Discurso do presidente Lula em Sessão Solene da Assembleia Nacional de Angola
É uma honra falar à Assembleia Nacional de Angola.
Tenho enorme satisfação ao ver uma mulher à frente desta Casa – a Deputada Carolina Cerqueira.
Todos nós, representantes eleitos do povo, devotamos ao Parlamento um respeito profundo.
Isso reflete a nossa mais sincera crença nas virtudes da democracia.
Aqui ecoam as aspirações nacionais.
Aqui se travam os grandes debates sobre o país.
Aqui são encaminhadas as soluções para os problemas que a sociedade deve enfrentar.
É, portanto, motivo de grande alegria saudá-los, em meu nome e de toda a nação brasileira.
Sei que esse também é o espírito que anima os parlamentares brasileiros que me acompanham nesta sessão solene.
A cooperação entre nossos Parlamentos ajudará a estreitar ainda mais as relações bilaterais.
Tal como expressei há pouco ao Presidente João Lourenço, não há como um brasileiro não se sentir em casa nesta terra.
O Brasil vê no continente africano como um todo e em Angola em particular um vizinho próximo. Temos semelhanças e afinidades profundas.
Mais da metade dos 203 milhões de brasileiros se reconhece como afrodescendente.
As matrizes africanas são constitutivas de nossa identidade nacional e de nosso modo de ser.
Vendo o modo de ser caloroso das pessoas aqui, entendemos melhor por que no Brasil viemos a ser o que somos.
Muito já foi dito sobre o que nos une na música, na dança, na capoeira, na gastronomia e no futebol.
Precisamos e podemos ir além desse extraordinário vínculo cultural.
Nossos interesses comuns são mais amplos.
Buscamos o verdadeiro desenvolvimento, que exige combate à pobreza e promoção da inclusão social, educação de qualidade e atenção à saúde de nossas populações.
Interessa-nos, também, o permanente fortalecimento da democracia e dos direitos humanos, dentro de nossos países e na governança global.
Registro aqui nossa gratidão aos nossos amigos angolanos pelo apoio estendido ao Brasil pelo Presidente João Lourenço e seu governo, quando vivemos, em 8 de janeiro deste ano, ataques violentos à sede dos Três Poderes em Brasília.
Recordo, igualmente, que a luta pela liberdade e pelos direitos humanos no Brasil tem como um de seus marcos mais importantes a luta contra a escravidão.
Essa chaga, em nossa história, vitimou milhões de africanos e deixou ao País um nefasto legado de desigualdade social e de preconceito.
Combater esse legado é objetivo primordial de meu Governo.
Por isso, aproveito esta sessão solene para prestar minha homenagem à grande Bernardette Pacífico, líder quilombola que atuou corajosamente pela defesa de sua comunidade na Bahia.
Bernardette foi vítima da intolerância dos que querem calar os mais vulneráveis.
Faço esse registro como reconhecimento a todas as heroínas que lutaram e lutam, muitas vezes anônimas, pela igualdade e pela dignidade humana em nosso país.
O exemplo dessas mulheres inspirou as atuais políticas de promoção da igualdade racial e de gênero, que são centrais no meu Governo.
Senhoras e senhores parlamentares,
Queremos inaugurar uma nova agenda de cooperação com Angola, que também sirva de modelo para outros países.
Temos orgulho de ter contribuído, no passado, com o financiamento de projetos de rodovias, saneamento, abastecimento de água e geração e distribuição de energia elétrica.
O Brasil tem condições de voltar a ser um grande parceiro de Angola em seu desenvolvimento.
Um desenvolvimento fundado no fortalecimento da agricultura e da indústria, no progresso científico e tecnológico, em transição energética e na proteção do meio ambiente e da biodiversidade.
O programa de regiões irrigadas e políticas de apoio à agricultura familiar no Vale do Rio Cunene será um marco dessa nova fase de cooperação bilateral.
Formulada com base em demandas angolanas, a iniciativa fortalecerá o planejamento de recursos hídricos e a organização das cadeias produtivas naquela província.
Ela permitirá transformar as terras irrigadas em fonte de recursos para a segurança alimentar e o desenvolvimento social.
Sabemos que Cunene é a província com mais risco de desertificação. Saúdo o governo angolano pelo sucesso das obras de transposição das águas do rio Cunene, que traz esperança à população desta região.
Outro desafio que precisamos enfrentar juntos é o de encontrar novas fontes de energia, que possam frear os efeitos devastadores da mudança do clima.
O Brasil vem trabalhando em soluções há mais de quatro décadas. Com os biocombustíveis, chegamos a uma opção viável, limpa, relativamente barata e acessível a boa parte dos países do Sul.
A consolidação dos mercados de bioenergia permitirá que a África em breve disponha de nova fonte de recursos para financiar as suas necessidades de desenvolvimento.
Como possuidora de florestas tropicais, Angola é uma aliada natural dos países amazônicos na busca por uma remuneração justa pelos serviços que esses biomas e sua biodiversidade prestam ao mundo.
Angola e Brasil podem aprimorar a qualidade da atenção à saúde de suas populações, atuando em prol da melhoria do acesso a medicamentos, na formação de recursos humanos e na redução da mortalidade materna e infantil.
Bem-estar também depende de prosperidade.
Sinto-me feliz por testemunhar o ressurgimento do nosso intercâmbio econômico e comercial.
Os empresários que acompanham minha visita demonstram grande interesse nas oportunidades de negócios que a economia angolana oferece.
O fluxo comercial entre nossos países voltou a crescer após sete anos de estagnação.
No primeiro semestre de 2023, foi quase 65% maior em relação ao mesmo período de 2022.
Precisamos diversificar nosso comércio, ainda muito concentrado em petróleo e bens primários.
A Câmara de Comércio Brasil-Angola, criada em junho, vai contribuir para isso.
O setor de turismo sustentável também tem enorme potencial de crescimento.
Ressalto, finalmente, nossa cooperação nas questões de Defesa, que envolve desde iniciativas comuns nas áreas tecnológica e industrial até a formação de quadros militares, o intercâmbio de informações sobre questões relevantes de nossas doutrinas de segurança.
Senhoras e senhores,
Brasil e Angola compartilham valores essenciais, como a paz, o direito ao desenvolvimento e a democratização das instâncias decisórias internacionais.
Com os países africanos de língua portuguesa, construímos relações especiais de longa data no âmbito da CPLP.
Vejo com satisfação a retomada da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS) com a recente reunião em Cabo Verde e que contou com ativa participação angolana.
Além de seus objetivos originais, voltados à preservação da paz e da segurança na região, queremos atualizar a iniciativa com novos temas como a proteção do meio ambiente marinho e a cooperação científica e tecnológica.
Num mundo marcado pelos conflitos e pela paralisia dos foros de segurança globais, é muito significativo que a União Africana tenha concedido ao presidente João Lourenço o título de “líder para paz e reconciliação”.
Esse é um justo reconhecimento por seu papel como mediador da crise entre Kinshasa e Kigali.
Por essas tantas credenciais, estendi hoje ao presidente João Lourenço o convite para que Angola participe da próxima Cúpula do G-20 que sediaremos no Rio de Janeiro em novembro de 2024.
Será uma ocasião importante para discutirmos juntos questões como a coordenação econômica e a reforma da governança global.
Caros companheiros e companheiras,
Angola tem no Brasil um parceiro e um amigo.
Temos orgulho de ser o primeiro país do mundo a reconhecer a Angola independente.
Temos orgulho de fazer parte da moderna história deste país.
Uma história rica e vitoriosa, que bem exemplifica a capacidade das nações africanas de assumir o seu próprio destino.
Teremos muitas outras ocasiões para celebrar as conquistas que sinalizam esses novos tempos.
Esta visita a Angola marca o reencontro do Brasil com a África, relança a cooperação bilateral e prepara uma agenda robusta para comemorar, em 2025, nossos 50 anos de relações diplomáticas.
Muito obrigado.