PRONUNCIAMENTO do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na posse da presidenta do Banco do Brasil
Quando eu fui na posse da companheira presidenta da Caixa Econômica Federal, eu achei que não era necessário falar, porque era o dia de ficar gravado o discurso que ela fez para nós. Hoje, deveria acontecer a mesma coisa, Tarciana. Eu acho que não é pouca coisa o que está acontecendo hoje no Banco do Brasil. A gente precisaria se perguntar porque, durante tantos e tantos anos, uma mulher não fez por merecer ser presidenta do Banco do Brasil. Será que foram as mulheres que não fizeram por merecer? Ou os homens que não quiseram compreender que as mulheres tinham tanto direito quanto eles de exercerem o cargo de presidente do Banco do Brasil? O que que esse cargo tem de tão especial que ele só pode ser exercido por homem? O que que as mulheres têm que elas não podem vencer essa essencialidade que faz com que o homem queira ser presidente do banco?
Eu tive o prazer de escolher muitos dirigentes do Banco do Brasil. E alguns, inclusive, vocês se lembram, não era nem do Banco do Brasil. A gente tinha medo de trazer alguém que não soubesse lidar com o Banco do Brasil. Colocamos gente, chamada gente do mercado, e eu, por obra da minha vontade de trabalhar, eu a cada dois, três meses, eu fazia reunião com o presidente do Banco do Brasil, com o presidente da Caixa Econômica, com o Presidente do BNB, com o presidente do BASA, com o presidente do BNDES e com todos os fundos de pensão ligados aos bancos e à Petrobras, porque eu queria entender o que que estava acontecendo na Economia, o que estava sendo investido, para quem estava sendo dirigido o dinheiro. Porque, muitas vezes, o povo mais humilde não tem a chance sequer de entrar num banco.
Eu não sei se vocês já perceberam, muitas vezes nós fizemos aqui uma bancarização de 70 milhões de pessoas, quando nós assumimos de 2003 a 2008, e o que era engraçado que tinha gente que nunca tinha entrado num banco — e gente que não acreditava que pudesse abrir uma conta no banco. E nós conseguimos, com esse gesto simples (que para muita gente é banal, para muita gente é insignificante), eu consegui ver, muitas vezes, companheiras catadoras de material reciclável ou companheiros, ao abrir uma conta no banco, chorar, porque ele jamais sonhou ser um cara que tivesse uma conta num banco ou tivesse um cheque. Hoje, nem cheque, acho que o único cara que tem cheque sou eu ainda, acho que sou o único cara que trabalha com cheque ainda, porque para mim é fascinante assinar, sabe, o meu cheque.
Então, eu queria te dizer, Tarciana, que, primeiro, você não é obra do acaso, você não foi achada, você foi construída por gente que… você foi construída por gente que cuida de você, desde que você veio à tona, nesse mundo dos humanos. Eu sempre acho que se a gente comparasse o ser humano a uma árvore, eu diria que você seria um dos belos frutos que a árvore chamada "tua mãe" produziu nesse mundo. Porque, na verdade, nós somos resultado disso. Por mais que a gente não queira, por mais que a universidade nos ensine, por mais que a gente aprenda na escola, a verdade é que no fundo, no fundo, a gente termina sendo o resultado daquilo que originou, sabe, de uma coisa tão insignificante um ser humano. E você representa exatamente isso, uma pessoa que venceu todos os obstáculos, porque teve o apoio da tua família, que você fez coisas que pareciam impossíveis de serem feitas por mulheres com o apoio da sua família e, certamente, você só chegou a ser presidenta do Banco do Brasil, porque a tua família e outras pessoas que você nem sabe quem é, que estão aqui dentro, gostam muito de você, respeitam você profissionalmente e essas pessoas chegaram à conclusão que você seria a melhor pessoa para ser a presidenta do Banco do Brasil.
Eu tive o prazer de ser a primeira pessoa a indicar uma mulher para ser presidenta da República desse país. Eu sei quanto custou o preconceito, eu sei o quanto custou, sabe, vencer muitas vezes o ódio que tomava conta das pessoas que não admitiam que a gente tivesse um avanço — e de que as mulheres pudessem chegar lá. Tudo isso resultou na queda da presidenta Dilma Rousseff. Tudo isso resultou nisso. E eu queria te dizer uma coisa, querida: você só tem um compromisso aqui! Primeiro, é tratar bem os teus parceiros, 85 mil pessoas que trabalham com você no Banco do Brasil. Tratá-los bem. Tratá-los com respeito. Não andar nunca de nariz empinado porque virou presidenta. Continue sendo a mulher que você é, quando você era feirante, quando você fazia o curso de administradora de empresa, continue sendo essa mulher simples, porque é isso que vai te fazer fazer a diferença nessa presidência. E a segunda coisa é cuidar do povo que mais necessita. Eu sei que o Banco do Brasil é um dos grandes financiadores do agronegócio, financia bilhões, bilhões e bilhões, mas também no meu tempo a gente financiava, com muito orgulho, os pequenos e médios proprietários através do PRONAF [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar]. Eu não sei nem como é que anda o PRONAF, mas eu acho que a gente precisa voltar a acreditar no pequeno e médio produtor rural, porque são eles aqueles que mais colocam alimento na mesa em que come todos nós aqui.
Então você tem que levar em conta que o banco não pode ter prejuízo, você tem que levar em conta que o banco tem que ter rentabilidade, você tem que ter em conta que de vez em quando você tem que dar um pouquinho de aumento para os funcionários, porque senão eles fazem greve. Porque senão eles vão fazer greve contra você.
E essa amizade, todo mundo aqui te aplaudindo em pé, todo mundo rindo, ela termina quando eles pedirem os primeiros 10% de salário real, que você disser que o banco não pode dar. Mas eu só quero que você saiba o seguinte, querida. Do ponto de vista da Presidência da República e do ponto de vista do nosso governo, você vai ter todo o apoio, para que a gente vá aprovando passo a passo, as 213 milhões de pessoas (que eu não sei, porque o IBGE acaba de fazer um censo que não tem mais 213, parece que caiu para 207). Dizem que nordestino tem muito filho, o nosso censo diminui, eu não sei, mas veja: a única coisa que eu espero, querida, é que você leve em conta que nós vamos garantir que você possa, efetivamente, ser a grande presidente e que você consiga fazer a diferença na Caixa Econômica… Ou melhor, no Banco do Brasil.
E eu vou contar uma história do Banco do Brasil que eu não deveria nem contar. Uma vez eu achei que eu ia fazer dinheiro para o partido fazendo um cartão de crédito. Eu achava que era simples procurar um banco e fazer um cartão de crédito, com uma dessas empresas de cartão de crédito, me parece que na época era Visa, não sei, outra qualquer. Lá foi eu e a Clara Ant atrás do Banco do Brasil, porque era o Banco do Brasil, porque nós tínhamos muito bancários, a gente achava que era amigo de todo mundo, a gente achava que o Banco do Brasil ia fazer o nosso cartão de crédito. Esperamos quase dois anos e o Banco do Brasil não fez o cartão de crédito para nós. Certamente que o presidente era o Lafaiete Coutinho, naquela época, ele não ia fazer porque ele não confiava nem no PT nem em ninguém, ou seja… e aí tinha gente que queria que eu fosse no banco de Cuba, tinha gente que queria que eu fosse no banco não sei da onde e eu falei, aonde que eu vou fazer o meu cartão de crédito? Sabe de uma coisa, eu fui no Bradesco. Eu vou contar para vocês uma coisa, riam para não chorar depois, eu fui no Bradesco, contei a história para o Lázaro Brandão. Olha, Sr. Lázaro, ficamos dois anos esperando o Banco do Brasil dar um parecer favorável. O Banco do Brasil negou! E nós queríamos fazer um outro jeito de fazer finanças, sabe, ter orgulho do petista ter um cartão de crédito do PT, chegar lá, pagar suas coisas com o cartão de crédito. Você acredita que em menos de um mês o Lázaro Brandão fez o cartão de crédito com o PT e ainda adiantou 500 mil reais para o partido? Eu não tinha mais o que falar, eu não tinha mais o que falar para os meus companheiros do Banco do Brasil e as companheiras do Banco do Brasil.
A única coisa que me veio na cabeça é que não basta ser público, é preciso que as pessoas que dirijam tenham a cabeça um pouco mais aberta, tenha a cabeça um pouco mais arejada, para entender que determinadas coisas vão acontecer como novidade, porque nunca tinham acontecido. Eu fico estarrecido, fico estarrecido de estar hoje aqui na tua frente sabendo que você, em 208 anos [*] desse banco, você é a primeira mulher a chegar à Presidência da República. Eu pensei que tinha machismo no Brasil, mas no Banco do Brasil quem escolhe a direção é, efetivamente, mais do que machista. Eu acho que alguns que escolhem a direção devem ser preconceituosos com relação à mulher. Não deve gostar de discutir a questão da desigualdade. E vão ficar mais nervosos… Cadê o Padilha? Quando a luz está na minha cara, eu não consigo enxergar quem está aí, eu tenho muita dificuldade, Padilha. Tem projeto na Câmara e no Senado que já passou, que é o cumprimento da Constituição, garantindo que a mulher e o homem recebam salário igual (quando os dois exercerem a mesma função).
Nós precisamos, Padilha, organizar e fazer com que esse projeto seja votado no Senado ou na Câmara, não sei onde que ele está parado, para que a gente comece a melhorar e a consertar tudo aquilo que não aconteceu no século XX, a gente fazer acontecer no século XXI. Eu quero que vocês saibam que eu desejo um Banco do Brasil muito forte, quero o Banco do Brasil com muita gente depositando o dinheiro no Banco do Brasil. Até a minha conta agora vai ser do Banco do Brasil. Até a minha conta vai ser do Banco do Brasil.
Quero que a gente seja o campeão de crédito consignado, quero que a gente seja o campeão de crédito consignado, e eu quero mostrar para vocês uma coisa que eu dizia em 2003 e vou dizer agora: "o pobre, nesse país, não é o problema". Ele é a solução, na medida em que ele é incluído na Economia — e nós vamos outra vez incluir o povo pobre na Economia, e queremos que o Banco do Brasil cumpra com a sua parte. A você, querida, um beijo no coração, um beijo na sua família, na sua "mainha", no seu "paizinho", no seu "tiozinho" em tudo que você chama de "inho", um grande beijo na sua mãezona, no seu paizão e um grande beijo para você, porque você é mais do que presidenta do Banco do Brasil, você agora é uma grande, uma grande mulher, que vai matar de orgulho todas as mulheres que almejam chegar a cargos importantes. Faça a diferença, querida, que você terá cumprido com a sua meta! Um abraço!
[* O Banco do Brasil completou 214 anos em 2022]