Discurso do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de assinatura de atos que compõem o Programa de Ação na Segurança (PAS)
Companheiros e companheiras.
Esse ato de hoje, ele é o cumprimento de uma peça de campanha política em que a gente dizia que um dos compromissos nossos era o de tentar trazer o país de volta à normalidade. E trazer um país de volta à normalidade, é fazer as coisas funcionarem como elas têm que funcionar. A primeira delas é: harmonia entre os entes federados. O presidente da República não pode se meter a querer governar um país sozinho, sem levar em conta a importância e o papel dos governadores de estado.
Da mesma forma que o presidente da República não pode se meter a governar um país sem levar em conta a existência das prefeituras. Eu sempre digo que a prefeitura, por menor que ela seja, é lá que o cidadão e a cidadã mora, é lá que tá a escola, é lá que tá a farmácia, é lá que tá o posto médico, é lá que tá os grandes problemas das pessoas. Não é no estado ou no Brasil. É na cidade.
Então se a gente quer estabelecer política de segurança para tentar evitar a coisa macabra que aconteceu em Blumenau, em outras escolas do país, é preciso encontrar um jeito de fazer com que as prefeituras participem disso. Aliás, é preciso até encontrar um jeito de dar um papel mais importante para as polícias municipais, que muitas prefeituras podem criar nesse mundo.
Não é de cima pra baixo que se resolve as coisas. Aí só o general dele, só o general do Flávio Dino [Ministro da Justiça e Segurança Pública] é que levantando os braços, resolve. Você não sabe. Quando eu tomei posse em 2003, eu tinha bursite nos dois braços, e eu não conseguia levantar a mão. Se naquele tempo eu tivesse uma batalha, simplesmente, eu teria sido derrotado, porque eu não conseguia levantar o braço para cumprimentar uma pessoa.
Quando o Flávio Dino apresentou esse pacote de decretos, de projetos de leis para ver se a gente tenta restabelecer a questão de segurança, com pouco mais de altivez nesse país, nós estamos, na verdade, construindo um processo de, de experiência, que nem nós sabemos o resultado disso. Porque, muitas vezes, não depende de lei. As leis de proteção da mulher, sabe, elas existem, mas a violência contra a mulher cresce todo santo dia. E o que é mais grave é que, muitas vezes, a violência contra a mulher cresce não é na casa do vizinho, é na casa deles. É dentro de casa que, muitas vezes, acontece a violência.
Eu vi uns dados sobre estupro esses dias, que eu não sei a instituição que fez aqueles dados, qual é a veracidade daqueles dados, mas se eles forem verdade é uma coisa extremamente grave que acontece neste país. E a maioria de estupro entre pessoas de zero a 17 anos, entre mulheres. Ou seja, a maioria acontece dentro de casa. Significa que alguma coisa está errada na nossa estrutura familiar, na nossa formação. Acho que é preciso mais general, como o Moisés, para que a gente possa ir formatando o surgimento de uma nova sociedade, de um novo comportamento. O comportamento de respeito.
Ontem, Flávio Dino, eu fui numa atividade que você não pôde ir, que foi uma homenagem a Santos Dumont. E teve um momento lá da homenagem que o Santos Dumont foi conversar com o pai. E o pai tinha prometido levar o filho, não para estudar, mas para se aperfeiçoar em eletricidade, em mecânica e motor. E num determinado momento, o locutor anuncia que Santos Dumont conseguiu ser o que era por causa da boa estrutura familiar que ele tinha.
Certamente tinha. Mas era uma estrutura familiar poderosa, porque o pai pegou o filho com 18 anos e falou: "Olha, meu filho, você vai pra Paris, sabe, exercitar a sua inteligência e não se importe não, fica quanto tempo você quiser porque eu garanto dinheiro pra você ficar lá." Ah, quisera Deus se a gente pudesse garantir, aqui no Brasil, pelo menos um prato de comida, todo santo dia, pros filhos de milhões e milhões de brasileiros, que, muitas vezes, são presos e são violentados porque entraram numa padaria e roubaram um pãozinho. Porque muitas vezes entraram numa farmácia e pegaram um remédio, que, possivelmente, estivesse precisando. E muitas vezes essas pessoas são presas, ficam meses presos, e muitas vezes não tem advogado, muitas vezes não vai ao juiz, e essas pessoas ficam lá, sem ter ninguém para cuidar deles.
Quando a gente está tentando estabelecer uma nova relação entre o estado e a polícia, a gente tá pensando criar também uma nova polícia.
E, sobretudo, Flávio Dino, quando a função é uma função de carreira, é preciso que a gente entenda que nenhum policial, nenhum, ninguém, ninguém que é carreira de estado, deve favor a presidente da República, governador do estado, porque vocês devem trabalhar pra todas as pessoas que tiverem exercendo o cargo de presidente, o cargo de governador, porque vocês não podem ter partido. Se vocês querem ter partido, tenha no dia da eleição de votar. Mas vocês não podem agir em benefício de um ou de outro porque vocês são carreira de estado. E esse país foi impregnado e que nós precisamos desmontá-lo.
Desmontar colocando mais civilidade nas pessoas, mais civilidade na polícia. Na sociedade civil, precisa aprender a conviver com a polícia como instrumento em defesa dela própria, mas, muitas vezes, o que acontece é que a polícia é tida como adversário. Esse é um processo de educação que cabe ao presidente da República, ao governador do estado, ao prefeito, ao deputado, ao senador. Quantas vezes a gente vê encenação: quando um governador consegue na sua polícia do estado matar um bandido, como nós já vimos, o governador desce até de helicóptero, festejando a morte do bandido. Quando não consegue matar, a culpa é do Governo Federal.
Ah, tentar responsabilizar outras pessoas. Não tem responsável maior. Todos nós somos responsáveis. E o que nós estamos trazendo para o Governo Federal é a responsabilidade pela segurança pública desse país e trabalhando junto com o estado e com os municípios. O Flávio disse bem: nós não queremos ocupar o papel do estado. Quem cuida da polícia estadual é o governador do estado.
O que nós queremos é ser parceiro, é contribuir para que a gente possa, tanto nas cidades como na Amazônia, a gente diminuir a violência nesse país. Quando nós estamos preocupados com a Amazônia, é porque na Amazônia hoje – são quase, quase 5 milhões de quilômetros quadrados de Amazônia, uma coisa de uma imensidão maior do que toda a Europa junto –, é lá que está sendo fomentado o crime organizado, o narcotráfico e tudo que é ilícito.
E aí nós precisamos trabalhar junto com o governador do estado, precisamos redefinir o papel das Forças Armadas, para que todo mundo tenha compromisso e evitar, sabe, que seja nas selvas brasileiras, tão almejada para ser preservada pelo mundo inteiro, que acontece parte da violência, como aconteceu com os índios Yanomami, em Roraima.
A outra coisa é a questão das armas. Olha, uma coisa é um cidadão ter uma arma em casa de proteção, de garantia, porque tem gente que acha que ter arma em casa é uma segurança. Que a tenha. Mas a gente não pode permitir que haja arsenais de armas na mão de pessoas. A gente não pode permitir.
Eu disse ao companheiro Flávio Dino que eu era contra, eu sou contra. Eu já participei de uma campanha do desarmamento nesse país. Recolhemos milhares e milhares de armas. E, a gente não tem nenhuma informação de que essas armas tão sendo vendidas, são pra pessoas decentes, honestas, sabe, que querem só se proteger. Porque a gente não sabe se é o crime organizado que tá tendo acesso à ela, facilitada pelos comportamentos dos governos. É por isso que a gente vai continuar lutando por um país desarmado.
Quem tem que estar bem armado é a polícia brasileira, é as Forças Armadas Brasileiras que têm que estar bem armada. O que nós precisamos baixar é o preço dos livros, é o preço das festas, coisas culturais, que as nossas crianças precisam ter acesso. Então, companheiro Flávio Dino, você com seis meses de governo tá cumprindo uma coisa muito importante da nossa campanha. Você pode se preparar que tem mais coisa para gente cumprir. E um compromisso meu é que esse país será devolvido ao povo brasileiro na normalidade.
As pessoas precisam aprender se respeitar, as pessoas não podem ficar se achincalhando, se xingando, se violentando como a gente tem visto em tudo quanto é lugar desse país. É na torcida de futebol, é na política, é dentro, às vezes, sabe, de Câmara de Vereadores. Aonde é que a gente vai parar? Então hoje, o que está acontecendo aqui é um passo extremamente importante. Não será o primeiro e nem será o último. A gente vai continuar cuidando da sociedade brasileira, como ela imagina que a gente deva cuidar.
Com muita paz, com muita tranquilidade, mas ao mesmo tempo com muita segurança. Esse Brasil, eu tenho certeza que nós vamos construí-lo junto: eu e vocês. Porque, na verdade, vocês podem muito mais do que o presidente da República. Obrigado, companheiro Flávio Dino, por todo o trabalho que você tem feito.
E só, Flávio, dizer para você que eu estou à sua disposição pra tentar conversar com o Congresso Nacional para que, o mais rápido possível, a gente consiga aprovar esses projetos de lei pra dar mais tranquilidade à sociedade.
Um abraço, gente, e boa sorte pra todos nós.