Pronunciamento do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião sobre ações integradas de combate à violência nas escolas
Bem, companheiros, o que esta reunião demonstrou é que nós estamos diante de um fato em que poucos de nós conhecemos. Nós ainda não temos os chamados "especialistas" nesse novo tipo de violência que está acontecendo na nossa rua, na nossa vila, no nosso bairro, na nossa cidade e no nosso país. Nós não temos ainda — acho que nenhum governador e nenhum prefeito, ainda, tem na sua cidade um grupo de especialistas que já parou para estudar e que já tem "acúmulo".
Nós estamos diante de um fato novo, pois a violência existe na nossa vida desde que a gente nasceu, a periferia desse país é tomada de violência todo dia (e morre muita criança e menor na periferia). O fato novo é que invadir um lugar que, para nós, é dito como lugar de segurança... É verdade que toda mãe, quando leva o filho para uma escola, ou leva o filho para uma creche, e ela deixa o filho lá, e ela tem certeza de que o filho está seguro. Isso ruiu. Ruiu porque nós temos um instrumento avassalador. Não é o telefone celular que é ruim, ele é ótimo! Agora, as redes, que nós não deveríamos chamar de "rede social", nós deveríamos chamar de "rede digital" — e tem a "rede digital do bem" e a "rede digital do mal". Há uma predominância da chamada "rede digital do mal". As pessoas gostam de mentira. As pessoas gostam de fake news, é só ver como que foi a última eleição neste país; e como que foi a última eleição nos Estados Unidos; ver como que foi a eleição de 2018; que a gente vai perceber que há uma predominância na tentativa de divulgar o falso, a mentira.
Se nós plantamos jabuticaba, nós não vamos colher jaca, muito menos maçã. A gente vai colher o que a gente plantou — e nós estamos colhendo o que a gente plantou. É só ver os discursos que são feitos por esse país afora. Há uma predominância na pregação da violência. Quantos de vocês já foram ofendidos em bar, em restaurante, não sei se foi na missa da igreja, no culto, mas quantos de vocês já foram ofendidos? Porque é uma coisa que permite e facilita o mal diante do bem: as chamadas "plataformas", as chamadas "grandes empresas" que ganham dinheiro com a divulgação da violência estão cada vez mais ricas — e, alguns são os empresários mais ricos do planeta Terra. E continuam divulgando qualquer mentira, não têm critério. Por isso, eu resumirei essa reunião na frase do Alexandre de Moraes: as pessoas não podem fazer na rede digital aquilo que é proibido na sociedade.
Não é possível que eu possa pregar o ódio na rede digital; não é possível que eu possa ficar fazendo propaganda de arma e ensinando criança a atirar. É isso que a gente vê, todo santo dia. Todo santo dia, a gente vê (e é verdade) que uma criança de 6, 7, 8 ou 9 anos, ela repercute na escola o que ela ouve dentro de casa. Então, querido Alexandre, nós não vamos resolver esse problema só com dinheiro. A gente não vai resolver esse problema elevando o muro da escola. A gente não vai resolver esse problema colocando detector de metais. Eu fico imaginando as crianças sendo revistas nas escolas. Fico imaginando como seria patético para os pais — para o prefeito, para o governador, para o presidente da República e para todas as instituições desse país — uma criança de 8 anos ter que mostrar a mochila dela para ser rastreada.
Então, o que nós temos que fazer? Eu vou confessar uma coisa que eu penso há muito tempo: ou nós temos coragem de discutir a diferença entre liberdade de expressão e cretinice, ou nós não vamos chegar muito à frente. Ou nós levamos em conta a necessidade de educar os pais, porque a família tem que estar envolvida nesse processo. A família tem que ter a responsabilidade de ajudar a cuidar da escola! No plano nacional — PNE [Plano Nacional de Educação] — que nós aprovamos, a gente previa que a comunidade teria que assumir a responsabilidade pela escola. Tinha gente que tirava as crianças das escolas públicas para colocar nas escolas privadas porque achava que nas [escolas] privadas tinham mais segurança e está provado que não tem. Está provado que não tem. Ou seja, o que nós precisamos, na verdade, é ter em conta que a humanidade está mudando de padrão de comportamento. E que nós, como governantes, temos a responsabilidade de tentar não permitir que a sociedade deixe de ser uma sociedade dotada de humanismo e que o ódio prevaleça sobre o bem.
Todos nós sabemos o que nós falamos todos os dias. Todos nós sabemos o que nós falamos tomando uma cerveja com os amigos. Todos nós sabemos o que nós falamos nos nossos discursos. Todos nós sabemos. Então, nós estamos colhendo isso. Quando a criança acha que uma arma é uma solução, uma criança de 8, 9 anos, por quê que ela acha? Ela viu na bíblia? Não. Ela viu no livro escolar? Não. Ela ouviu do pai, dentro de casa. Ela ouviu do pai ou da mãe, dentro de casa. E é por isso que a gente precisa ter em conta que, sem a participação dos pais, a gente não recupera o processo educacional correto nas nossas escolas. Não vamos transformar nossas escolas numa prisão de segurança máxima, pois não é a solução. Nem tem dinheiro pra isso, nem é politicamente correto, humanamente correto e socialmente correto. Se a gente tentar fazer isso a gente está dando a demonstração que nós não servimos para muita coisa. Porque nós não sabemos resolver o problema real.
Então, eu penso que cada um de nós — e é por isso que nós estamos chamando essa reunião... Essa reunião não é pro Governo Federal dizer que tem todo o dinheiro do mundo para toda cidade murar escola. Vamos transformar o Brasil, sabe, naquele muro que está construído entre Israel e a Faixa de Gaza, ou, quem sabe, no muro que queriam fazer entre os Estados Unidos e o México, ou, quem sabe, fazer um muro, sabe, o famoso muro chinês lá, para proteger, porque não vai resolver.
O problema está no processo educacional dentro da própria família. O problema está no fato da gente dizer, sabe, que a arma não pode... Esses dias, sabe, foram no Amapá (não sei se vocês viram). Procuraram um cara que estava ameaçando o senador Randolfe [Rodrigues]. Bom, o que acharam na casa do cara é um arsenal que talvez a polícia do Estado não tenha: um cidadão particular tinha aquilo. Nós temos noção da quantidade de "indústria de dar tiro" que se montou nesse país. Nós sabemos disso. E isso tudo resulta no que aconteceu em Blumenau (SC), que quatro anjos foram vítimas de uma pessoa que, na minha opinião, a ministra da Saúde está aqui, mas eu sempre ouvi dizer que a Organização Mundial da Saúde sempre afirmou que na humidade deve ter, mais ou menos, 15% de pessoas com algum tipo de deficiência mental. Olha, se esse número é verdadeiro e você "pega" o Brasil com 220 milhões de habitantes, se você "pegar" 15% disso, significa que nós temos quase 30 milhões de pessoas, sabe, com problema de "desequilíbrio de parafuso". Ora, pode uma hora acontecer uma desgraça. Então, nós temos que pensar, sabe, e analisar, a saúde mental dessas crianças dentro da escola. Ora, por que que a criança não pode ser seguida, sabe, pelos médicos, quando começa a entrar na escola, para ver o comportamento dela e analisar para saber, sabe, a vida? Nós temos que esperar ter um crime pra poder fazer isso?
Essa é uma nova tarefa, Nísia, que não é só do Governo Federal, não. É uma tarefa que envolve a saúde municipal, a saúde estadual, a saúde federal, que envolve todas as polícias — e eu quero agradecer inclusive o trabalho que as polícias estaduais e a sua inteligência estão fazendo em conjunto com o nosso Ministério da Justiça [e Segurança Pública], porque é preciso envolver todo mundo. Ninguém pode ficar fora, nem o pastor mais sectário que a gente tenha, tem que ficar fora desse processo. Ele tem uma filha e ele precisa educar o filho dele. Eu tenho filha, tenho neto e eu tenho que educar os meus netos. Porque nós somos os primeiros culpados. Nós temos que pensar o quê que eu ensino pro meu filho, dentro de casa. Quando meu filho tem 4 anos e ele chora, o que eu faço pra ele? Eu dou logo um tablet para ele: "toma aqui pra você brincar", sabe, enfio ele logo num joguinho. Não tem jogo, não tem game, falando de amor. Não tem game falando de educação. É game ensinando a molecada a matar. E cada vez muito mais mortes do que na segunda guerra mundial. É só pegar o jogo que essa molecada... É o meu filho, é o filho de cada um de vocês. São os meus netos e os netos de cada um de vocês. Pode ser que tenha uma raríssima exceção que não faça isso, mas eu duvido que não tenha um moleque de 8 anos, 9 anos, de 10 anos, de 12 anos, que não esteja habituado a passar grande parte do tempo jogando essas porcarias. E jogando mais: hoje a molecada joga com gente de outro país. Passam a noite jogando! E tudo isso resulta nessa violência no meio de crianças.
Nós estamos chocados e profundamente chocados pelo o que aconteceu em Blumenau (SC), mas a gente tem que estar consciente de que isso acontece fora da escola, todo dia. É que, fora da escola, a primeira coisa que fala é que "foi bandido"; aí, a sociedade "conforma", porque foi bandido; mas, morre muita criança inocente, todo santo dia, na periferia desse país. Então, o que nós estamos chamando vocês aqui, primeiro é para configurar uma crença que eu tenho: não é possível um presidente da República governar um país se ele não ouvir os entes federados. É verdade, Edvaldo [Nogueira], o problema está na cidade. O problema educacional, o problema da água, o problema da saúde, o problema do transporte, sabe, está tudo na cidade.
O governador não governa se não ouvir os prefeitos; o presidente não governa se não ouvir os governadores. E por quê que o presidente não gosta de receber prefeitos? Por quê que o presidente não gosta de receber reitor? Por quê que o presidente não gosta de receber sindicalistas? Por quê que o presidente não gosta de receber governador? Porque na cabeça dos presidentes vocês só vêm pedir dinheiro. E nós temos que mudar esse conceito. Aliás, é obrigação do presidente da República ouvir as pessoas nas tomadas de decisão. E é por isso que, em maio, os governadores serão chamados outra vez: porque vocês entregaram vários projetos de infraestrutura e esses projetos estão sendo trabalhados; e a gente vai chamar vocês pra gente decidir os projetos que a gente vai encaminhar. Porque, somente assim, a gente pode mudar o jeito de governar esse país. Ouvindo quem sabe mais do que a gente. Ouvindo quem quer compartilhar.
O que nós estamos fazendo aqui é tentar compartilhar um problema grave, um problema que fere todo mundo, porque é criança. A gente quer compartilhar uma solução que, individualmente, ninguém tem. É a gente aproveitar os especialistas que nós temos nos nossos estados — e que o Poder Judiciário tem, em toda ramificação da Justiça —, e por isso nós convidamos o Alexandre, não só porque é presidente do TSE [Tribunal Superior Eleitoral], mas porque, possivelmente, dentre todos nós, pela função que ele assumiu no TSE de discutir a questão das fakes news, ele talvez seja o maior especialista que nós temos nesse país, nesse momento. Por isso, obrigado pela tua fala, obrigada pela tua presença e obrigado aos governadores e aos prefeitos que estão aqui.
Nós não vamos resolver isso com dinheiro, nós vamos resolver isso com atitudes. E é por isso que tem que criar um comitê de prefeitos. O prefeito tem que criar comitê de pais, sabe, comitê de professor, comitê de padres, de pastores, nós temos que transformar esse grave problema numa solução política, para a gente resolver a violência nesse país. Eu quero dizer que eu me coloco à inteira disposição de vocês, tá?!
Nem sempre o Camilo [Santana] vai ter todo o dinheiro que as pessoas precisam. Nem sempre a Nísia [Trindade] vai ter todo o dinheiro para a educação. Muitas vezes o Rui Costa vai dizer não para vocês. Muitas vezes o [Geraldo] Alckmin vai dizer não — mais delicado, mas vai dizer também, tá?! Porque vocês sabem, vocês são governadores, quem tem que dizer não são aqueles que têm um “cadinho” menor do que a gente. A gente só pode dizer sim. Então quando for para dizer sim eu vou falar, quando for para dizer não, é o Alckmin, o Rui Costa e outros, e o Padilha.
Mas eu quero agradecer, porque essa reunião aqui, eu posso contar para vocês, nunca antes na história do país houve uma reunião como essa para se discutir um problema tão grave! Nunca antes, gravem, vocês estão participando da reunião mais importante para discutir violência na escola que já foi feita nesse país. E ela só foi convocada porque eu tomei consciência de que eu não tenho a solução definitiva para o caso, e eu quero compartilhar a sabedoria de vocês, um pouquinho de sabedoria de cada um, e permitir que a gente construa a solução definitiva para esse caso.
Muito obrigado. E nós vamos continuar trabalhando.
Outras reuniões serão convocadas e nós haveremos de, um dia, levar nossos filhos na escola para colocarmos no lugar de extrema segurança.
Obrigado pela presença de todos.