Pronunciamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cerimônia de lançamento do programa Povos da Pesca Artesanal
Querido, querido companheiro André de Paula, ministro da Pesca e Aquicultura; querida Margareth Menezes, ministra da Cultura; querido companheiro Luiz Marinho, ministro do Trabalho e Emprego; querido companheiro Carlos Lupi, ministro da Previdência Social; querido companheiro Wellington Dias, ministro do Desenvolvimento e da Assistência Social, Família e Combate à Fome; querida companheira Luciana Santos, ministra da Ciência e Tecnologia e Inovação; querido Paulo Teixeira, ministro do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar; querida companheira Cida Gonçalves, ministra das Mulheres; companheiro Marcos Amaro, do Gabinete de Segurança Institucional; meus queridos companheiros e companheiras, a nominata é muito grande e eu vou economizar pra falar com vocês.
Primeiro, fazer inveja pra vocês: sábado fui pescar. Presta atenção, André. Sábado eu fui pescar, pesquei quatro pacu, peguei um dourado e peguei uma pirarara. Eu sou um pescador diferente, porque eu tiro a garra do meu anzol para não machucar os peixes. E quando eu pego, eu solto pra pescar no outro sábado. Não são os mesmos peixes, são peixes diferentes. Mas eu só queria dizer para vocês que, além de pescador, eu fui catador de siri e fui catador de caranguejo. Quem não acredita nisso, esse dedo aqui eu perdi pegando um caranguejo, lá em Pernambuco. Essa é a prova da minha relação com vocês.
A segunda coisa que me deixa feliz é poder garantir a vocês a possibilidade de voltar a entrar no Palácio do Planalto. Isso aqui sempre deveria ser um espaço em que as mais diferentes pessoas da sociedade pudessem por aqui transitar. Aqui não deveria ser proibido entrar ninguém que, de forma civilizada, viesse aqui pra exercer a democracia e que não repetisse a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, que os fascistas tentaram dar na democracia desse país.
Por isso, é gratificante a entrada de vocês. É gratificante a entrada das pessoas que vive nesse país no anonimato. Pessoas que trabalham, pessoas que sustentam sua família, pessoas que muitas vezes passam dificuldade. Pessoas que muitas vezes jamais imaginaram chegar perto de um ministro, perto de um presidente da República. E, quando eu vejo vocês aqui, eu fico pensando no presidente Nelson Mandela, da África do Sul.
Quando eu fui visitar o Mandela, em 1994, eu fui com a Benedita da Silva [deputada federal] e fui com o Vicentinho [deputado federal] e que tinha uma fila enorme de pessoas perto do palácio onde o Mandela governava e eu perguntei pro Mandela o que que aquelas pessoas estavam fazendo ali. E uma delas falou: "ô Lula, estas pessoas estão aqui, eles não querem nem me ver, eles querem apenas tocar a mão no palácio em que o presidente da República governa, porque em outros tempos, no tempo do apartheid, eles nunca tinham oportunidade sequer de passar na rua onde ficava o palácio”.
Pra muita gente, isso não é nada, mas para as pessoas mais humildes desse país, que nascem e morrem lutando contra tudo e contra todos, que nasce e morre vivendo muitas vezes política de adversidade, que muitas vezes a elite dominante, a classe política que governa não liga. Porque vocês sabem que pobre nesse país só tem valor na época das eleições. Na época das eleições, na época das eleições todo mundo xinga banqueiro, todo mundo xinga grandes empresários. Todo mundo xinga todo mundo, menos o trabalhador. O trabalhador é a palavra mais doce, mais encantadora, mas depois das eleições, normalmente, os trabalhadores são esquecidos e aqueles que foram xingados nos palanques passam a fazer parte da turma que governa o país. Este gesto aqui é para mostrar a diferença. Esse gesto aqui é para mostrar a diferença entre os mais diferentes governos que esse país já teve. Esse gesto de vocês virem aqui hoje pra gente assinar os decretos e os acordos que foram assinados, é a demonstração de que o povo trabalhador brasileiro – envolvendo todas as categorias de trabalhadores – pode garantir. Nós derrotamos o fascismo e nós conquistamos a democracia nesse país.
Eu, quando pensei em criar o Ministério da Pesca era pelo fato de que eu não conseguia entender como é que um país que tem a quantidade de água doce desse país, como é que um país que tem a quantidade de água salgada que nós temos, com mais de 8 mil quilômetros, sabe, de costa marítima, a pesca era tratada como se fosse uma coisa pequena: uma secretaria dentro do Ministério da Agricultura. Como se fosse algo insignificante. Até porque naquela época não tinha, sequer, políticas de pesca na maioria das famílias deste país. Não tinha pesca em tanque, não tinha pesca em tanque e rede, não tinha nada. Mas tava lá, na Agricultura. Quando eles deram o golpe na Dilma [Dilma Rousseff, ex-presidente do Brasil], outra vez eles acabaram com o Ministério da Pesca e voltou pra ser uma secretaria da Agricultura. Quando eu fui recriar o ministério, me disseram: "será que é bom recriar mesmo?" Eu falei: "É. É”. Enquanto peixe viver na água e não na terra, a gente não planta, a gente cria, a gente vai criar o Ministério da Pesca e da Aquicultura. Se, se no futuro outros governos acabarem, e ainda mais no futuro nós voltarmos, nós iremos, outra vez, criar o Ministério da Pesca e Aquicultura, porque nós sabemos o sacrifício que vocês fazem para sobreviver.
Por isso, companheiros e companheiras, eu preparei um discurso aqui muito poético para vocês. Eu queria começar dizendo a vocês:
Sejam bem-vindos jangadeiros, marisqueiras, caiçaras, ribeirinhos, pantaneiros, indígenas, quilombolas e demais povos das águas do Brasil.
A porta do Palácio do Planalto estão novamente abertas para vocês que participam da Primeira Semana Nacional da Pesca Artesanal. E hoje, nós comemoramos juntos o lançamento do programa Povos da Pesca Artesanal.
Seis, seis em cada dez peixadas ou mariscadas cozidas pelo Brasil vêm de suas fisgas, caniços, puçás, tarrafas, arrastos e de suas próprias mãos escavando a lama dos manguezais.
Esse é o tamanho da pesca artesanal no Brasil, mesmo com todas as dificuldades, o desafio dos últimos anos.
Imaginem toda potência que vem de mais de um milhão de pescadores e pescadoras, multiplicada por oportunidades e apoio servido pelo Estado.
Foi para isso que recriamos o Ministério da Pesca e Aquicultura, e o recriaremos quantas vezes forem necessário, cada vez melhor e cada vez mais forte.
Eu lembro que aqui está o companheiro Gregolin (Altemir Gregolin, ex-ministro da Pesca e Aquicultura), que foi um dos meus ministros entre 2007 e 2010. Eu lembro que naquele tempo a gente tomava a decisão de financiar barco para as pessoas pescarem. Barco pequeno, "chata", como se diz em muito lugar desse país. Eu dizia para as pessoas: "Se o governo pode fazer política especial pra financiar carro, por que que a gente não pode financiar barco? Por que que a gente não pode financiar rede? Por que que a gente não pode financiar o óleo diesel para que vocês possam pescar? Na verdade, é só tomar decisão que as coisas acontecem.
E eu quero, querido ministro, que você assuma o compromisso. Eu pedi pra você um estudo. Eu quero, quero saber em três anos, a partir de hoje, quanto vai crescer a pesca nesse país. É preciso, é preciso que a gente saiba que o Brasil pesca menos que um país menor que nós, como o Peru. O Brasil pesca menos que um país como o Chile. E não tem explicação. A não ser a falta de competência do governo, com a falta de ajuda, a falta de financiamento ou a falta de criar as oportunidades pra que vocês possam melhorar a capacidade de pescar de cada um.
Nós estamos recriando hoje o Conselho Nacional da Aquicultura e Pesca e vamos promover novamente as conferências regionais de pesca. É importante que o André já tenha o compromisso de convocar a 1ª Conferência Nacional de Pesca para que a gente possa fazer um grande encontro e ajudar a definir, cada vez melhor ainda, a política em defesa dos nossos pescadores. Nessas conferências, nós criaremos juntos o inédito Plano Nacional de Pesca Artesanal. Ele será o principal instrumento de consolidação da sustentabilidade, da inclusão social e do fortalecimento das comunidades pesqueiras em todo o país.
Eu quero dar os parabéns ao ministro André de Paula e ao secretário nacional da Pesca Artesanal, Cristiano Ramalho, por compreenderem que toda política pública precisa de um elemento vital para dar certo e esse elemento vital chama-se: participação popular.
O Ministério da Pesca e da Aquicultura foi o quarto a criar o Comitê de Governança da Participação Social, Diversidade e Inclusão, para ouvir pescadores e pescadoras e construir novas políticas públicas a partir desse diálogo democrático.
Eu queria só lembrar a vocês que é importante tratar o registro dos pescadores com muita seriedade. É preciso tratar com muita seriedade, André, porque de vez em quando aparece denúncia, sobretudo quando nós deixamos o governo, de que tinha muita gente que recebia auxílio defeso, muita gente que era tratado como pescador e não era pescador. Então, vocês têm que ajudar o governo, porque quanto mais corretamente a gente fizer as coisas, quanto mais corretamente a gente se comportar, mais política de inclusão social para ajudar os pescadores vai acontecer neste país. E vale para a pesca artesanal, vale para a pesca profissional, vale para quem vive da pesca. Afinal de contas, se temos mais de um milhão de pescadores, significa que nós temos que tratar vocês com o mais profundo respeito.
A elaboração do Plano Nacional de Pesca Artesanal é uma das metas do Programa Povos da Pesca Artesanal. Sua construção será amadurecida nas conferências. E nós sabemos que os pescadores e pescadoras artesanais têm pressa. Então, algumas das respostas rápidas virão desse conjunto de políticas públicas que apresentamos hoje. Elas estão sendo construídas a partir de parcerias entre ministérios e também entre Governo Federal, estaduais, municipais, órgãos do Estado, movimentos sociais, entidades de classe e instituições de ensino, pesquisa e extensão.
Resumindo, é uma tarefa de toda a sociedade para benefício de toda a sociedade, mas principalmente da parcela mais vulnerável entre os povos pescadores tradicionais.
Oito entre dez dessas pessoas – pretas e pretos, pardas e pardos, pescadores e pescadoras, indígenas, homens e mulheres do meio rural e urbano – vivem nos estados do Nordeste e no Norte do nosso país. Esses estados serão o foco principal do programa Povos da Pesca Artesanal, mas não o único. Vocês sabem melhor que nós que cada comunidade pesqueira é única, tem vida própria e demandas particulares. A tarefa do Governo Federal é atender as principais reivindicações dessas comunidades para defender e promover a justiça socioambiental e a gestão participativa e integrada dos recursos e territórios pesqueiros.
Vamos melhorar as condições de trabalho e levar a proteção do Cadastro Único para pescadores e pescadoras artesanais em situação de risco e vulnerabilidade socioeconômica. Vamos estimular a inclusão socioprodutiva para os povos da pesca artesanal e da aquicultura familiar venderem seus produtos para o Programa de Aquisição de Alimentos e o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Vamos oferecer linhas específicas de crédito, assistência técnica e extensão pesqueira para as comunidades. Vamos defender a sociobiodiversidade nos territórios pesqueiros.
Vamos incluir pescadores e pescadoras artesanais no Cadastro Nacional da Agricultura Familiar para promover a regularização fundiária e o acesso à terra e ao território.
Vamos acabar, vamos acabar com a invisibilidade das mulheres, que trabalham com os companheiros ou são chefes de família e já representam 45% de todos os pescadores artesanais no país.
Cida, presta atenção: 45% das pessoas que vivem da pesca hoje são mulheres. Significa, significa que você vai ter que fazer uma visita numa comunidade aonde tem só mulheres pescando.
Vamos tirar, vamos tirar os pescadores e pescadoras artesanais das mãos dos atravessadores, incluindo, incluindo a pesca artesanal no Fundo Social da Conab, apoiando feiras nos territórios e fortalecendo a economia solidária dos territórios pesqueiros para garantir preços justos. Vamos também promover a riquíssima cultura dos territórios pesqueiros artesanais por todos os estados brasileiros. Temos muito a aprender com os pescadores e as pescadoras do Brasil.
Minhas queridas amigas e meus queridos amigos. Todo esse conjunto de políticas públicas vai se juntar às medidas que já tomamos nesses sete meses de mandato. A lei do novo Bolsa Família, sancionada em junho, voltou a garantir aos pescadores artesanais a possibilidade de receberem ao mesmo tempo o Seguro Defesa e o Bolsa Família.
O Ministério da Pesca e Aquicultura também lançou a campanha Pescador e Pescadora Legal, que vai acelerar a formalização dos Registros Gerais da Atividade Pesqueira para mais de 190 mil trabalhadores e trabalhadoras que hoje estão na fila à espera de um documento. Os ministérios da Previdência Social e do Desenvolvimento Agrário, juntamente com o Comando da Marinha, discute acordo de cooperação técnica para acelerar a análise dos pedidos de Aposentadoria por Idade do Segurado Especial a que todo pescador tem direito.
A nova Secretaria Nacional de Registro, Monitoramento e Pesquisa do Ministério da Pesca e Aquicultura lançou em julho um novo sistema de registro. Esse sistema legitimará ainda mais a profissão dos pescadores e pescadoras artesanais e abrirá maior acesso aos recursos a que esses trabalhadores têm direito. Isso inclui as linhas de financiamento do Plano de Fortalecimento da Aquicultura, Agricultura Familiar – o Pronaf – para financiar a compra de equipamentos e outras atividades de pescadores e pescadoras artesanais.
Em julho também houve uma grande ação em parceria com mais de cem associações, federações e colônias para a categoria enviar propostas, votar no Plano Plurianual Participativo e contribuir ativamente para o Orçamento da União.
Nosso governo também já discute a atualização da legislação pesqueira no Brasil, a Lei 11.959, de 2009. Entre as medidas necessárias, está o fortalecimento dos instrumento de fiscalização e combate à pesca ilegal.
Queridas amigas e amigos.
O pescador e o peixe são assuntos da maior importância num país que tem 13% de toda a água doce do mundo. Que reúne a maior rede de rios do planeta. E que possui mais de 8 mil e quatrocentos quilômetros de costa marítima. No entanto, o Brasil produz menos pescado do que poderia. E os brasileiros também consomem menos peixe do que deveriam.
É mais grave: grande parte dos pescadores e pescadoras artesanais que botam comida na nossa mesa ainda vivem em condições de extrema pobreza, arriscando a vida pela sobrevivência de suas famílias. Nos últimos anos, os governos que nos antecederam esqueceram que o ser humano é uma questão mais importante do que o desenvolvimento. Não viram que o pescador e o peixe poderiam se tornar um poderoso instrumento não apenas de inclusão social, mas de geração de divisas e de conquistas de mercado pelo mundo afora.
Portanto, o que nós estamos fazendo hoje não é apenas um ato de justiça e reparação histórica. É também política de desenvolvimento no mais legítimo significado da palavra.
O desenvolvimento é um rio largo, de correnteza forte e margens distantes. O papel de um governo é lançar sobre esse rio a maior de todas as pontes: a justiça social.
Sem ela, sem ela, o desenvolvimento pode trazer muita coisa em sua correnteza, mas não trará a igualdade que fertiliza e abastece.
O pescador e as pescadoras artesanais são parte importante do desenvolvimento do Brasil, e continuarão recebendo todo apoio do nosso Governo.
Viva o pescador brasileiro e viva a pesca artesanal!