, nós começamos o ProUni há alguns anos atrás, quantos negros nós temos no Poder Judiciário? Quantas negras nós temos no Ministério Público? Quantos indígenas nós temos? Veja, quando a gente tem um, a gente já faz uma festa, mas eles têm mil. Esse é o dilema. É que nós ainda não nos tornamos competitivos. Uma coisa maravilhosa já aconteceu: é que você chega na USP, em São Paulo, que é uma universidade majoritariamente de branco, e você vê uma universidade que é a cara do Brasil. Ela é negra. E uma coisa mais importante: as mulheres estão ocupando mais espaços que os homens, inclusive nas disputas das universidades. Com o resultado do ProUni agora, mais mulheres do que homens.
Eu só queria dizer o seguinte: vamos pegar a questão da participação do Brasil na energia verde. Esse país será imbatível nessa discussão de transição energética. Não sei se vocês perceberam o dado, mas o Brasil atingiu a marca de 100 Gb por conta da temperatura. E sabe qual é a alegria? É que 90% da energia utilizada é renovável. Que país tem isso no mundo? Que país tem 27% de etanol na gasolina, podendo chegar a 30% ou a 100%? Que país tem política de biodiesel que nós temos? Acabar com alguns combustíveis fósseis é um desejo, mas é uma guerra, uma luta. Primeiro, de vencer todos os obstáculos tecnológicos, segundo é ter o suficiente de renda.
É por isso que que todo mundo ficou assustado com a possibilidade de o Brasil participar da OPEP. Vocês viram no jornal? O Brasil não vai participar da OPEP, o Brasil vai participar da OPEP+. É tão chique esse nome. É que nem eu participar do G7. Eu participo do G7 desde que ganhei a presidência da República. Aliás, o único presidente que participou de todas as reuniões do G7. Eu vou lá, escuto, só falo depois que eles tomarem a decisão, e vou embora. Não apito nada.
A OPEP+ eu acho importante a gente participar, porque a gente precisa convencer os países que produzem petróleo que eles precisam se preparar para reduzirem os combustíveis fósseis. E se preparar significa aproveitar o dinheiro que eles lucram com o petróleo e fazer investimento, para que um continente grande como a América Latina possa produzir combustíveis renováveis que eles precisam, sobretudo com o hidrogênio verde. Porque se a gente não criar alternativa, a gente não vai poder dizer que vai acabar com os combustíveis fósseis. É preciso apresentar. A Ângela Merkel, da Alemanha, fez uma fala muito séria sobre o que aconteceu, aquela crise na usina nuclear do Japão. Ela resolveu parar toda a energia nuclear da Alemanha. Não esperava a guerra na Ucrânia. O que que a Alemanha está usando hoje? Carvão. Voltou a usar. Porque essa é a realidade. Ou você cria alternativa, ou você não vai fazer discurso. E nós queremos.
É por isso que no PAC a gente colocou a questão de um pacote de quase R$ 160 bilhões para a gente fortalecer a energia renovável. É por isso que está aqui o Haddad, é por isso que está aqui o Rui Costa, para a gente conversar com quem tem dinheiro para fazer investimento em energia renovável. Quer ganhar? Então vai ajudar a produzir combustível renovável. Vamos ajudar a investir em eólica, vamos ajudar a investir em solar, vamos fazer combustível verde, vamos fazer, sabe, plantar cana para fazer etanol. Então, a alternativa existe.
O Brasil será o carro chefe, é por isso que o Brasil tem autoridade de chegar nessas reuniões contando que nós fazemos as coisas que nós podemos fazer. É por isso que nós cobramos. É por isso que nós conquistamos respeito. Porque quando a gente assumiu o compromisso de que a gente vai chegar a desmatamento zero em 2030, é porque é uma questão de fé, é uma questão política, é uma questão de compromisso. Nós vamos chegar a desmatamento zero em 2030. E podemos até chegar antes, vai depender da nossa capacidade de agir, vai depender de cada eleição. E cada eleição tem um peso importante para a gente fazer as coisas. Nós saímos rapidamente da porteira, para passar e fechar a porteira e permitir que as plantas possam voltar a nascer.
Mais importante é que nós estamos com um programa na perspectiva de recuperar 40 milhões de hectares de terras degradadas nesse país, para você plantar o que você quiser, para você criar o que você quiser sem precisar derrubar uma única árvore da Amazônia ou de qualquer outro bioma. Pela primeira vez, eu fiz com a Marina uma reunião sobre os biomas nossos. Descobri até que o Pampa é um bioma, eu nunca tinha tratado o Pampa como bioma. Mas lá tinha um gaúcho que falou que o Pampa era um bioma. Então nós fizemos uma reunião porque daqui pra frente a gente se preocupa muito... a gente se preocupa muito com a Amazônia, a gente se preocupa muito com a Mata Atlântica, mas a gente tem que se preocupar com o Pantanal, com a Caatinga, com o Cerrado, e com o Pampa. Essas coisas vão acontecendo na medida em que a gente vai aprendendo, na medida em que vocês vão trazendo essas questões, na medida em que vocês vão reivindicando, e na medida em que a gente vai criando condições para fazer.
É importante que vocês não percam o tempo da proposta. Eu, às vezes, fico preocupado porque muita gente muita gente implicou com a questão do Marco Temporal, e ninguém aqui tira o voto da gente no Congresso Nacional. É só olhar a geopolítica do Congresso Nacional que vocês sabiam que a única chance que a gente tinha era o que foi votado na Suprema Corte. E é por isso que a gente corre risco de derrubar o veto. É preciso tentar convencer os caras a não derrubar o veto, deixem os nossos indígenas quietos, que eles só querem viver bem. Isso é negociação, vocês precisam ter noção do que a gente precisa fazer. E fazer a cada dia mais.
Esses dias, eu queria falar pra Kátia que eu fiquei muito p... Mas eu fui a Contagem, em Minas Gerais. Tem um quilombo que foi reconhecido em 2005. Em 2005, eu era presidente da República. E eu fui lá, em 2022, e ainda não foi dado a escritura desse reconhecimento. Por isso que eu acompanhei o pessoal do Incra na última reunião que fizemos da questão da igualdade racial. Como é que pode a gente autorizar há 15 anos, e não ter o reconhecimento ainda?
Eu só quero dizer para vocês o seguinte: se preparem que nós temos três anos de muita luta pela frente, de muita luta mesmo. Vocês sabem que o que nós estamos fazendo vai ter muito enfrentamento, vai ter muita briga, que não vão fazer com muita facilidade a COP30 porque vão dizer: “não, tão gastando dinheiro na COP30? Poderia gastar no SUS, poderia gastar não sei aonde”. Porque é sempre assim, e pra nós a COP30 é um marco definitivo dessa questão ambiental. Se o mundo tiver falando sério, a preocupação com o planeta Terra é a COP30. Um divisor de águas. Ou a gente faz, ou a gente não faz e é cada um pra si e Deus pra todos. O que eu posso garantir para vocês é que vamos fazer a nossa parte. Se os outros quiserem, que venham junto. Mas nós vamos, mesmo que sozinhos, cumprir cada coisa que nós prometemos na questão do clima, porque significa a independência desse país, significa a gente ter energia verde para dar e para vender, e significa a gente cumprir com o sonho de que a gente quer deixar as coisas para os nossos filhos.
Um beijo no coração de vocês e até a próxima.