Pronunciamento do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de sanção do novo Mais Médicos
TRANSMISSÃO | Sanção do novo programa Mais Médicos
Não vai, não vai precisar de discurso porque não vou fazer discurso.
Eu só queria lembrar vocês que quando o Padilha [Alexandre Padilha, ministro da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República] criou o Mais Médicos eu não imaginava, Padilha, que alguém fosse capaz de acabar com o Mais Médicos. Era uma coisa tão importante para a sociedade brasileira que eu não imaginava que um presidente ou um ministro qualquer pudesse, simplesmente, dizer: "esse programa não vai mais acontecer. Tem muito comunista trabalhando na periferia desse país; nós vamos acabar com o Mais Médicos". Sem dizer o que ia colocar no lugar!
A volta do Mais Médicos é como se a gente tivesse plantado uma jabuticabeira, tivesse passado alguém quando os galhos estivessem do pé de jabuticaba balançado, caiu toda a jabuticaba e nós, agora, estamos anunciando que nós estamos recolocando cada jabuticaba no seu lugar para que a sociedade brasileira possa degustar.
Esse ato hoje, ele é, na verdade, a afirmação de que nesse país, definitivamente e para sempre, o dinheiro que se coloca na saúde não pode ser visto como gasto, vai ter que ser visto como investimento. Por que investimento?
Porque no Brasil nós precisamos definir o quê que é gasto e o que é investimento, porque tudo que é social, é gasto. Tudo que é social, é gasto. E, muitas vezes, quando se discute que é preciso fazer contenção de verba, é preciso cortar dinheiro, toda vez se tenta cortar, exatamente, no social, porque as pessoas que são pobres representam muito e tudo que é dinheiro colocado pra ela também é um montante muito grande, se você olhar apenas o número. Mas, se você for olhar a quantidade de pessoas, você vai perceber que é muito pouco dinheiro pra cuidar de muita gente.
Eu sou filho de uma barriga que produziu 12 filhos, todos na base da parteira, nenhum médico. Eu, não só em Garanhuns (PE), até os sete anos de idade, eu não tinha comido pão. Eu, eu até os sete anos de idade, em Garanhuns, não só não tinha comido pão como até os dez, até chegar em Santos (SP), eu não sabia o que que era médico.
A minha geração, Berger [Swedenberger Barbosa, secretário executivo do Ministério da Saúde]... você é muito mais nova, Nísia [Nísia Trindade, ministra da Saúde], a minha geração, a gente, muitas vezes, cuidava de um dente com dente de alho. A gente cuidava de um dente com um pano encharcado de álcool, a gente ficava jogando cachaça dentro do buraco do dente para ver se parava de doer, a gente cuidava de um dente e de uma doença qualquer com benzedeira. Quem é da minha geração ou quem é da periferia desse país que nunca recorreu a uma benzedeira?
Então, o Mais Médico é no fundo, no fundo, levar aos mais longínquos rincões deste país e a maior periferia abandonada que nós temos, o direito do cidadão ser atendido decentemente por profissionais especialistas na saúde; seja a enfermeira, seja a atendente de enfermagem, seja o médico.
E nós sabemos que não é fácil nos grotões desse país as pessoas aceitarem ir trabalhar. Depois dos Mais Médicos, as pessoas começaram a se politizar e a se conscientizar. Muitas vezes, as entidades representativas da medicina dizem: "não precisa formar mais médico porque tem muitos médicos". É verdade, tem muitos médicos, que às vezes até em excesso, na Avenida Paulista, na Avenida Copacabana, na Avenida Boa Viagem, tem muitos médicos.
Mas vai na periferia de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Fortaleza, de Salvador para ver quantos médicos faltam, em qualquer periferia desse país, aqui em Brasília. Ou seja, o que é importante a gente ter clareza é que não basta ter o médico, é preciso que ele esteja aonde as pessoas estão e não ficar esperando que as pessoas venham até onde o médico está. Essa é a grandeza do médico de família. Essa é a grandeza dos agentes de saúde. A gente ir até aonde está o paciente, não ficar esperando que o paciente venha até onde está o médico.
É uma inversão e uma inversão saudável. Uma inversão que faz com que as pessoas comecem a se preocupar em ter uma visão social no cuidado do pobre. É difícil cuidar das pessoas mais pobres. É difícil, é sempre tudo muito difícil. Eu lembro que uma vez eu morava na Vila Carioca, num bairro lá em São Paulo, e uma irmã minha tava doente, o médico chegou na minha casa e eu não tinha uma cadeira pra ele sentar. Quando o médico pediu uma cadeira, todo mundo saiu de vergonha. O médico teve que sentar na cama. Então, as pessoas preferem tratar de gente mais rica, de gente que tem mais posse, de gente que, sabe, consegue procurar os chamados especialistas. E a Nísia, a Nísia sabe a minha, a minha obsessão por especialistas. A Nísia sabe.
Ou seja, as pessoas pobres desse país, eles conseguem ir ao médico, vai numa UPA, vai no UBC [UBS], às vezes, consegue atender com o médico. O médico faz uma consulta, mas quando o médico diz pra ele: "olha, meu filho, você tá com um problema, sabe, tal, que precisa do especialista". Aí começa o problema dele. O especialista não existe pra ele. Ele leva seu diagnóstico pra casa e, às vezes, o especialista é marcado pra nove meses depois, pra seis meses depois, pra oito meses e a doença não espera. Ah, se fosse bom que a gente pudesse tirar a doença e guardar. Espera o especialista chegar que a gente vai cuidar.
E o Mais Médico é a possibilidade de levar essa gente até o paciente. A pessoa tá na cama, a pessoa não pode andar, tá lá o médico, tá o agente de saúde indo lá perto dele para dar a ele um mínimo de respeitabilidade que o ser humano precisa ter neste país. Portanto, eu queria dizer para vocês que esse Mais Médico, essa nova versão do Mais Médico, veio para ficar definitivamente e se transformar num padrão de saúde deste país, definitivamente.
E nós temos que aprender que não é uma coisa da Nísia ou uma coisa do presidente Lula. Tem que ser uma coisa nossa. Quem tem que defender isso somos todos nós, porque se não for assim acaba.
Vocês perceberam quantas políticas públicas foram destruídas em 2018 até agora? Vocês sabem que nós já tivemos que remontar 37 políticas públicas que a gente tinha feito e que foram desmontadas? Das universidades à Farmácia Popular, da merenda escolar ao reajuste de funcionários.
Tudo isto foi tirado com a maior desfaçatez. Ainda ontem, o Camilo [Camilo Santana - ministro da Educação] anunciou o fim do ensino cívico-militar, sabe, porque não é obrigação do MEC cuidar disso. Se cada estado quiser criar, que crie; se cada estado quiser continuar pagando, que continue; mas o MEC tem que garantir a educação civil igual para todo e qualquer filho de brasileiro ou brasileiro. Então, acreditem que o país mudou.
Faz apenas seis meses que a gente tá aqui, apenas seis meses. Mas, vocês podem analisar os números que mudou, inclusive, mudou a relação com o Congresso Nacional, porque a gente também não quer ficar brigando com o deputado e com senador. Senador não é subordinado ao presidente da República, que aquilo que a gente quer a gente manda e é aprovado, não. A gente tem que mandar e tem que convencer de que aquilo é importante ser aprovado e, às vezes, aceitar as mudanças dele.
Aqui, todo mundo sabe o quanto é importante essa relação civilizada e democrática. O Congresso pode ter o defeito que vocês quiserem que tenha, mas ele é a cara de vocês no dia da eleição. Não tem jeito. O Congresso nada mais é do que isso. Ele é o estado de espírito de cada um de nós quando foi digitar o nosso número de candidato, então não adianta reclamar. Se quiser melhor, só nas próximas eleições. Se quiser melhor, só nas próximas eleições para a gente poder mudar. Caso contrário, nós temos que aprender a viver democraticamente.
Eu tenho muito orgulho de ter escolhido a Nísia como ministra da Saúde. Eu tinha quatro ex-ministros, todos muito bons, a começar do primeiro: Humberto Costa; depois o Temporão; depois o Chioro; depois o Padilha. E tinha mais dois, que foram o ministro Saraiva Felipe, de Minas Gerais; e o Agenor. E eu fiquei pensando: "toda essa gente vai querer voltar a ser ministro, afinal de contas, eles foram ministros e foram bem provados, então, eles vão querer voltar".
Mas, o Padilha foi muito digno porque eu falei: "Padilha, eu acho que nós precisamos encontrar uma mulher pra ser ministra da Saúde. E ele, e ele foi o primeiro, ele foi o primeiro a falar pra mim. Eu falei: "Espera, tem uma senhora lá…no, tem uma senhora na Fiocruz que já tive boas informações dela.” Pois, foi o Padilha, que sonhava em voltar a ser ministro da Saúde, que trouxe a Nísia para conversar comigo".
Então, eu tô dizendo isso porque nós estamos num período de entressafra. O Congresso Nacional tá em férias e todo dia eu leio nos jornais a troca de ministros. Já troquei todo mundo, só falta eu mesmo me trocar, só falta eu anunciar a minha saída e colocar alguém no meu lugar.
Deixa eu falar uma coisa pra vocês: eu vou viajar agora, eu disse para a Nísia já, publicamente, sabe, tem ministros que não são trocáveis. Tem pessoas, tem pessoas e tem funções que são uma coisa da escolha pessoal do presidente da República. Eu já disse publicamente: a Nísia, ela não é ministra do Brasil, ela é minha ministra. E, portanto, ela, ela tem uma função a cumprir e ela sabe que a única perspectiva que ela tem de sair é se ela não cumprir a função correta dela. Ela sabe. Isso vale pra mim, vale pra todo mundo.
De qualquer forma, eu queria dizer para vocês, companheiros e companheiras ligados à área da saúde que vieram aqui nesse ato do Mais Médicos: esse país será o que a gente quiser que ele seja.
A gente aprendeu num curto espaço de tempo que pra coisa ficar ruim é muito fácil, pra coisa melhorar é muito difícil. Para você derrubar uma casa, sabe, é uma, uma trombada com o carro, pra fazer essa casa leva meses. Pra gente construir um sistema de saúde perfeito que possa atender aos interesses das pessoas mais humildes, daquelas pessoas que nunca tiveram acesso a médico, pra aquelas pessoas que nunca conseguiram ter informações.
Eu vejo de vez em quando as pessoas falarem: "não, mas tudo vai ser resolvido com telemedicina porque com telemedicina, com telemedicina.” A telemedicina pode ser extraordinária para algumas pessoas, mas para a maioria das pessoas o médico tem que tá presente conversando com a pessoa, discutindo com a pessoa.
Porque o médico, ele não pode apenas olhar o corpo da pessoa, tem que olhar a casa da pessoa. Tem umidade, a casa é arejada, a pessoa tá comendo as calorias e a proteína necessária, a comida tá correta. Isso sim é cuidar da saúde, ou seja, não é apenas fazer um diagnóstico e dar uma receita, é saber como é que a pessoa tá vivendo e é tentar ajudar a educá-la.
Então, queridos e queridas companheiras.
Hoje, é um dia sagrado pra mim, porque a volta do Mais Médicos de forma apoteótica é uma coisa extraordinária pra esse país. Eu tenho dito pra Nísia que nós precisamos mostrar ao mundo, todo santo dia, que o SUS não é apenas grande, o SUS é o melhor sistema de saúde pública que um país, de mais de 100 mil habitantes, tem. Se alguém tinha alguma dúvida sobre o SUS, a pandemia permitiu que a gente visse a verdadeira cara dos profissionais de saúde desse país. A dedicação, sabe, pessoas abnegadas que, muitas vezes, perderam a vida tentando salvar vida. É esse SUS que, muitas vezes, não era reconhecido publicamente. Esse SUS que, muitas vezes, era tripudiado em algum setor do meio de comunicação. É esse SUS que ganhou notoriedade e senhoriedade, e a gente não pode perder mais isso, porque o SUS não é de ninguém, o SUS é nosso.
O SUS é o sistema, o SUS é o modelo de sistema de saúde que causa inveja a qualquer país rico do mundo. O que nós temos é que aperfeiçoá-lo, o que nós temos é que melhorá-lo e o que nós temos é que valorizar os nossos profissionais, do porteiro de uma clínica ao médico da clínica, todos têm que ser valorizados e respeitados para que a saúde possa cumprir com a sua função de salvar vida.
Parabéns, Nísia; parabéns, Padilha; parabéns, Rui Costa [Ministro da Casa Civil]; parabéns, ministros; parabéns, povo da saúde do nosso país.
Um abraço e um beijo no coração.