Discurso lido pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante entrega da Ordem do Mérito Científico e retomada do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia
Nesta solenidade, retomamos as reuniões do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia. Convocamos a próxima Conferência Nacional, que deve ter sua etapa final daqui a um ano. Celebramos o Dia do Cientista e do Pesquisador, transcorrido na semana passada. E condecoramos, com a Medalha do Mérito Científico, algumas das mentes mais brilhantes de nosso país.
O real significado desse evento, contudo, vai muito além de atos formais. Estamos reunidos aqui hoje para dizermos, em alto e bom som: chega de obscurantismo. Basta de negacionismo.
Chega de jogar cientistas às fogueiras – não mais aquelas da Idade Média, mas as que a mentira e o discurso de ódio acenderam na Internet e em grupos radicais de nossa sociedade.
Chega de aceitar que cientistas como Adele Benzaken ou Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda terem suas condecorações revogadas. Ela porque se preocupou com a saúde dos homens trans. Ele, porque ousou publicar a verdade: a de a cloroquina não combatia a Covid.
Basta de testemunhar pesquisadores como Ricardo Galvão perdendo seu cargo porque mostrava aquilo que os satélites registravam – e que todos com a mínima honestidade intelectual podiam ver: nos últimos anos, a Amazônia estava sendo degradada a um ritmo cada vez maior.
O Brasil não merece mais ter suas instituições aviltadas a ponto de tanta gente séria da ciência devolver a Ordem do Mérito Científico. Gente que, felizmente, aceitou receber a condecoração de novo hoje. E aceitou porque sabe que a ciência voltou.
Voltou porque temos pesquisadores e pesquisadoras brilhantes e combativos que, apesar das perseguições nos últimos anos, não se deixaram abater. Porque temos organizações da sociedade civil que sabem como e quando lutar.
Voltou porque nossas instituições de pesquisa, apesar de todo o desmonte, de toda a falta de verbas, têm décadas de experiência, credibilidade e excelência. E conseguiram resistir.
Mas não basta a ciência voltar. Precisamos ser incansáveis para que ela siga sempre conosco.
E para que ninguém – nem mesmo quem ainda têm a cabeça na idade das trevas – tente mais uma vez fazer o relógio da história andar para trás.
Minhas amigas e meus amigos,
Somos uma nação muito grande. Temos desafios demais. E não podemos, nunca, acreditar que teremos alguma chance de futuro sem a ciência e os cientistas.
Foi por meio da ciência que conseguimos nossos maiores feitos. Feitos que transcendem a academia e os laboratórios e se fazem presentes na saúde, na indústria, no campo e no dia-a-dia de cada pessoa desse país.
Se temos uma grande produtividade agrícola, isso se deve a décadas de pesquisa nas universidades e na Embrapa.
Se temos tanta energia renovável e biocombustíveis, também precisamos agradecer a quem, por tanto tempo, apostou e desenvolveu esse tipo de tecnologia.
Do mesmo modo, se não fossem nossos institutos de pesquisa, se não tivéssemos uma Fiocruz ou um Butantã, a pandemia da Covid-19 teria sido ainda mais severa com as vidas de nossa população.
A verdade é que a ciência é aliada da vida e do desenvolvimento. E é nesse momento histórico que ele se faz mais necessária para o futuro do Brasil.
O mundo todo vive uma encruzilhada histórica. Ao mesmo tempo em que precisamos combater a fome e a desigualdade, precisamos repensar totalmente as formas de produção que o mundo vem adotando desde os tempos da revolução industrial.
O planeta não aguenta mais a pressão ambiental, o desmatamento e a emissão desenfreada de carbono. E o futuro da humanidade só será garantido a partir de novas ideias, de novas tecnologias, de muito mais ciência.
O Brasil, nesse aspecto, ocupa uma posição privilegiada. Nenhum país do nosso porte conta com uma matriz energética tão limpa e renovável como a nossa.
Ainda estamos longe, muito longe, de aproveitarmos todo o nosso potencial eólico e solar. E, quando pudermos fazer isso, poderemos gerar ainda mais energia limpa – energia que poderá nos tornar, em um horizonte não muito distante, em uma potência mundial do hidrogênio verde.
Para isso, contudo, precisamos de mais pesquisa. De mais tecnologia.
De desenvolvimento de processos e produtos que possam ser feitos em nosso país, gerando empregos e distribuindo riquezas entre nós. Precisamos, enfim, de mais ciência e mais pesquisa.
Temos uma gigantesca biodiversidade. Fomos presenteados pela natureza com tesouros como a Amazônia. E não podemos mais seguir destruindo esses biomas, arrancando suas árvores e prejudicando seus povos em uma sanha predatória.
Precisamos, isto sim, desenvolver meios para aproveitar o seu enorme potencial genético sem causar destruição. Temos que apostar em produtos da sociobiodiversidade. E, novamente, é a ciência e a tecnologia quem nos ajudará a fazer isso.
Precisamos, enfim, voltar a crescer. A gerar empregos em massa e distribuir riqueza entre a população.
E isso passa, sem dúvida alguma, por uma retomada de nossa indústria, mas em novas bases: uma indústria mais limpa, mais intensiva em tecnologia e com baixa emissão de carbono.
É esse o caminho que precisaremos tomar. O caminho da ciência, da pesquisa e da tecnologia. E é ele que tomaremos.
Foi por acreditar nesse caminho que, ainda em fevereiro, reajustamos as bolsas da Capes e do CNPq, que estavam congeladas desde 2013 e irão beneficiar 258 mil estudantes e pesquisadores da graduação.
Por isso também, encaminhamos ao Congresso Nacional em março o Projeto de Lei que recompõe o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o FNDCT. O projeto foi aprovado, e o fundo passou a contar com perto de R$ 10 bilhões de reais.
Por isso também, anunciamos em abril a imediata recomposição dos orçamentos das universidades e dos institutos federais, aportando recursos de 2 bilhões e 440 milhões de reais para o fortalecimento do ensino superior e profissional e tecnológico.
Para além destas e de outras ações, contudo, o que mais importa é que a ciência e a tecnologia voltaram, de fato, a fazer parte da espinha dorsal do estado.
A ministra Luciana Santos e a equipe do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação estão fazendo aquilo que a pasta nunca deveria ter deixado de fazer: dialogando com todas as áreas do governo. Traçando estratégias conjuntas com meio ambiente, agricultura, educação, saúde, indústria e comércio e muitas outras.
Não há como pensarmos em crescer, em retomar a indústria, em produzir mais no campo, se não pensarmos em ciência. Não há como pensar em reduzir as desigualdades sem pensarmos em ciência.
A verdade é que desenvolvimento sustentável e desenvolvimento científico andam de mãos dadas. E, junto com os dois, sempre estarão aqueles que merecem as nossas palmas: vocês, pessoas extraordinárias que fazem ciência e pesquisa em nosso país.
Muito obrigado