Pronunciamento do presidente Lula durante credenciamento do IMPA como instituição de educação superior
Bem, eu quero, primeiro, cumprimentar o governador Cláudio Castro. Cumprimentar o nosso querido prefeito do Rio de Janeiro. Cumprimentar o companheiro Camilo, ministro da Educação. A nossa companheira Luciana, ministra da Ciência e Tecnologia. A nossa querida presidenta do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, deputada federal. O deputado Lindbergh Farias. Quero cumprimentar o companheiro Marcelo Viana, diretor-geral do Instituto de Matemática Aplicada. E, cumprimentando o Marcelo, quero cumprimentar todos aqueles que estão no instituto fazendo com que o IMPA se transforme em uma instituição muito respeitada no Brasil e no mundo. E quero cumprimentar a nossa querida Melissa, que, com apenas 14 anos de idade, já sabe o valor do que é a medalha de ouro, que quase eu ganho jogando futebol, se eu tivesse ido para o Vasco. Mas eu não fui pro Vasco, então não ganhei.
Eu quero dizer, Eduardo, que, embora eu seja corintiano em São Paulo, eu sou vascaíno aqui no Rio de Janeiro. Eu já fui vaiado muitas vezes porque eu defendi o Vasco numa reunião que tinha mais flamenguista do que vascaíno, mas eu acho que a minha relação com o Vasco é por conta do papel do Vasco na história dos negros no Brasil. Eu acho que foi isso o que me fez virar vascaíno.
Bem, lamentei que o Corinthians ganhou do Vasco de 4 a 2 aqui no São Januário, preferia que desse um empate, mas o Corinthians também estava para cair, cara. O Corinthians perdeu de 5 a 1 do Bahia, lá no Itaquerão. Paciência. Que me perdoem meus amigos vascaínos. O Corinthians já está garantido.
Olha, eu estou com um discurso bem estruturado aqui, mas eu estou pensando que não é necessário fazer um discurso aqui. Apenas fazer uma informação correta. Eu não criei as Olimpíadas da Matemática. As Olimpíadas da Matemática já existiam, ela era mais forte no estado do Ceará e no estado do Piauí. Não era nem no Rio de Janeiro e nem em São Paulo. E ela existia em escolas privadas, não escolas públicas. O que eu fiz, depois de receber uma apresentação de um grupo de alunos premiados com a medalha nas Olimpíadas, é que eu perguntei para a professora Suely Druck se era possível a gente levar a Olimpíada da Matemática para o ensino público. Na época, as primeiras vozes que eu ouvi – não dela –, mas de outras pessoas, era de que não ia dar certo nas escolas públicas, porque os alunos de escola pública não teriam interesse nas Olimpíadas da Matemática. Isso demonstra o preconceito contra a escola pública desse país. Porque muitas das pessoas que têm a oportunidade não conhecem as escolas públicas. E muitos governantes não conhecem, porque os filhos dos governantes também não estudam na escola que ele diz que é boa. Você chega para um prefeito e pergunta: "Como que é a educação municipal na sua cidade?". "É extraordinária, fantástica". “Teu filho estuda nela?”. "Não". "Como é a saúde da sua cidade?", "Extraordinária, fantástica". "Você vai no médico aqui?". "Não".
Então, eu resolvi aceitar o desafio de mostrar que o aluno de escola pública teria o interesse se ele soubesse o que era e se ele tivesse oportunidade. E quando nós criamos a Olimpíada da Matemática, a Suely me disse uma coisa que era o seguinte: "Presidente, a matemática, possivelmente, ela se transforme na matéria mais gostosa de uma escola se o aluno aprender a desfiar o casulo da matemática. Ele tem que aprender. Quando ele aprende corretamente, a matemática vira a matéria mais extraordinária na vida dele". Que é um pouco o que falta no Brasil, que depois eu vou falar disso. Então, nós fizemos o desafio. Eu lembro que, na época, me parece que foi em 2005, na primeira inscrição que nós fizemos na escola pública, se inscreveram 10 milhões de crianças. Ou seja, quando diziam que os alunos de escola pública não teriam interesse, na primeira inscrição se inscreveram 10 milhões. Na segunda inscrição era ano de eleição, 2006, e aí não se deixaram nem colocar um papel na porta da escola pedindo para as crianças se inscreverem, porque era campanha política. Então não teve propaganda. Se inscreveram 14 milhões de crianças. Depois se inscreveram 16 milhões de crianças. Depois se inscreveram 19 e, hoje, sabe quantas pessoas participaram das Olimpíadas esse ano? 18 milhões de pessoas.
Bem, a teimosia venceu o preconceito. E a teimosia provou que, na hora que as pessoas entendem e as pessoas têm chance, as pessoas participam. Esse negócio das pessoas não entendem, eu aprendi com o cacique Raoni. Acho que todo mundo aqui já viu pela televisão o cacique Raoni. A nossa ministra da Saúde, Nísia Trindade, estava apresentando um programa de saúde para os indígenas e o Raoni ficou bravo. Ficou bravo e perguntou para ela: "A senhora tem que me explicar, porque eu não entendi". E ela achou que ele estava bravo com ela. Ele não estava bravo, ele apenas queria que ela explicasse. Aí, quando ela explicou, ele falou: "Tá vendo? Se me explica, eu entendo".
E o que falta nesse país é a gente explicar para as pessoas. É a gente abrir a porta. A gente não quer tirar nenhum estudante de escola privada de disputar as Olimpíadas da Matemática ou ser ela a premiada para fazer o curso de matemática. Não. O que a gente quer, da mesma forma que o dinheiro garante que o estudante que possa pagar uma escola privada tenha uma melhor qualidade de ensino, a gente quer abrir a porta para aquele que não teve a mesma facilidade que o dinheiro lhe deu, que o Estado dê para ele a oportunidade de ele ter a mesma chance e sentar na mesma mesa para aprender as mesmas coisas.
Então, eu queria que vocês guardassem na memória o dia 6 de dezembro de 2023. Sobretudo vocês, meninos e meninas que estão com essa camiseta amarela. Se eu soubesse, eu tinha trazido uma camiseta do Corinthians para vocês, preta e branca. Eu queria que vocês atentassem para o significado desse dia. O Brasil sempre tratou o investimento em educação como gasto. E quando você coloca a educação como gasto, que você vai fazer o Orçamento, o Orçamento da prefeitura, o Orçamento do estado, o Orçamento da União, sempre vai aparecer alguém para dizer que está gastando demais. E, quando você fala que está gastando demais, você começa a cortar. Aí você corta na educação, está gastando demais. Você cortar na educação significa você baixar a qualidade. Você paga menos salário, você contrata menos professores e tem menos alunos. E o ensino é de pior qualidade. Quando você corta gastos na saúde, é menos médico. É menos enfermeiro. É menos sala para tratar das pessoas. Isso tudo significa cortar gasto. Que as pessoas que não precisam do serviço público acham maravilhoso cortar gasto, porque não utilizam esse serviço. Eles não estão querendo saber se a escola pública desse país tem água. Muitas vezes, não tem. Se tem uma privada limpa. Muitas vezes, não tem. Se a parede está limpa ou não. Muitas vezes, não está. Ele não frequenta, os filhos dele não estudam nessas escolas. Então é preciso que tenham governantes com sensibilidade, com um olhar muito mais com o coração, para garantir o seguinte: eu não tenho que favorecer ninguém, eu só tenho que dar oportunidade para todos. E é isso que nós estamos fazendo aqui.
Não sei, Eduardo, se você sabe, governador, mas me parece que o Brasil é um dos países que mais forma advogado no mundo. Nem a China e a Índia, juntas, que formam 2,6 bilhões de habitantes, formam mais advogados que o Brasil. Nada contra formar advogados, agora é preciso que a gente forme mais em matemática, em engenharia, em física. É preciso que a gente pegue aqueles cursos que são, hoje, primordiais para o desenvolvimento de uma nação. Aquilo que o mundo, hoje, necessita para que a gente possa ser mais competitivo.
Obviamente que quando a gente cita Singapura, como exemplo, Taiwan, é muito simples. Um ‘paisinho’ pequeno. E, no Brasil, toda vez que você tenta criar oportunidade para todos, a gente vai cair a qualidade. A universalização do ensino. É interessante esse dado. Vocês, jovens, gostam de ler livros? É bom ler, sabe por quê? Porque se vocês ficarem no português do Twitter, vai diminuir o vocabulário de vocês. Vai diminuir. Então, eu não sei se vocês sabem, eu também criei a Olimpíada de Português. Porque, até hoje, se fala que a meninada do Brasil não é boa de redação. Até hoje se fala que a meninada nossa não consegue interpretar um texto. Ora, porque português também tem que estudar. E é uma coisa extremamente importante. Eu criei as Olimpíadas da Matemática, acho que ela funcionou uns dois ou três anos, depois eu não sei o que aconteceu. Eu também tinha criado a Olimpíada da Ciência. Eu achava que todas aquelas matérias que pareciam difíceis, a gente tinha que criar olimpíadas para criar uma disputa entre a juventude, para ele ter interesse de participar. Mas, lamentavelmente, não aconteceu. Eu acho que a medida que a gente vai ter que pensar que outras áreas a gente precisaria criar olimpíadas para dar, eu diria, vontade. Eu lembro que a meninada ia estudar dia de domingo para fazer a Olimpíada da Matemática.
Então, o que nós estamos tentando fazer é tentar criar um outro país. Porque, nesse país, o discurso é sempre assim: tudo que é para o pobre é gasto. Tudo que é para o rico é investimento. Pode dizer: "O Lula tem preconceito". Não tenho. Aliás, Eduardo, eu não tenho preconceito de classe, porque inverteu-se. Não é os de baixo que têm preconceito de classe contra os de cima. Hoje são os de cima que têm preconceito de classe contra os de baixo.
O velho Frias era dono da Folha de S. Paulo. E ele dizia sempre para mim: "Ô, Lula, você quer ser presidente da República, o pessoal do andar de cima não vai deixar, cara". Eu falava: "Mas quem é o pessoal do andar de cima?". "O pessoal do andar de cima não vai deixar". Eu precisei perder três eleições para descobrir quem era o pessoal do andar de cima. Agora, depois que nós subimos pro andar de cima, esse que vos fala não tem diploma universitário. Quero dizer para vocês que eu nunca ganhei a Olimpíada da Matemática. A única olimpíada que eu consegui ganhar é que, por conta da perseverança da minha mãe, eu não morri de fome até completar 7 anos de idade. É a única. E, por conta disso, eu tive uma obsessão de investir em educação. Como eu não tive oportunidade de estudar, por N razões, eu tive uma obsessão. Era preciso investir para garantir que os filhos das pessoas mais humildes pudessem ter o direito de chegar em uma universidade. É por isso que nós criamos o ProUni, que deu oportunidade a milhões de brasileiros para estudar. É por isso que nós criamos o Reuni, que elevamos o número de vagas de doze alunos por professor para 18 alunos. Eu lembro que, na época, Eduardo Paes, um trabalhador no estado do Paraná, o filho dele tinha vaga na universidade federal. Tinha vaga. E ele queria que o filho entrasse e não deixavam o filho entrar, porque ia piorar a qualidade do ensino. Ele foi pra Justiça para conseguir estudar. Aí nós criamos o ProUni e garantimos isso. E criamos o Reuni. E foi por isso que nós vamos passar para a história como o governo que mais fez universidade na história desse país, mais fez extensões universitárias, mais fez escolas técnicas.
Desde o presidente Nilo Peçanha, em 1909, na cidade de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, ele fez a primeira escola técnica. Em 1909. Quando eu entrei na presidência, quase um século, tinha 140 escolas técnicas. Eu e a Dilma, juntos, fizemos mais de 600 escolas técnicas nesse país para garantir que as pessoas pudessem estudar. E por que que o Camilo é ministro da Educação? Não é porque ele foi governador do Ceará. É porque o estado do Ceará, que é um estado pobre do Nordeste brasileiro, é um dos estados que tem a melhor avaliação da educação no ensino fundamental deste país. É porque, companheiro Lindbergh, 40% dos estudantes que passam em vestibular, para estudar do ITA, em São José dos Campos, são do Ceará. E é por isso que nós vamos dar um prêmio ao Ceará por isso. Nós vamos levar uma parte do ITA para o estado do Ceará, para Fortaleza, para compensar o esforço que eles fizeram.
Então, toda vez que alguém chegar para você e falar: "Não tá gastando muito em educação?". Você tem que perguntar o seguinte: "Quanto custou a esse país não ter investido corretamente na educação em todo o século XX?" “Quanto custou a esse país ser o último país da América do Sul a ter uma faculdade, uma universidade?” Você, Lindbergh, que é, você foi estudante de medicina? Mas não se formou. É bom se formar. Tem tempo ainda porque é muito jovem. O Peru foi descoberto 1492. Descobriram as Américas. Em 1554, o Peru já tinha a sua primeira universidade, a Universidade de São Marcos. O Brasil foi descoberto em 1500. A primeira universidade brasileira só foi feita em 1920, a chamada Universidade Brasil. Não foi por preocupação com os estudantes, não. Era porque vinha pra cá o rei da Bélgica e o rei só visitava um país se dessem para ele um título de doutor honoris causa. Aí criaram a Universidade Brasil, juntaram as faculdades que tinham e aí nós temos a nossa primeira universidade. Quatrocentos e vinte anos depois. Agora, estou aqui eu. Quinhentos e vinte e três anos depois, criando a primeira faculdade de matemática deste país, para que a gente possa mudar a história deste país.
Então, gente, pelo amor de Deus, governantes, alunos, não levem a sério quando falam que a gente está gastando dinheiro em educação. Educação é o investimento mais extraordinário que um governo pode fazer. E se a gente educar no tempo certo, essa meninada tem que aprender matemática cedo. Tem que aprender português cedo. Tem que aprender geografia cedo. Ou seja, nós temos que dar para essa meninada a estrutura para que ele se transforme em um gênio. Vocês sabem os grandes gênios intelectuais desse país? Escolha uns. Citem uns. Sabem onde estudou? Escola pública. Todos eles. Todos os gênios brasileiros estudaram em escola pública. Sabe por quê? Porque, naquele tempo, não era universal. Então, escola como a Dom Pedro aqui, só uma turma privilegiada, não porque era rico, mas de classe média, que conseguia estudar em uma escola de qualidade. O pobrezinho ia sendo empurrado, empurrado, empurrado até ficar fora da escola. Porque estudar não deve ser só obrigação. Estudar é prazer. Prazer. As crianças se levantarem de manhã e começar a chorar e não querer ir pra escola, vocês não têm que bater na criança, você tem que saber que talvez a escola não esteja sendo atrativa para aquela criança e é preciso transformar a escola em um centro de atração.
Governador, Camilo, não basta. Quando eu cheguei na presidência do Brasil, esse país já tinha tido muitos reitores ministros da Educação. Entretanto, a meninada não tinha prova. A chamada prova Brasil, para avaliação da qualidade das crianças, era feita uma estimativa. Acho que era 400 mil pessoas que eram investigadas, só no Brasil. E nós mudamos para fazer prova com todos os alunos. Porque não é possível um professor entrar na sala de aula, ou uma professora, aí fica lá, durante 1 hora, falando. Uma hora falando. Uma hora falando. Falou, falou, falou. Pronto, acabou a aula, vai embora. Sabe, e no dia seguinte. E no outro dia. E trinta dias depois. E quarenta dias depois. A minha pergunta é a seguinte: em que momento esse professor vai parar e perguntar para os alunos: "Vocês aprenderam o que eu falei? Vocês me entenderam?". Porque se não tiver essa pergunta e não tiver uma prova, a gente não sabe qual é a qualidade de aprendizado que os alunos tiveram. Não é preciso ser do IMPA para dizer isso. Um analfabeto como eu diz. Eu quero aprender. E, para mim aprender, não basta falar, é preciso saber se eu entendi. Se for necessário, repita uma vez, repita duas vezes.
E vou terminar dizendo uma coisa que eu aprendi desde pequeno: quando você fala uma coisa para alguém e essa pessoa não entendeu a primeira vez, essa pessoa é burra. Quando você fala a segunda vez e essa pessoa ainda não entendeu, essa pessoa continua sendo burra. Mas quando você fala a terceira vez e essa pessoa não entendeu, burro é quem tá falando, que não se faz compreender, mesmo falando três vezes. E nós só vamos criar gênios nesse país se a gente fizer o que a gente está fazendo. E pode ficar tranquilo, vocês vão fazer um vestibular. Não sei se todos vocês vão entrar, mas eu vou vir aqui para a inauguração da aula inaugural. E quero visitar o apartamento que vocês vão ficar para saber se é de qualidade. Porque é isso que a gente tem que dar para as pessoas que a gente quer que sejam gênios. Oportunidade e qualidade. Vocês têm que ter o melhor. E o melhor, às vezes, significa custo. E o custo significa investimento. E investimento vai parir boas coisas pro nosso país.
Parabéns, Eduardo. Parabéns, governador. Parabéns, Camilo. Parabéns, Luciana. Parabéns, Marcelo. E parabéns ao Rio de Janeiro por ter a primeira faculdade de matemática.