Pronunciamento do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de sanção do novo MCMV
TRANSMISSÃO | Cerimônia de sanção do MCMV
Depois nós tiramos a foto...
Bem, eu prometo não fazer discurso aqui hoje. Eu queria apenas agradecer às pessoas que participaram da elaboração desse novo formato do Minha Casa, Minha Vida, porque há um déficit habitacional crônico no país. Meu querido Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, em 1974, portanto há 48 anos atrás, na primeira campanha vitoriosa do PMDB – quando o PMDB elegeu 16 senadores, surpreendendo a Arena, que tinha ganho tudo em 70 –, a campanha do PMDB, ela, dizendo que o Brasil tinha um déficit habitacional de 7 milhões de casas. Isso há 48 anos atrás.
E, hoje, eu vejo as pessoas falarem que nós temos um déficit ainda de 6 a 7 milhões de casas, mesmo com o Programa Minha Casa, Minha Vida fazendo 6 milhões de casas nesses últimos anos. Isso demonstra a necessidade do Estado se sentir obrigatório em fazer essa reparação, que ele tem que fazer, para garantir que as pessoas tenham acesso a uma casa.
Tem gente de classe média alta, tem gente mais rica que não tem preocupação em ter casa. As pessoas pagam aluguel, porque querem pagar um lugar melhor, sabe, garantir sempre um lugar mais extraordinário pra morar. Mas, muitas vezes as pessoas mais pobres, trabalhadoras, não têm essa opção. É muito difícil uma pessoa pobre ter que mudar de casa todo ano. As crianças não fazem amigos, as crianças não se habituam numa escola, nem sempre a gente arruma casa pra alugar no mesmo bairro. Então, as pessoas vivem como se fossem retirantes à procura de um lugar pra morar aonde conseguirem encontrar.
E, normalmente, o preço do aluguel é uma coisa que eu considero um mal na vida do trabalhador. O primeiro aluguel que eu fiz na vida, presidente do Senado Rodrigo Pacheco; eu casei em 69 e eu pagava num quarto e cozinha uma nota de 100 cruzeiros. Era o aluguel. Mas todo mês, Alckmin [Geraldo Alckmin, vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços], que eu ia pagar aquele aluguel, eu amaldiçoava porque aquele dinheiro não voltava mais. Era o dinheiro que não era um patrimônio meu, era um dinheiro que eu tava dando pra alguém. E isso me fez ter uma obsessão de ter uma casa própria. Uma verdadeira obsessão.
A primeira casa própria que eu comprei, eu vou dizer – do Sistema Financeiro de Habitação, lá em São Bernardo do Campo –, era uma casa que tinha 33 metros quadrados. Trinta e três metros quadrados. Morava eu, mulher, três filhos, sogra e dois cachorros. Mas, vocês devem perceber como é que vive uma pessoa numa casa de 33 metros quadrados. Por isso que, quando nós pensamos o Minha Casa, Minha Vida, eu briguei muito. Não pense que o que nós chegamos hoje foi de graça. Foi muita briga dentro, dentro do governo pra gente construir algo que fosse um pouco mais digno do que os 33 que eu consegui comprar em 1976.
Porque, muitas vezes, tem gente que não respeita as pessoas mais pobres, e acha que o pobre merece qualquer coisa. A nossa ex-presidente da Caixa Econômica, Maria Fernanda, uma pessoa que eu tenho um apreço extraordinário por ela, eu tive uma briga muito forte com ela e com meu amigo Eduardo Campos, governador de Pernambuco, porque eu fui inaugurar uma casa em Pernambuco e eu fiquei indignado com o tamanho da casa.
A casa era num lugar chamado Canal da Malária, a Luciana conhece bem, e a casa era tão pequena que eu fiquei muito irritado, profundamente irritado, e eu não achava digno a gente entregar uma casa daquela pra uma mulher. E quando eu tô discutindo com eles o tamanho da casa, a mulher entra e ela fala assim pra mim: "Não brigue não, presidente, não brigue não. Essa casa pra mim é o céu, o senhor não sabe onde eu morava antes." E eu disse pra mulher: "Mas, é por causa disso que você merecia uma coisa melhor.” A gente não pode balizar porque você vive numa situação de penúria, que você deve aceitar qualquer coisa".
Eu fui com a presidenta Dilma [Dilma Rousseff] entregar casa em Governador Valadares uma vez, um conjunto financiado, acho que era pelo BNDES, eu quase que derrubo a casa, tal era a má qualidade da casa que estava entregando. Não tinha porta, não tinha acabamento, não tinha muro separando uma casa da outra, nada. E quem fez aquela casa achou que era normal: "Ah, mas o povo gosta assim". Não, o povo não gosta assim.
Todos nós queremos ter o nosso espaço. Quem não quer ter o seu quintalzinho cercado pro cachorro do vizinho não entrar no nosso quintal ou não morder a nossa cachorrinha? Ou a nossa galinha não ir pro quintal do vizinho e ele comer achando que é dele? Todo mundo quer ter uma separação, uma cerquinha, todo mundo quer ter a sua intimidade.
Essa história da varanda, meu caro Jader [Jader Filho - Ministro das Cidades ], você não tem noção. Eu, na época, foi muito engraçado, mas eu estava lançando um conjunto habitacional no Rio de Janeiro e eu perguntei: "Por que que não pode ter uma varanda de um metro quadrado? O que que vai encarecer essa casa? O que que vai aumentar a prestação de um metro quadrado?" Ou seja, eu ainda citei que tem dia que o cidadão não tá bom do intestino, e ele fazer a varanda do pum. O cara tá lá, vai lá, vai lá fora, não fica dentro de casa fazendo as coisas. Ora, é porque é uma questão de respeito.
Por que que as pessoas pobres têm que viver mal, têm quê? sabe? Por que que não podem ter o mínimo, o mínimo? Eu fui visitar casa que não tinha água com o argumento de que, mas as pessoas, era cano, as pessoas não querem, não querem chuveiro, as pessoas tomam banho em cano, as pessoas tão acostumadas a tomar banho com cano. Eu tomei banho na cadeia durante 31 dias, quando eu fui preso em 80, num cano gelado. Ninguém escolhe tomar banho de cano se pode ter um chuveiro quente.
Eu acho, Jader, que nessa nova modelagem de casa pra atender uma parte da sociedade brasileira, é extremamente importante – é um apelo que eu faço aos empresários, um apelo que eu faço a você, que eu faço à Caixa, aos técnicos –, é preciso que a gente zele pela qualidade das coisas que a gente vai entregar ao povo mais pobre desse país.
Todo mundo, todo mundo gosta das coisinhas bem feitas. Todo mundo gosta das coisas com um certo padrão. Um vaso sanitário decente, um chuveirinho decente, é porque as pessoas querem ser respeitadas na sua mais, mais importante intimidade. Então, eu queria que vocês levassem em conta essa evolução. Já tamos com 40 metro quadrado, já melhorou, mas o movimento popular tem feito casa de 60 metro quadrado. E mais importante. O movimento popular já tem feito casa, inclusive apartamento com 13º andar, com elevador. Porque me parece que pobre nasceu predestinado a ter casa só... , bloco de apartamento de quatro andares porque só pode subir de escada porque não pode pagar elevador.
Nós temos que acostumar, de forma muito civilizada, as pessoas cuidarem do elevador, e as pessoas poderem ter uma casa e subir, sabe, pro apartamento de elevador. Por que que é proibido um pobre morar numa casa que tenha elevador? Por que fica caro? Vamos encontrar um jeito de tornar isso barato pra ele ser tratado de forma respeitosa.
E, eu queria dizer pra vocês que tudo isso está acontecendo num momento excepcional do Brasil. Eu não sei se vocês tão tendo o mesmo sentimento que eu tô tendo. O país parece que voltou a se encontrar com a normalidade. As pessoas estão tendo direito de voltar a ser felizes, as pessoas estão tendo, sabe, o direito de voltar a ter esperança, as pessoas estão voltando a sonhar, as pessoas percebem que a economia começa a melhorar, as pessoas começam a perceber que o preço do alimento começou a cair.
Vocês tão lembrados que na campanha eu falava da famosa picanha? Portanto, sabe, a gente vai voltar a comer carne, quem gosta de comer carne. Quem não quiser, come verdura, legume, qualquer outra coisa. Mas eu, por exemplo, não abro mão da picanhazinha com a cerveja gelada, na casa de um companheiro que ofereça pra gente. É muito bom.
O país vai voltar à normalidade. A relação com o Congresso Nacional, ela vive, possivelmente, o melhor momento das últimas décadas. Ou seja, o Rodrigo Pacheco, preside o Senado, que é uma instituição independente da Presidência da República. Ele não tem que pedir licença pra mim ou favor.
A Câmara tem um presidente, tem 513 deputados, ela vive também um momento, sabe, as pessoas se assustaram. Como é que a Câmara aprovou política tributária? Como é que aprovou o Carf? Como é que aprovou? Aprovou porque é pro Brasil, não é pra nós, não é pro PT, não é pro Lula. Aprovou porque as pessoas tão percebendo o momento histórico que o Brasil tá vivendo.
Se a gente souber cuidar com carinho do momento político, essa será a década do Brasil. O Brasil pode recuperar o seu prestígio internacional, as pessoas podem voltar a ter aumento de salário, as pessoas podem voltar a ser tratadas com respeito nas ruas. Ninguém é obrigado a torcer pro mesmo time, a frequentar a mesma igreja. Cada um de nós vai ser o que a gente quiser ser, e a gente tem que respeitar. Isso é democracia exercida na sua plenitude. É preciso parar de mentira no face, no telefone, é preciso parar de ameaçar as pessoas no telefone, é preciso parar de violência, de contar mentira.
As pessoas gostam de viver um mundo mais verdadeiro, as pessoas só querem paz e tranquilidade e que ninguém perturbe a tranquilidade deles. Os empresários têm que ter do Estado garantia, têm que ter estabilidade jurídica, política, social. E o governo tem que brigar. O presidente do Banco Central só tem que entender que ele não é dono do Brasil, ele tá exercendo um cargo que foi indicado pelo Senado. E ninguém tá pedindo nenhum absurdo. Nós estamos pedindo: os juros precisam ser menores para facilitar que os empresários possam tomar crédito, para facilitar que a economia volte a crescer, para facilitar que pequeno e médio empreendedor, sabe, possam financiar seu negócio, para financiar pequeno e médio empresário. É só isso.
O que que estamos querendo demais? Nada. Só queremos viver em paz. Todo mundo sonha ter o emprego, todo mundo sonha ter uma casinha, todo mundo sonha ter seus filhos numa escola de qualidade, todo mundo sonha ver seus filhos brincar na rua sem violência, sem medo de bandido, sem medo de bala perdida. Esse país não pode ter empresários se dizendo empresários porque têm um lugar de praticar tiro. Não. Esse país, ao invés de lugar de praticar tiro, tem lugar de praticar leitura. Tem lugar de praticar, de estudar melhor.
E esse país será do jeito que a gente quiser. Esse país não será feito por nenhum alemão, nenhum francês, nenhum americano. Esse país será feito por nós: povo brasileiro, com a nossa cor, com a nossa altura, com o nosso jeito de ser. A gente tem que decidir que pátria que nós queremos, que nação que nós queremos. Uma nação que não tenha contencioso com outra nação, uma nação que o nosso único contencioso é no futebol. No resto, nós temos que estar bem com todo mundo.
Por isso, eu queria, Jader, a você, a Caixa Econômica Federal, a Casa Civil, e a turma da Casa Civil, que trabalharam nesse projeto, eu quero dar os parabéns a vocês. Lembrando que, quando nós começamos a fazer o Minha Casa, Minha Vida, os empresários me ofereceram um projeto de 200 mil casas achando que não tinha condições de fazer mais. O Guido Mantega [ex-ministro da Fazenda] me ofereceu oportunidade de fazer 500 mil casas porque achava que era muito grande. Pois bem, nós fizemos, da primeira vez, quatro milhões de casas, e isso demonstra que a gente tem capacidade de fazer aquilo que a gente se propuser a fazer, desde que a sociedade esteja vivendo em harmonia.
O presidente da República não pode brigar com o governador, o presidente da República não pode brigar com o prefeito, o prefeito não é adversário, o governador não é adversário. Eles são os representantes legítimos do povo que os elegeu. Os prefeitos e os estados têm que ver se tem terreno mais barato, terreno mais próximo do centro desenvolvido, prédios abandonados, prédio abandonados, terrenos da união, nós vamos ter que transformar isso em coisas habitacionais.
A quantidade de terrenos que existe abandonado nas grandes regiões, a quantidade de prédios da União, só o INSS, o INSS, só o INSS tem três mil casas e terrenos, prédios. Por que que isso fica na mão do INSS? Por que a gente não distribui isso pro povo, sabe? Faz as mudanças que tiver que fazer. Ao invés de levar o povo pra morar 20 quilômetros da cidade, do centro da cidade; leva o povo aonde já tem asfalto, onde já tem escola, já tem energia elétrica, já tem asfalto, já tem linha de ônibus. É apenas a gente fazer aquilo que é o óbvio.
Ninguém pode se esquecer porque que nós disputamos a eleição, ninguém pode esquecer porque que nós estamos aqui. Nós não estamos aqui pra inventar, nós estamos aqui pra fazer o óbvio. E o óbvio significa a gente fazer aquilo que todo mundo sabe o que fazer. Se a gente não inventar e fizer aquilo que nós sabemos que tem que fazer, esse país vai dar certo e pode ter certeza: esse é meu compromisso com o povo brasileiro, é entregar esse país sadio, economicamente forte, politicamente respeitado, com o povo vendo a sua Constituição ser cumprida pelas instituições, e as instituições cumprindo aquilo que é sua obrigação. O presidente governa, o legislador legisla e o judiciário julga; o resto é conversa fiada.
Boa sorte pra todos vocês.