Pronunciamento do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em cerimônia alusiva ao Dia Internacional da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial
Minha querida companheira, mulher, esposa Janja; querida Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial; querido companheiro Rui Costa, ministro chefe da Casa Civil; companheira Margareth Menezes, ministra da Cultura; companheiro Wellington, que já foi embora; Nísia Trindade, ministra da Saúde; companheira Esther Dweck, ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos; companheira Marina Silva, ministra do Meio Ambiente; Paulo Teixeira, ministro do Desenvolvimento Agrário; André de Paula, ministro da Pesca e Agricultura; Cida Gonçalves, ministra da Mulheres; companheiro ministro Silvio de Almeida, ministro dos Direitos Humanos e Cidadania; Márcio Macedo, ministro chefe da Secretaria Geral da Presidência da República; companheiro Messias, que já foi embora; companheiro Vinícius, também já foi embora, que é o controlador-geral da República [ministro da Controladoria-Geral da União]; sua Alteza Ooni de Ifé, soberano da Nação Iorubá, a quem eu agradeço a sua presença no Brasil e a sua presença neste ato, muito obrigado. Embaixadores estrangeiros presentes; minha querida deputada Benedita da Silva, por quem cumprimento todas as senhoras e senhores parlamentares aqui presentes; ex-ministra da Secretaria Especial de Políticas da Promoção da Igualdade Racial... eu não sei se alguns deles estão aqui: a Matilde, o Martvs, o Edson, o Eloi, a saudosa Luiza Helena de Bairros, e a companheira Nilma Lino, que também não está aqui.
Companheiras e companheiros, primeiro eu quero saudar a ministra Anielle Franco e toda a sua equipe, pela excelência do trabalho apresentado. Vocês são o testemunho vivo da importância de haver cada vez mais pessoas negras, em postos chaves do governo, formulando políticas e tomando decisões em nome da maioria da população. O que a ministra Anielle e este governo vão realizar os próximos quatro anos, será o desdobramento lógico de uma caminhada que começou há duas décadas, quando criamos a Seppir (Secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade Racial), em 21 de março de 2003.
A criação da Seppir foi precedida pela sanção, ainda nos primeiros dias do meu primeiro mandato, da Lei número 10.639, proposta pela educadora Esther Grossi. A lei tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira, nas escolas de nível fundamental e médio. É estudando a contribuição cultural, econômica e política dos povos africanos e seus descendentes, que crianças e jovens de todas as etnias aprendem a reconhecer e admirar esse extraordinário legado para o Brasil.
A partir da criação da Seppir, organizamos uma série de ações afirmativas inéditas, em conjunto com outros ministérios e também com estados e municípios... — está difícil meu papel aqui, viu... venha me ajudar Benedita. Finalmente, o Estado começava a resgatar uma das maiores dívidas históricas desse país. Em 2004, lançamos o programa Brasil Quilombola, que hoje volta reforçado com a Quilombola Brasil. Permanecem os princípios da agenda social Quilombola, e surgem novas prioridades, como a construção de um plano nacional de titulação de terras, e a criação de programa de fortalecimento da agricultura familiar e quilombola.
Aqui, eu queria apenas ressaltar que, muitas vezes, a titulação de terra, demora mais do que a gente esperava que pudesse demorar. Eu esses dias... não, há alguns meses atrás... eu fui visitar um quilombo em Contagem (MG). E esse quilombo foi reconhecido por nós, desde 2005, ainda no primeiro mandato presidencial. E eu fui lá em 2022, durante o processo eleitoral, fui fazer uma visita, e eu pensei que ele já estava regularizado. E, lamentavelmente, ainda não estava regularizado, numa demonstração de que demora mais do que a gente precisa.
Em 2007, sancionei a Lei 11.635, que instituiu 21 de janeiro como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. No último Dia dos Reis, sancionei a Lei 14.519, proposta pelo deputado Vicentinho, e hoje comemoramos pela primeira vez, o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações de Candomblé. Avançamos mais alguns passos, com o Plano Nacional de Igualdade Racial e Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, em 2009. Em 2010, instituímos o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial ao regulamentar o Estatuto da Igualdade Racial, aprovado no Congresso Nacional, a partir de uma emenda do projeto Paulo Paim. Aqui é importante, Anielle, lembrar para você que esse Estatuto da Igualdade Racial já estava há 10 anos, há 10 anos, para ser aprovado. E ele não era aprovado, por causa de divergências que existiam entre as várias entidades que representavam o povo negro aqui no Brasil. Quase no final do meu mandato, eu fui participar de uma conferência, e eu disse: olha, vocês têm a chance de aprovar esse estatuto no meu mandato; se não aprovar no meu mandato, pode ser muito difícil aprovar. E, graças a Deus, os companheiros aprovaram, que eu acho que foi um ganho excepcional para o movimento negro brasileiro.
No mesmo ano, criamos a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. O primeiro campus da União da Unilab, foi erguido em Redenção, no Ceará, a primeira cidade do país a abolir a escravidão, em 1883. E é importante lembrar, que nós fizemos a primeira parte da Universidade em Redenção, mas fizemos uma extensão, em São Francisco do Conde, na Bahia — em que a nossa querida reitora morreu de forma precipitada, por causa de uma doença que poderia ter cura, chamada anemia falciforme. Mas era uma das pessoas mais extraordinárias que eu conheci. Quando eu a conheci, Rui, pela primeira vez, eu voltei para São Paulo com a ideia de que, se eu tivesse conhecido aquela mulher com mais antecedência, pela competência que ela tinha, ela teria virado dirigente nacional do Partido dos Trabalhadores; pela competência que eu vi aquela mulher dar uma aula para os seus alunos.
As conquistas prosseguiram com a presidenta Dilma Rousseff. Ela sancionou a lei que reserva vagas em universidades, escolas técnicas federais, para estudantes de escolas públicas e de baixa renda, pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência. Dilma também sancionou a lei que reserva 20% das vagas em concursos federais para pretos e pardos — e agora damos um passo além, com o Programa Nacional de Ações Afirmativas, que reserva para pessoas pretas, pardas e indígenas, 30% dos cargos comissionados e funções comensuradas e executivas, na Administração Pública Federal.
Minhas queridas amigas e meus amigos, sabemos que toda ação do Estado destinada a combater a miséria e a fome no Brasil deve ser antirracista. Esse entendimento guiou a criação da Educação Cidadã, do ProUni, do Fundeb, do Projovem, do Pronaf, do Microcrédito Produtivo, das aquisições de safras da agricultura familiar, do Luz para Todos, e do Minha Casa, Minha Vida (entre tantos outros programas que foram criados). Sabemos ainda que o combate ao racismo não é tarefa do Ministério da Igualdade Racial, mas de toda a Esplanada dos Ministérios e de toda a sociedade brasileira.
Esse é um governo aberto ao diálogo com a sociedade civil, com o movimento negro e com o movimento dos direitos humanos. Reconstruir esse país e criar políticas públicas, cada vez mais inclusivas, é uma tarefa obrigatória e uma obrigação coletiva. Quero também dizer para vocês, não por acaso, que muitas das políticas adotadas nos últimos 20 anos, tomaram forma nas três conferências nacionais de Promoção da Igualdade Racial, que promovemos em 2005, 2009 e 2013. O movimento negro, grande ator da luta pela democracia, finalmente ganhava a voz no Estado brasileiro.
Com as cinco ações de hoje, voltamos a responder concretamente a bandeiras históricas do movimento negro. Há muitos anos, sua liderança sabe que, quanto maior a presença de pessoas negras nos espaços políticos, mais forte o enfrentamento ao racismo no nosso país. Como disse certa vez, uma das principais vozes contra o apartheid, o sul-africano Steve Biko: "o racismo não implica apenas uma exclusão de uma raça por outra ele; ele sempre pressupõe que a exclusão se faz para fins de dominação". Ou seja, combatendo o racismo, combatemos também as raízes históricas da desigualdade, e a própria desigualdade neste país.
Apesar de ocupar o posto de segunda maior nação negra do planeta, o Brasil ainda, ainda não acertou as contas com o passado de 350 anos de escravidão. Apesar de todos os esforços e avanços, este país ainda tem uma imensa dívida histórica a resgatar. Na prática, a Lei Áurea substituiu o confinamento das pessoas negras escravizadas nas senzalas, pelo confinamento nos piores indicadores sociais do nosso planeta. Moradia, emprego, educação, saúde, segurança pública; qualquer que seja o indicador, homens e, principalmente, mulheres negras, são sempre os maiores excluídos.
Mais de um século, após uma abolição que abandonou homens e mulheres e seus filhos à própria sorte, testemunhamos nos últimos quatro anos, uma tentativa de retrocesso ao passado colonial. Por inação ou ação deliberada, as políticas públicas foram desmanteladas. Direitos fundamentais foram sonegados e a fome voltou a assolar o país. A vida foi afrontada pela necropolítica e a democracia foi capturada pelo escárnio e a estupidez. Mas apesar dos retrocessos e ameaças que nós assistimos, tentaram acabar com a Seppir. Mas ela voltou agora na forma do Ministério [da Igualdade] Racial. Voltou ainda mais forte, pronta para abrir caminhos para um futuro igualitário, solidário e próspero. A boa notícia é que não estamos começando do zero.
As políticas inclusivas formaram professores, médicos, engenheiros, empresários, cientistas e tantos outros profissionais negros, que hoje estão prontos para assumir seu lugar na história. É esta a hora de virarmos, definitivamente, a chave da discriminação, do preconceito e da exclusão. O povo negro não será tratado por esse governo apenas como público beneficiário de políticas sociais; mas, como protagonistas de sua própria história.
Chega de limitar os papéis na sociedade que a população afrodescendente pode ou não ocupar. Vocês podem ser o que quiserem; como quiserem e onde quiserem. Cabe ao Estado garantir oportunidades iguais para todos e todas.
Meus amigos e minhas amigas, a crença na capacidade de todos os homens e mulheres, determinarem os rumos dos seus destinos, é o cerne da democracia. E se algum dia não houver mais essa possibilidade, a democracia perde a razão da existência. Muito se falou sobre democracia nesses últimos anos, em que ela esteve efetivamente ameaçada. A verdade, é que nenhum país do mundo será uma verdadeira democracia, enquanto a cor da pele das pessoas determinar oportunidades que elas terão ou não, ao longo da sua vida. Sem cidadania plena, não há democracia plena. Sem equidade de raça e gênero, tão pouco haverá democracia. Direitos, oportunidade de justiça para todas e todos; é essa a verdadeira democracia. O racismo está na raiz das desigualdades.
Por isso, precisam ser combatidos com uma praga na plantação. Só assim teremos colheitas cada vez mais fortes. Pois é com vida abundante que as pessoas conquistam aquilo que sonham. Todo mundo, não importa raça, gênero ou crença, quer apenas ser feliz. Vamos, então, viver juntos e ser felizes e viver em paz.
Queridas companheiras e queridos amigos, eu queria que vocês compreendessem que essa luta ao combate ao racismo no país, do combate às desigualdades, e da equidade de oportunidades, é uma luta que não tem fim. É uma luta que, toda vez que a gente conquistar um milímetro de espaço, a gente vai perceber que precisa conquistar um outro milímetro. O que é importante é que vocês têm conta, que a gente não pode se conformar: ah... porque na Suprema Corte tem um negro! Ah... porque na Suprema Corte tem uma negra! Ah... porque no Ministério da Justiça tem um negro, tem uma negra! Não. A gente não se tem que conformar com o mínimo necessário. Nós precisamos lutar para conquistar o máximo necessário, que o povo negro tenha direito nesse país. É uma luta, igual a que o pobre faz para comer todo santo dia, para ganhar um aumento de salário, igual a mulher faz para ser respeitada todo dia.
Vocês estão percebendo que a gente cria lei, a gente faz decreto, a gente cria lei, mas sempre há um jeito de aumentar a violência contra mulher e, sobretudo, quando a mulher negra. Ela é mais forte. Há mais violência. E como é que a gente vai mudar isso? A gente vai mudando, não aceitando o mínimo necessário. Brigando todo santo dia pelo máximo. Por aquilo que a gente entende que vai ser a solução da nossa causa.
Nós temos mais quatro anos. Hoje é o começo de uma nova conquista. Eu espero que o mês que vem, vocês queiram novas coisas; outro mês novas coisas; ao terminar o mandato, mais coisas; até que um dia, a gente sinta, que a sociedade está, definitivamente, humanizada, solidária, que ela está fraterna e que a gente viva, efetivamente, em igualdade plena entre pretos e brancos, entre pobres e ricos, entre pardos e amarelos. Ou seja, que a gente não tenha nenhum problema de discriminação. Esse é um desejo, é um sonho e é uma luta que a gente tem que fazer.
Por isso, Anielle, eu queria te agradecer, querida. Agora que eu vi que estão aí os meus dois companheiros, ex-ministros. Eu queria dizer para vocês, que valeu a pena a gente fazer a primeira briga para criar a Seppir. Não era uma tarefa fácil, não era uma coisa fácil. A Benedita foi deputada federal; e ela fez um dos discursos mais extraordinários já realizado no Congresso Constituinte, para conquistar direitos elementares para os negros. E de repente, um outro companheiro negro, ao invés de se contentar com o discurso dela, foi fazer um outro discurso e atrapalhou a votação, que a gente estava preste a ganhar, aquela proposta que foi feita.
Eu queria dizer para vocês: lutem! Lutem com todas as forças de vocês. Sem desrespeitar ninguém; mas lutem!
Porque nós haveremos de conseguir conquistar o sonho que todo povo negro deseja, de ser tratado com dignidade, com muito respeito. E, eu diria, com muita igualdade.
Um beijo no coração de vocês e até a próxima vitória, se Deus quiser!