Pronunciamento do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no anúncio da retomada das obras na Unila e de posse de reitora
TRANSMISSÃO | Anúncio de retomada das obras na Unila
Olhe, a primeira coisa que eu quero falar aqui é o seguinte: tem uma menina e uma meia senhora com uma camisa escrito "Lula tira uma foto comigo". Quero dizer, eu, sinceramente, não posso sair daqui sem tirar uma foto com a pessoa que teve a coragem de fazer uma camiseta, sabe, pra vestir. Quando terminar, eu queria pedir – o [Ricardo] Stuckert está aqui e ele vai cuidar de vocês – pra gente poder tirar uma foto com essa camisa de vocês.
A segunda coisa que eu queria falar para vocês é que eu trouxe aqui comigo – não sei se você se lembra, reitora – eu fui aqui, eu dei uma aula inaugural, aqui nessa universidade e, naquele mesmo dia, eu assinei um decreto criando a Comissão de Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira de Foz do Iguaçu. Eu nem sei se essa comissão funcionou, porque depois eu deixei a Presidência da República. E, eu trouxe esse discurso aqui para ler o discurso para vocês saberem como é que estava atualizado em 2010, mas eu acho desnecessário ler um discurso de 2010 e acho desnecessário ler também o discurso de 2023.
Eu queria apenas que vocês lembrassem o seguinte: durante um tempo, na história do Brasil, a elite econômica que dirigia esse país não gostava que o povo estudasse. Só estudava, aqui no Brasil, quem tinha dinheiro pra mandar para Portugal, quem tinha dinheiro para mandar pra França, pra mandar para os Estados Unidos, pra Inglaterra. Como esse país era um país que foi, de forma hegemônica, sabe, criado por índios, negros, num primeiro momento, não era preciso que estas pessoas estudassem. Então, eu conto sempre uma história muito engraçada: o Peru, que é um país mais pobre do que o Brasil, em 1554 já tinha a Universidade de São Marco. Não importa que tipo que era a universidade, mas o Peru tinha a Universidade de São Marco.
O Brasil só foi ter a sua primeira universidade em 1920. Quatrocentos e vinte anos depois da descoberta a gente foi ter a primeira universidade que, na época, era chamada Universidade Brasil, mas ela não foi criada porque havia a preocupação de ter estudantes nas universidades, ela foi criada porque, na época, o rei da Bélgica vinha fazer uma visita pro Brasil e o rei, para visitar um país, era obrigado a receber o título de Doutor Honoris Causa. Então, criou-se a universidade para dar um título de Doutor Honoris Causa ao rei da Bélgica. Isso demonstra um pouco o atraso a que a sociedade brasileira foi submetida durante tantos e tantos tempos.
É por isso que, muitas vezes, a gente pega os dados socioeconômicos e a gente vê o Brasil tão atrasado. É por isso que a gente vê que o Brasil tem, proporcionalmente, menos aluno nas universidades do que o Chile. É por isso que a gente vê que o Brasil tem menos alunos, proporcionalmente, na universidade do que na Argentina. Porque, em 1918, a Argentina já tinha tido, em Córdoba, a sua primeira reforma universitária, em 1918 ela já tinha feito a sua primeira reforma universitária e o Brasil não tinha tido a sua primeira universidade. É só pra vocês lembrarem.
Quando vocês tiverem na frente do espelho xingando alguém e falar que o país é atrasado, para vocês saberem que alguém quis que o país fosse assim. Alguém desejou. Então, quando eu tomei posse, eu não tinha nem diploma universitário e nem o meu vice Zé Alencar, mas eu tinha adquirido consciência nas minhas lutas sindicais e no aprendizado que eu tive, de que não existe na história da humanidade, e muito menos existia, alguma nação que tivesse sido desenvolvida sem antes investir na educação.
Ou seja, a educação é, definitivamente, a base principal pela formação intelectual, profissional e cultural de uma sociedade. E, quanto melhor for a educação, mais a sociedade será forte e firme, e a sociedade será uma sociedade mais avançada, mais solidária, mais fraterna e mais humanista, que é o que nós estamos precisando, nesse momento, neste país.
O outro aprendizado que eu tive para poder chegar à Unila é que, uma vez, eu estava no PT e recebi uma carta do presidente Fidel Castro. E na carta o presidente Fidel Castro me comunicava que ele estava oferecendo dez vagas para alunos filiados ao PT, crianças pobres, estudarem medicina. Eu fiquei atônito, ou seja, como é que eu recebo uma carta de um presidente da República de um país oferecendo de graça para o PT dez vagas na universidade. No começo, a gente teve dificuldade de arrumar os meninos, porque a gente não tinha a certeza de como é que as coisas iam acontecer. Depois eu descobri que não era só com o PT. Ele deu pelo PSB também, ele deu pro PCdoB, ele deu pro PDT. Ele deu pra todos os chamados partidos de esquerda e partidos progressistas a chance da gente mandar um grupo de alunos estudar. E o PT mandou dez alunos.
E, passados três anos eu fui à Cuba e fui visitar esses alunos. E fui visitar a universidade, e eu fiquei pensando: se um país do tamanho de Pernambuco – porque Cuba tem 110 mil quilômetros quadrados, igual Pernambuco. Cuba tem 10 milhões de habitantes, mas Cuba sofre um bloqueio econômico, sabe, desde 1961. Ora, se um país que está impedido de crescer, que não recebe recursos porque há o bloqueio americano à Cuba, consegue fazer uma universidade e oferecer vaga para estudantes pobres de todos os países da América Latina e de todos os países africanos, não era só para o PT, era para todas as pessoas pobres que tinham chance de fazer uma universidade. Eu fiquei pensando: se esse país pequeno pode fazer isto, por que que nós não podemos fazer isso? Por que que um país do tamanho do Brasil?
Porque o Brasil não é um país pobre, pobre é o povo, o país é rico. O país tem um potencial extraordinário, mas acontece que a riqueza produzida neste país nem sempre é distribuída. Tem uma parte da sociedade que vai ficando com o resultado da riqueza e o povo, a maioria, vai ficando com o resultado da pobreza. Por isso é que eu tenho dito: numa sociedade em que muitos, ou seja, em que poucos têm muito dinheiro. Numa sociedade que poucos têm muito dinheiro e muitos não têm nada é uma sociedade predestinada à pobreza, à fome, à violência, à prostituição, à desnutrição, porque apenas pouco fica com recurso e a maioria fica sem nada.
Mas inverto esse processo: numa sociedade em que muitos têm pouco dinheiro, muito tem pouco dinheiro, e poucos, sabe, apenas poucos não têm tanto assim, significa o quê? Significa distribuição de riqueza, significa que todos vão poder comprar o que comer, todos vão comprar o que vestir, todos vão ter dinheiro para fazer aquilo que as pessoas querem fazer: pra comprar comida, pra tomar uma cerveja, pra tomar um refrigerante, pra comprar um chinelo, pra comprar um sapato. Ou seja, por isso é que não apenas o conhecimento, mas o dinheiro tem que circular na mão do povo. Porque senão o dinheiro fica concentrado na mão de meia dúzia de pessoas e a maioria fica passando fome por aí, morando na rua. As pessoas ficam, sabe, desencantadas da vida. É por isso que eu tomei a decisão de fazer universidade latino-americana, para que a gente tivesse.
Tanto a América Latina espanhola e nós aqui, nós somos colonizados. E fomos colonizados 200, 350 anos. Aqui quem decidia as coisas de um lado era o rei da Espanha e do outro lado o rei de Portugal. A gente não podia muita coisa. A gente não podia. Então eu falei: "Bom, não é possível que gente não adquira a consciência de uma nação". Porque uma nação não é o tamanho do país, a fronteira do país, a quantidade de minério que tem o país. Não. Uma nação é medida pela qualidade de vida do povo daquele país. Isto chama-se nação.
Então, eu achei que era importante criar essa universidade. Vocês não têm noção da minha alegria quando eu vinha aqui anunciar isso. E vocês não têm noção da minha tristeza quando eu vi, na posse do Enio [Enio Verri, diretor-geral brasileiro da Itaipu Binacional] – que eu sobrevoei de helicóptero aqui – e vi aqueles prédios abandonados. Sabe quantas obras nós encontramos paralisadas quando nós voltamos pro governo no dia 1º de janeiro? Quatorze mil obras. Quatorze mil obras estavam paralisadas. Só na educação são quatro mil obras paralisadas. Só creche é quase duas mil creches paralisadas. Ora, como é que pode um país deixar as obras paralisadas porque o presidente não gostou da obra? Aquela obra não é pra ele, aquela obra é pra vocês. Aquela obra é pro povo. Então, eu tomei, tomei a decisão de falar com o companheiro Enio e falar: "Enio, nós vamos recuperar essa universidade".
Nós vamos porque não tem nada mais barato no mundo do que financiar um jovem. Um jovem pra ser médico. Quanto ele vai dar de lucro depois pro Estado cuidando da saúde do povo? Um jovem para ser engenheiro. Quanto custa para um país formar um engenheiro, diante de quanto um engenheiro pode devolver em conhecimento para este país? Não precisa ser doutor para saber destas coisas. É só ter o mínimo de inteligência para saber que qualquer dinheiro que a gente colocar na educação vale a pena colocar, porque é investimento.
E esse país, esse país, pense bem, pode ser o que a gente quiser, esse país pode ser do tamanho que a gente quiser. A gente tem que ter capacidade de realizar os nossos sonhos. E eu vou contar para vocês porque que é possível. Ora, como é que pode um nordestino, nascido em Garanhuns, em Pernambuco, andar 13 dias de "pau de arara" para chegar a São Paulo para não morrer de fome, uma mãe com oito filhos agarrado no rabo da saia. Esta mãe criou os oito filhos sozinha. Eu fui o primeiro a ter uma profissão, eu fui o primeiro a ganhar mais que o salário mínimo, por isso eu fui o primeiro a ter uma casa, o primeiro a ter um carro, o primeiro a ter uma televisão, o primeiro a ter uma geladeira. Até os 17 anos eu via televisão na casa dos outros, sentado no chão, com o dono da casa pisando no meu dedo. Então, se eu, nascido em Garanhuns, sem diploma universitário, cheguei aonde eu cheguei, aonde é que vocês podem chegar? Aonde vocês quiserem. É só vocês terem determinação. É só vocês terem determinação.
A gente não mede a qualidade de um político pela quantidade de ponte que ele faz, qualquer um faz ponte. A gente não mede a qualidade de um político pela quantidade de asfalto que ele coloca, qualquer um pode colocar asfalto. A gente mede a capacidade de um político pela qualidade de vida do povo daquele estado, daquela cidade; pela qualidade da educação ou da saúde.
Quando você chegar em uma cidade pergunte para o prefeito: "Prefeito, a educação aqui é boa?" Ele vai dizer: "É ótima". "Governador, a educação aqui é boa? É ótima". "A saúde é boa? É ótima". “Quando você fica doente você vai na educação, você acha que é ótima?” Não vai. “Seu filho estuda na escola pública que você acha que é ótima?” Não estuda. Então, esse negócio de falar que as coisas é boa e ótima para os outros, eu quero saber se é pra eles. Eu quero saber se aquelas coisas que a gente diz que é boa, a gente utiliza.
Porque é isso que tem que mudar no Brasil. É isso que tem que mudar no Brasil. As pessoas têm que entender, de uma vez por todas, que ninguém na face da Terra fez opção para ser pobre. Ninguém quer ser pobre. Ninguém quer comer mal, ninguém quer morar mal, ninguém quer ficar na rua. Achar que pobre não gosta de coisa boa. Pobre gosta de comer em cocho? A gente tem orgulho também. A gente quer que as nossas crianças andem bem vestidas, a gente quer que as nossas crianças possam comer bem, a gente quer que as nossas crianças possam passear aonde elas quiserem.
É esse país que nós temos que construir. E, para construir nós temos que sonhar. E, para sonhar, sonhar grande. A gente não pode sonhar pequeno, porque o sonho realizado será muito pequeno. Este país é gigante. As nossas perspectivas são gigantes. Basta a gente querer, basta a gente definir isso como causa nossa.
Vocês não tinham um cidadão que era presidente, outro dia, que mentia onze vezes por dia? Mentia, destilava ódio. Mentira todo dia. Ofensas todo dia. Não gostava de mulher, não gostava de trabalhador, não gostava de negro, não gostava de índio, não gostava da Floresta Amazônica, não gostava de ninguém. Era ele e o pessoal dele. A destilação de ódio. Eu vivi muito tempo, gente. Eu fui dirigente sindical muito tempo e eu nunca vi tanto ódio estabelecido nesse país como eu vi nos últimos anos. E tem gente que ficou assim, tem gente que ficou azeda. Levanta de manhã, sabe, azeda. Sai de casa, azeda. Entra no elevador e não fala nem 'bom dia' pro vizinho, azeda. Pega o carro pra trabalhar e tem outro carro na frente, tá azeda.
É preciso purificar essa gente, pra essa gente voltar a ter fraternidade, a ter amor no coração, a ter sensibilidade. É isso que nós precisamos. Nós precisamos nos abraçar mais, nos tocar. O ser humano é pura química. A gente tem que se tocar. Abandonar um pouco o celular. Às vezes o cara convida a namorada pra ir a um jantar: "Vamos jantar?". Chega lá pega o celular e a namorada do lado com um e ele do outro lado com outro, sabe, conversando com quem? Não dá para olhar na cara da namorada e falar "Ô, vou te dar um beijo", para ver que é muito melhor do que pegar o celular.
Se nós, se nós não mudarmos de comportamento, a gente não vai criar o mundo que a gente sonha.
Se a gente não mudar de comportamento, a gente não vai realizar o nosso sonho. Aquele mundo gostoso em que a nossa criança pode sair na rua pra brincar. Em que a gente é solidário um com o outro. Eu sou do tempo que a gente dava uma xícara de chá de açúcar pra uma pessoa. Às vezes a pessoa pedia uma xícara de sal. Hoje, as pessoas vivem trancadas dentro de casa. A gente não tá convidando nem os parentes pobres pro aniversário. Vamos ser franco. Estamos ficando uma humanidade egoísta. "Ah, mas você não vai convidar o teu primo João? Ah, o João é muito pobre, porra, ele não sabe nem beber e vai vir aqui pra encher, sabe".
Ô gente, gente, esta universidade aqui é a revolução que eu quero para a América Latina. Uma América Latina politizada, uma América Latina com milhões de engenheiros. Sabe por que que vocês acham que a Europa é rica, que a Holanda é rica, Finlândia é rica, Suécia é rica e aqui, na América do Sul, é tudo pobre? Que na América Central é tudo pobre? Por que que esses países não ficaram ricos? É porque vocês têm certeza que alguém não deixa. Alguém tá ficando com uma parcela nossa. Sempre foi assim. Aqui no Brasil pegaram o pau-brasil e levaram tudo. Quando acabou o pau-brasil, levaram jacarandá, levaram mogno, levaram tudo. Ou seja, nós precisamos ter espírito de nação.
Nós precisamos acreditar que esse país pode dar certo. E, eu quero confessar, Enio, pelo amor de Deus, você e o Camilo [Camilo Santana, ministro da Educação] não tardem para entregar essa universidade pronta para o estado do Paraná e para o país.
Eu, eu quero dizer para vocês que eu voltei a ser presidente da República para provar que o pobre nunca foi e nunca será problema. A hora que a gente coloca o pobre no orçamento, ele deixa de ser problema. Eu voltei a governar para provar que a gente vai fazer mais escolas técnicas, mais institutos federais e mais universidades, e vamos fazer da escola de tempo integral nesse país para que as crianças possam ficar o tempo inteiro na escola. Eu voltei pra gente trabalhar e investir para criar emprego de qualidade para nossa juventude que está sem perspetiva de vida, sem perspectiva de emprego.
Então, companheiros e companheiras, se eu, esse jovem de 77 anos, estou com todo essa tesão pra construir esse país, eu quero que vocês estejam com a mesma tesão pra construir esse país. Vai depender de nós e da nossa vontade. E por isso é o seguinte: ninguém, ninguém vai impedir que esse país volte a sorrir outra vez. Ninguém vai impedir que a nossa juventude volte a estudar e ter emprego de qualidade. Ninguém vai impedir que a gente vá fazer nossas mulheres serem respeitadas e não serem violentadas como elas são hoje.
Aliás, ontem eu sancionei a lei, sabe, que garante à mulher trabalho igual, salário igual; mulher e homem. A mulher não tem que ser tratada como objeto de cama e mesa, ela tem que ser tratada como sujeita da história. Ela pode. Então, gente, é isso.
É difícil? É difícil? É só querer.
Você é cunhado do Florêncio, rapaz? Então, um abraço. Dê um abraço no Florêncio. Eu sei querido... lembro. Depois tiramos uma foto.
Sabe por que eu estou animado? Porque todo santo dia eu levanto pensando em coisa positiva. Eu não acredito em nada. "Ah presidente, não dá para fazer isso, é difícil". Quem disse que é difícil? Vamos tentar. E, sobretudo, vocês jovens, pelo amor de Deus, normalmente vocês são induzidos a não gostar de política. “Ah, não gosta de política, porque político é tudo ladrão, político é tudo corrupto, eu não gosto de político”. Quando a gente não gosta de política, nasce uma titica como o Bolsonaro. É isso que dá. É isso que dá.
Por isso... vocês não precisam gostar do político, mas você tem que gostar de política. Porque quando vocês não acreditarem mais em ninguém, quando vocês não acreditarem mais em nada, quando, na cabeça de vocês, estiver passando a ideia que ninguém presta, pelo amor de Deus, ainda assim, não desista. Entre você na política porque o político bom que você quer está dentro de você, não tá dentro de mim. Por isso, gente, vamos construir o país dos nossos sonhos.
Um abraço e até a inauguração da Unila, se Deus quiser.