Pronunciamento do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na abertura da 17ª reunião do CNDI
TRANSMISSÃO | Abertura da 17ª reunião do CNDI
Agora que todo mundo já disse como vai fazer, eu vou falar agora duas palavras porque já são, já são 13 horas. Eu não consigo compreender como é que, muitas vezes, nós deixamos um país retroceder como a gente deixa o país retroceder. Ou seja, você tinha uma, um Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, que fez muitas reuniões entre 2004, 2005 até 2015. Depois, simplesmente, se parou. E o que é grave é que ele para e que ninguém cobra. Nunca houve uma cobrança de ninguém, que reclama da desindustrialização. Por que que esse conselho parou? A impressão é que há uma certa atitude de covardia, sabe, dos setores interessados. Porque nós não criamos esse conselho porque a gente queria criar, a gente criou porque setores industriais queriam que nós criássemos e nós criamos. Mas, ele não poderia parar, porque ele não é um instrumento do governo, aqui é um instrumento do Estado brasileiro, da sociedade, que deveria ter continuado com o Temer [Michel Temer, ex-presidente da República], com o Bolsonaro [Jair Bolsonaro, ex-presidente da República], com quem quer que fosse.
Mas, simplesmente parou. E o significado de passar tantos anos sem discutir política industrial resulta na choradeira nossa. Todo ano a gente faz como se fosse o cantinho da saudade. Todo discurso é o seguinte: "Ah, porque nos anos 80 era vinte e cinco, agora é só dez. Era trinta...". Sabe, porque a gente foi deixando. E a gente foi, também, sendo iludido pela facilidade de comprar coisas baratas. Não é apenas o pessoal de 50 dólares no varejo que se encanta por coisa mais barata. Eu era presidente da República, ajudei a financiar uma indústria para recuperar a indústria ferroviária neste país e, seis meses depois que nós financiamos o empresário, eu encontro com ele na China importando as coisas que eu pensava que ele ia produzir no Brasil. E por que que ele estava importando? Porque era mais barato.
Então, o que nós temos que ter clareza é o seguinte: esse país será o que a gente quiser que ele seja, se a gente estiver disposto a assumir a responsabilidade. Se nós quisermos fazer política industrial de verdade, as coisas estão colocadas no papel pra gente fazer. E nós temos que decidir outros nichos de indústria que a gente quer fazer. Esse país quer ter uma indústria química competitiva? Esse país quer ter uma indústria naval competitiva, sabe? Nós temos... O chanceler alemão, no último encontro que eu tive em Paris, eu até brinquei com ele que eu ia convidá-lo a ser ministro do Desenvolvimento e Comércio aqui no Brasil, ou ministro de Minas e Energia.
Porque, na fala do Olaf Scholz, ele dá uma bronca nos países em desenvolvimento. Que chega dos países em desenvolvimento exportar minério quando deveria industrializar para importar o produto já transformado e gerar emprego para o seu povo. Eu até falei: "Vai lá, vai ser meu ministro da Indústria e Comércio, vai ser meu ministro de Minas e Energia para obrigar”. Porque a conscientização das empresas de mineradora do Brasil é que não querem transformar porque não querem brigar com o cliente, lá fora. Então, a gente nunca vai ser um país industrializado, porque nós temos medo de ser industrializado.
Quem não lembra, nos anos 90, quando se destruiu a indústria de auto peças nesse país? Quem não se lembra do fechamento de uma empresa como a Metal Leve, que era uma empresa exemplo de empresa qualificada e que, de repente, fechou, vendeu. E assim foi toda a indústria, foi toda a indústria.
Então, nós estamos reclamando uma coisa que nós brigamos pouco para defender. Esse é o dado concreto. É importante saber que a nossa geração. E vocês fazem parte da minha geração, alguns mais novos, nós fazemos parte da geração que acreditou no conceito de Washington. Nós fazemos parte da geração que achava que a Globalização era a salvação da lavoura para todo mundo. A gente não compreendia que a Globalização era uma coisa que interessava muito aos países ricos, para introduzir os seus produtos e as suas fábricas dentro da nossa casa. E a gente virar mero exportador e importador. Precisou o [Donald] Trump, na disputa eleitoral, chamar a atenção para o que tava acontecendo nos Estados Unidos. O que que a China fez de novidade? Um país socialista se aproveitou da ganância de um país capitalista, que resolveu implantar suas empresas todas na China para utilizar o trabalho escravo. A China aproveitou e se industrializou. E agora os Estados Unidos têm uma preocupação com a China e fica sempre ameaçando a possibilidade de uma nova Guerra Fria.
O Brasil tem que aproveitar essa oportunidade. Eu vou dizer para vocês: nós temos uma nova oportunidade nesse país. E a gente tem que decidir se a gente quer fazer ou não quer fazer. Nós temos mais três anos e meio na frente desse governo. Eu estou dizendo "nós", porque não é fácil encontrar dois democratas como Alckmin [vice-presidente da República e Ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços] e Lula, não. Porque a gente não sabe de tudo, a gente não quer saber de tudo. A gente quer compartilhar com a sociedade brasileira as soluções dos problemas desse país. E, outra vez, a minha ideia é de que se a gente não incluir o povo pobre no orçamento, esse país não dá qualidade.
É verdade que esse país durante 30 anos foi o país que mais cresceu no mundo. É verdade que esse país, na década de 70, chegou ao milagre brasileiro de crescer 14% ao ano. Mas, é verdade, também, que a riqueza não era distribuída. A economia crescia e o povo continuava pobre. Nós pertencemos a uma geração que a gente discutia o tempo inteiro: primeiro, tem que crescer ou tem que investir? Tem que investir para crescer ou tem que crescer para investir? Não tem que separar as duas coisas. Nós provamos que é possível investir e crescer ao mesmo tempo. Nós provamos que é possível aumentar o salário mínimo e não ter inflação. Nós mostramos que é possível importar e crescer o mercado interno. Não tem que ter dualidade entre essas coisas.
Tem que ter disposição. Como é que pode, depois de 2012, esse país chegar em 2023, com 33 milhões de pessoas passando fome outra vez? Como é que pode a gente ter ficado sete anos sem investir em nossos médicos, nossos doutores, sem investir nas bolsas de estudo que forma a inteligência brasileira? Ou seja, aonde que a gente quer chegar se a gente, sequer, colocava o dinheiro que a educação precisava para formar a nossa gente? Aonde que a gente quer chegar se a gente ainda começa a tratar a questão da educação como gasto? Não pode fazer mais universidade porque é gasto, não pode mais investir em não sei o quê porque é gasto. Se a gente não investir – porque é investimento –, a gente vai ter que, depois, fazer uma análise, quanto custou para esse país não fazer as coisas na hora certa. E quanto tempo nós já perdemos? E quantas oportunidades?
Eu conheço empresário, conheço empresário, Robson, que herdou uma fundição do pai, há 40 anos atrás, e a fundição continua do mesmo jeito. Ele não investiu um centavo em inovação. O que ele investiu foi engordar a conta bancária dele. Ele não comprou uma máquina nova, sequer. Então, quando a gente fala que a gente precisa investir em inovação, quando a gente fala que a gente tem que ter uma nova Revolução Industrial, está nas nossas mãos fazer isso. Da parte do governo, a gente vai criar as condições.
O companheiro Haddad [Fernando Haddad, ministro da Fazenda] sabe que nós temos que aportar recurso para que o BNDES faça a economia funcionar. Tá aqui a presidenta do Banco do Brasil, ela sabe que o Banco do Brasil tem que voltar a fazer crédito barato para que as pessoas possam produzir. A Caixa Econômica, a mesma coisa. O BNB [Banco do Nordeste] não empresta dinheiro pra prefeituras nem pros estados porque alguém decidiu que não empresta. Se o Estado tem capacidade de endividamento e a prefeitura tem, por que não emprestar? Por que que o Estado faz o papel de bandido?
Por que que se tomou quase 600 bilhões de volta, do BNDES, que, em vez de investir, devolveu pro Tesouro? Pro Tesouro fazer o quê? O que que foi feito com todo dinheiro que deixou de ser investido nesse país? Então, eu quero dizer para vocês, companheiros, que nós temos três anos e meio. Três anos.
Eu conto todo dia, porque o mandato da gente acaba logo. É rápido quando a gente tá no governo. Quem deve estar chorando é o Bolsonaro porque demora pra oposição. O cara que está na oposição, três anos e meio, demora. Para quem tá no governo demora logo. E o Alckmin e eu não temos tempo pra perder. O meu governo não tem tempo a perder. Eu não voltei a governar este país para fazer o mesmo que eu já fiz. A gente voltou pra tentar fazer as coisas diferente. E fazer a Revolução Industrial nesse país pra gente ser competitivo de verdade. A hora é agora. A gente vai ter que investir na indústria de gás, é preciso parar com essa discussão de que o país não pode ter gás. O país pode ter gás.
O país pode ter o que ele quiser, é só ele querer. Ele pode voltar a ter indústria que ele quiser. Basta que a gente tome a decisão. Qual é o nicho de empresa que nós queremos fazer? Nós queremos uma indústria de papel, sabe, de qualidade ou queremos só produzir papel e celulose para exportação? Que país nós queremos?
Então, meus queridos companheiros, da parte do governo, eu queria dizer para vocês: da parte do governo serão três anos e meio em que ninguém vai poder se queixar que o governo tá atrapalhando. Vocês têm que lembrar que se for votada a reforma tributária, hoje, é a primeira vez na história da democracia que a gente faz uma reforma agrária no regime democrático. Porque a última que nós tivemos foi no regime militar – tributária –, porque reforma tributária só se faz em regime autoritário. Quando o governo banca – e nós estamos fazendo em um regime democrático, negociando com todo mundo – e ela vai ser aprovada. Não é o que cada um de vocês deseja, não é o que o Haddad deseja, não é o que eu desejo, mas tudo bem. Mas nós não somos senhores da razão. Nós temos que temos que lidar com a relação de força que tá no Congresso Nacional. Os deputados que estão lá, bem ou mal, foram escolhidos pela sociedade brasileira, portanto, merece tanto respeito quanto eu acho que eu e o Alckmin merecemos. Então, em vez de chorar o que a gente não tem, nós temos que conversar com o que a gente tem. E isso vai acontecer nesses próximos quatro anos.
Cada ministro que tá aqui sabe. É preciso parar de reclamar. É preciso parar de lamentar e discutir como fazer e vamos fazer.
Eu digo todo dia: a única coisa impossível é Deus pecar, o resto a gente pode tudo. E esse país pode muito. Esse país tem essa questão da transição energética que nenhum país do mundo tem sequer condições de falar grosso com a gente.
Eu tenho viajado e tenho debatido, sabe. Não adianta vir a Alemanha querer dar palpite na questão da energia limpa do Brasil. A França. Não. Vocês não sabem. Nós temos mais do que eles aquilo que eles quiserem. E temos muito mais oportunidade do que eles. Então, nós temos que aproveitar isso. Nós precisamos fazer a ferrovia que nós temos que fazer, a rodovia que nós temos que fazer, os navios que nós temos que fazer. Esse país tem que voltar a decidir ser grande. Acabou aquela bobagem de que o Estado tem que ser forte ou o Estado tem que ser fraco. Acabou.
O Estado tem que ser o Estado necessário. Pra quê? Pra poder dirigir, induzir, o crescimento econômico do país. Ah, o Estado não pode se meter. Quando houve a crise de 2008, quem é que salvou a economia? Foi o Estado. Quando houve a crise, agora, da pandemia, quem salvou, sabe, que a pandemia ser quase que uma mortalidade? Foi o Estado. De repente, apareceu 5 trilhões nos Estados Unidos. Angela Merkel [ex-Chanceler da Alemanha] resolveu colocar 700 bilhões de euros para financiar. Então, vamos parar com essa questão de dizer quem é melhor ou quem é pior.
O Brasil precisa dos dois. O Brasil precisa do Estado e precisa do setor privado. E muito mais, a gente precisa formar profissionais mais qualificados se a gente quiser, verdadeiramente, voltar a ser um país industrializado. Então, Aloizio [Aloizio Mercadante, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], você vai parar de reclamar porque nós vamos colocar dinheiro no BNDES. Nós vamos ter que colocar dinheiro no BNDES. Nós vamos ter que colocar dinheiro no Banco do Brasil. E esse dinheiro tem que circular.
Eu vou dizer uma coisa que eu disse na reunião dos ministérios: pouco dinheiro na mão de muitos significa pobreza, significa miséria, significa prostituição, significa violência que nós temos em todos os países pobres. Agora, muito dinheiro, agora, pouco dinheiro, na mão de muitos significa distribuição de renda, significa menos pobreza, significa mais poder de consumo, significa melhorar a vida da sociedade, que é o que nós precisamos fazer. Vocês vão ver, com essas medidas que nós já tomamos aqui, o dinheiro tá circulando, o dinheiro tá correndo. Se o dinheiro chegar lá embaixo, ele não vai ser aplicado na bolsa, não vai comprar dólar, não. Ele vai voltar pro comércio. Quando ele volta pro comércio, ganha o comércio, ganha a indústria, ganha o emprego, ganha todo mundo. Não precisa ser esse doutor honoris causa para saber disso, é só ter um pouco de inteligência e saber que o povo precisa ter acesso aos recursos.
E, é por isso, companheiros, que eu estou otimista. Pode ter certeza, o Brasil tem a chance que ele jamais teve. O fato do Brasil ter ficado exilado do mundo, durante esses últimos seis anos, deu ao mundo uma sede, uma necessidade, do Brasil. E, nós precisamos tirar proveito, que o Brasil não tem contencioso com ninguém. O Brasil gosta de todo mundo e todo mundo gosta do Brasil. E é por isso que eu não quero me meter na questão da guerra da Ucrânia e da Rússia. A minha guerra é aqui, é contra a fome, é contra o desemprego, é contra a pobreza, é contra a desindustrialização. Por que que eu vou me preocupar com a briga dos dois? Vou cuidar da minha briga. Então, eu queria, companheiros, só pedir para vocês: essa briga não é do Alckmin e não é minha, essa briga é nossa.
A nossa geração, daqui a quatro ou cinco anos, ela terá que ser medida pelo que ela teve capacidade de fazer, porque fazer uma ponte é muito fácil, fazer um viaduto é muito fácil. Agora, cuidar do povo pobre é muito difícil, porque tem que ter sentimento. E esse país não precisa ser pobre como ele é. Esse país, nós fizemos um programa agora para tentar recuperar milhões de crianças que estão no segundo ano escolar e que não sabem nem ler e nem escrever.
Que país que a gente vai criar se a gente continuar permitindo que isso aconteça? Ah, vai custar dinheiro. Vai. Vai custar dinheiro fazer escola integral? Vai. Mas, é um custo que o Brasil vai passar por ele. Se a gente não fizer isso, daqui a 30 anos os filhos de vocês estarão em uma reunião como essa discutindo as mesmas coisas, porque não fizemos no tempo certo aquilo que tinha que ser feito. Esse país já teve muitas guerras internas. Eu lembro que o Serra [José Serra - ex-ministro e ex-governador de São Paulo ] era uma das pessoas muitas vezes atacadas porque era desenvolvimentista. E ficou uma briga durante século. Quem é desenvolvimentista e quem é financeirista. Os financeiristas ganharam, e o Brasil perdeu. Eu acho que tá na hora do desenvolvimentismo ganhar para que a gente volte a gerar oportunidade para 203 milhões de habitantes.
Obrigado, queridos.
Se você permitir, eu poderia me retirar... Mas antes, Alckmin, eu queria te parabenizar. Eu queria, antes de deixar o recinto aqui, parabenizar você e os ministros pela organização desta reunião. É importante que vocês que vieram nesta reunião tenham essa reunião como um novo marco histórico. Da possibilidade desse país voltar a se industrializar. E também do investimento em inovação, porque muitas vezes a gente fala e faz pouco na inovação. É preciso querer e fazer. E nós vamos incentivar vocês a fazerem.
Abraço.