Pronunciamento do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no anúncio do Plano Safra da Agricultura Familiar 2023/2024
TRANSMISSÃO | Lançamento do Plano Safra para Agricultura Familiar
Primeiro, só pedir desculpas às pessoas. Eu não vou citar nominata aqui porque todo mundo já falou o nome de todo mundo, todo mundo conhece. Eu vou aqui apenas citar o nome da nossa presidenta Gleisi Hoffmann e, em nome dela, cumprimentar todas as mulheres aqui presentes. Espero que eu tenha ganho um ponto no PT, agora que eu falei o nome da nossa presidenta aqui.
Bem, companheiros e companheiras, sinceramente, eu tenho dois discursos aqui e tô com dúvida. Eu tenho o discurso do dia 28 de julho de 2023, que é hoje; e tem um discurso aqui do dia 24 de junho de 2003, o primeiro discurso do primeiro Plano Safra que nós lançamos aqui e o companheiro [Miguel] Rossetto era o ministro do Desenvolvimento Agrário.
A verdade é que se eu lesse esse discurso aqui, ele tá muito atual com o que tá acontecendo hoje. Naquele tempo, a gente tinha muito sonho e a gente tinha pouca experiência. E foi um acúmulo muito grande de experiência durante todos os próximos 13 anos, entre o meu governo e o governo da Dilma, para que a gente colocasse em prática — senão aquilo que era perfeito — mas a gente colocasse em prática o que de melhor já havia feito para desenvolver a chamada pequena e média agricultura brasileira: a agricultura familiar.
Eu estava vendo essa foto aqui e eu estava imaginando o que aconteceu no Brasil em tão pouco tempo. A gente sonhava muito. De repente, aconteceu um terremoto nesse país e esse salão aqui ficou vazio. Foram longos sete anos em que aqui não colocava o pé ninguém do movimento social brasileiro, nem do campo e nem da cidade, nem da educação e nem do mundo do trabalho. Isso aqui ficou um deserto para a maioria da sociedade brasileira. Não existiam trabalhadores rurais pequenos, não existiam; trabalhadores de fábrica, não existiam; trabalhadores do comércio, não existiam; reivindicação das universidades, não existia; reivindicação de estudante, não existiu aqui dentro. Isso aqui ficou um espaço morto, sem alma, sem coração e sem sentimento.
E eu quero começar dando os parabéns ao companheiro Paulo Teixeira [ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar] pela capacidade de articulação, pela composição que você fez para chegar apresentar esse plano aqui. Tem um cara aqui entre nós, que eu quase não conheço quando voltei a ser presidente, que é o cara que talvez mais entenda dessa negociação com a agricultura familiar, que é o companheiro Gilson. Companheiro que tava ali agora, eu vi ele ali agora. Eu queria aqui dizer que na reunião da semana passada eu só te reconheci quando você falou. Eu falei: porra, esse é o cara que me enganava, esse é o cara que apresentava uma tabela de juro, que era juro A, juro B, juro C, juro D, juro F, juro H. Tinha o abecedário inteiro de taxa de juro.
Eu acho que o Gilson é um companheiro que deve ter contribuído muito, Paulinho, para você chegar a estabelecer esse acordo. É importante que a gente não perca de vista o quê que está acontecendo no Brasil. Muitas vezes por inexperiência, ou às vezes até por incompreensão, a gente não valoriza as coisas que a gente conquista. Eu vi o Paulinho anunciar um plano de 71 mil reais, o último plano anunciado, [corrigindo] milhões. Eu lembro que o último plano anunciado, Rossetto, eu estava na cidade de Santa Rosa, no Rio Grande do Sul, participando de uma atividade política, quando o Ciro Gomes tinha anunciado um plano. Na verdade era o Itamar Franco que era presidente (e o Ciro Gomes ministro da Economia); ele tinha anunciado um plano, me parece que de 2 bilhões e pouco de reais. E, quando anunciava um plano de R$ 2 bilhões, o que era triste é que apenas as pessoas do estado do Sul do país (sobretudo, Rio Grande do Sul, uma parte de Santa Catarina e uma parte do Paraná) era... a grande maioria desse dinheiro era liberado para esses estados, que estavam mais preparados para fazer a requisição desse dinheiro. No Norte e no Nordeste quase ninguém entrava no Palácio.
Eu lembro que uma das primeiras reuniões que eu fiz com a Contag [Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura], era para pedir para a Contag orientar os dirigentes sindicais a orientar os trabalhadores rurais de que no Nordeste, no Norte do país e no Centro Oeste eles também tinham direito a entrar com o pedido do Pronasci. E levou tempo para que as pessoas tivessem coragem de tomar dinheiro emprestado tão rapidamente e as pessoas nem sabiam como funcionava.
Hoje, esse plano lançado aqui, nós queremos que ele se espraie — como diria o nosso amigo Olívio Dutra: que ele seja imbricado em todos os estados brasileiros, para que não haja diferença. E Deus queira que vocês estejam tão competentes que consigam provar pra nós que vocês vão utilizar todo esse dinheiro e vão exigir mais do governo quando esse dinheiro acabar.
Porque nós aprendemos desde pequeno, meu caro: "quem não chora, não mama". E muitas vezes quem não chora não é ouvido. Eu conheço criança gêmea que teve problema de alimentação, de nutrição porque não chorava, só o outro chorava, só o outro comia. Então, é importante vocês terem em conta que nós estamos começando uma nova era no país. Nós estamos retomando uma coisa que nunca deveria ter acabado, mas acabou.
E nós agora estamos voltando mais calejado, mais preparado, mais maduro, mais responsável e com muito mais obrigações com a sociedade brasileira, porque a gente agora tem que fazer mais — e tem que fazer melhor! E a gente, agora, precisa fazer mais com a participação de vocês, porque se vocês participarem ativamente, nunca mais alguém vai se meter a dar golpe, como foi dado na companheira Dilma Rousseff — ou vão tentar fazer o que fizeram no dia 8 de janeiro, tentando invadir os poderes da Constituição. E veja que, diferente de outros presidentes, eu não estou mandando vocês comprarem armas.
Porque diziam que era comprar arma para defender a democracia. Eu, na verdade, quero que vocês produzam o máximo que vocês puderem produzir de alimentos da maior qualidade, porque a grande arma que nós temos nesse país é o povo de barriga cheia, nenhuma criança ficar com fome ou nenhuma pessoa ir dormir sem ter um café para comer.
Eu disse ao companheiro Paulo que nós vamos enfrentar alguns desafios pela frente. Paulinho, eu vou te contar um caso: eu quando era presidente aqui, a gente reconheceu um quilombo na cidade de Contagem [MG]. Eu fui lá o ano passado e esse quilombo não foi legalizado ainda. Então, entre o tempo que eu fui presidente e eu voltar lá se passaram 15 anos e a gente não conseguiu legalizar, Paulo. Então, é importante você montar a estrutura do Incra e a gente tem que dar vazão a essas coisas para acontecer logo. A gente precisa fazer as coisas acontecer porque o tempo é muito rápido e a gente não pode demorar muito. Nós precisamos tentar legalizar o máximo de quilombo possível que a gente puder legalizar no Brasil para dar cidadania a essa gente.
Da mesma forma que eu disse ao companheiro Paulo Teixeira, companheira Gleisi Hoffmann, que é o seguinte: eu não sabia disso no governo passado, mas agora eu sei. Se nós temos o Incra, que é responsável pela distribuição de terra neste país, pela compra de terra; se nós temos em cada estado um instituto que cuida da terra, a minha pergunta é a seguinte: por que que a gente tem que esperar as pessoas invadir uma terra para a gente comprar? Por que que a gente não faz um levantamento de todas as terras devolutas, de todas as terras ociosas? E a gente cria no governo um balcão, uma prateleira de terra. Isso vale tanto, companheira Esther, presta atenção, e isto vale tanto pro campo como vale para a periferia desse país. Quantas terras devem ter devolutas da União, dos estados, e o povo morando apinhado em palafita, quando a gente pode dar aquela terra pro povo fazer financiamento, pra gente poder recuperar aquilo que eu chamo "a coisa mais importante" que nós temos que fazer na vida, que é recuperar a dignidade do ser humano.
É por isso que nós precisamos acabar com a desigualdade no mundo. É importante. Eu fui conversar com o Papa essa semana e a conversa com o Papa era sobre a questão da desigualdade. Porque, desde que eu saí da Polícia Federal, eu fui conversar com o Papa a primeira vez sobre a questão de uma campanha contra a desigualdade no mundo. Depois eu saí de Roma, fui a Genebra conversar com o Conselho Mundial de Igreja, que eu queria fazer uma campanha, junto com as igrejas e junto com a sociedade. Aí, veio a pandemia, todos nós ficamos dois anos em casa com medo de pegar o tal do vírus.
Agora, eu voltei para falar com o Papa outra vez. E essa questão da desigualdade está no meu, eu diria, no meu DNA. Porque não é possível, e não é só uma desigualdade que existe no mundo, são dezenas e dezenas de desigualdades. É desigualdade racial, é desigualdade de gênero, é desigualdade na comida, desigualdade na educação, desigualdade na saúde, desigualdade na moradia, desigualdade no transporte, desigualdade na roupa que a gente veste. Ou seja, tem uma pequena parte que pode tudo e uma grande parte que não pode nada. E a gente acha que é normal, a gente acha que é normal e vai passando o tempo, vai passando o tempo e eu já tenho 77 anos de idade e as coisas avançam pouco.
Eu tive agora com o presidente do Haiti, em Paris. Eu fiquei muito preocupado. O Haiti retrocedeu. O Haiti não consegue, sequer, montar polícia. Ninguém quer ser nem governo lá, porque as gangues tomaram conta. E a gente fica vendo os países ricos demonstrarem determinadas importâncias em determinados assuntos, mas a questão da desigualdade não entra no discurso. Eu não vejo um discurso falando de pobre.
Eu participo do G20, eu participo do G7, sabe? Da Unasul, eu participo da Celac, eu sou convidado para muita reunião, a palavra pobre não existe. É como se nós fôssemos uma coisa abstrata. Parece que tem, mas não tem, parece que é, mas não é. Eu acho que essa é a grande luta.
O que estamos fazendo com esse Plano Safra hoje? O que nós estamos fazendo é tentando diminuir a desigualdade, que ainda é muito grande entre o pequeno e o grande; é muito grande entre aqueles que trabalham e aqueles que são donos das empresas que produzem trabalho. Há uma diferença que não pode, não pode continuar existindo, senão o mundo não vale a pena.
Então, vocês vão descer agora comigo. Eu vou sair daqui, vou descer. Por favor, guarda o celular para ninguém ficar tirando selfie, pra gente poder andar rápido. Eu vou descer pra visitar aquelas máquinas ali.
O primeiro Mais Alimentos foi criado em 2008, quando surgiu uma tal de uma crise de alimentos e se jogava a culpa em cima da China, quando na verdade a crise era do mercado futuro, era gente esperando com alimentação e a gente jogando a culpa na China. Nós criamos o Mais Alimentos, e naquele período o Mais Alimentos vendeu 80 mil tratores de até 80 cavalos. E eu espero que a gente venda mais, porque agora tem mais opção. Tem de 40 cavalos, de dois jumentos, de dois jegues, de tudo quanto é tipo agora. Agora, não vai ter apenas um, vai ter muita coisa para a gente comprar.
E o que nós queremos companheiros? Nós queremos que a vida de vocês melhore, nós queremos que a qualidade dos produtos que vocês produzem melhore. Melhore e aumente. Ah, tem uma vaquinha das anca magrinha produzindo três "litrinhos" de leite, vamos dar comida para essa vaca produzir seis litros. Vamos chamar a vaquinha: atenção, ô companheira, vamos produzir um pouquinho mais de leite aí, eu tô precisando, sabe?, de mais litro, sabe? Vamos dar um pouquinho de milho para as nossas galinhas e por isso que o milho precisa baratear. Não a tal ponto de dar prejuízo a quem plantou, mas que permita que as pessoas possam comprar. Eu vi muita gente aqui dizendo que quer plantar milho.
E uma coisa que é importante: vocês vão plantar e nós vamos garantir preço mínimo para que ninguém tenha prejuízo na sua safra. A gente não pode incentivar vocês plantarem, aí vocês plantam, o preço cai e vocês não conseguem, sequer, apagar o que vocês, sabe? gastaram para plantar. Não. A gente vai tratar com muita seriedade e com muito respeito. Muitas vezes a gente vai incentivar vocês plantarem determinadas coisas, mas se tiver excesso de produção a gente tem que bancar. E eu espero que agora a Conab, na mão da pequena e média agricultura, ela possa cuidar do estoque regulador de verdade para que a gente possa fazer com que não falte mais alimento nesse país e que o preço não aumente de forma exorbitante.
Por isso, companheiros e companheiras; Paulinho Teixeira, meus parabéns; [Fernando] Haddad, meus parabéns; às equipes que trabalharam, parabéns. E vocês do movimento, parabéns.
Vocês sabem como é que a gente funcionava no outro período nosso. O movimento sindical entregava uma pauta de reivindicação, aquela pauta de reivindicação era recebida... [trecho inaudível por problemas na transmissão] na época pelo companheiro Luiz Dulci, que era a secretaria-geral daquela época. O Dulci pegava aquela pauta distribuía para todos os ministros que tinham alguma coisa a ver com aquela pauta. A gente dava um tempo para cada ministro dar a resposta. Depois de um tempo que o ministro dava resposta, a gente chamava o movimento para dizer: "nós conseguimos isso ou conseguimos aquilo".
Foi assim que nós governamos durante todo o período do passado e assim vai ser agora. As margaridas vão fazer a marcha, ótimo, quanto mais margarida melhor. Mas apresenta a pauta logo pra gente começar a cuidar da pauta em todos os ministérios para que quando vocês vierem a gente possa atender, se não 100% pelo menos 99 daquilo que vocês estão reivindicando, porque nós queremos recuperar o tempo perdido do povo trabalhador desse país, sobretudo, do povo do campo.
Então, companheiros e companheiras, não foi o Lula que voltou, não foi o Brasil que voltou, vocês é que voltaram.
E graças a Deus vocês estão com mais disposição do que antes.
Um beijo no coração de cada mulher, cada homem e vamos em frente.