Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em Sessão Solene da Assembleia Nacional de Angola
Carolina Cerqueira, presidente da Assembleia Nacional de Angola; Deputado Américo Cuononoca, primeiro vice- presidente da Assembleia Nacional; deputada Arlete Chimbinda, segunda vice-presidente da Assembleia Nacional; deputado Manuel Dembo, primeiro-secretário da Mesa da Assembleia Nacional; deputada Amélia Ernesto, segunda-secretária da Mesa da Assembleia Nacional, e demais membros da Assembleia Nacional. Embaixador Téte António, ministro das Relações Exteriores de Angola; Fernando Cativa, secretário do presidente da República para os Assuntos Políticos e Parlamentares; embaixador Manuel Eduardo dos Santos Bravo, embaixador de Angola no Brasil; embaixador Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores do Brasil; Nísia Trindade, nossa querida ministra da Saúde; Anielle Franco, nossa querida ministra da Igualdade Racial; Silvio Almeida, nosso ministro de Direitos Humanos; embaixador Rafael Vidal, embaixador do Brasil em Angola.
Deputados e deputadas federais que estão aqui: Carol Dartora, Dandara Tonantzin, Iza Arruda, Jack Rocha, Reginete Bispo, Antonio Brito, Márcio Marinho, Orlando Silva.
Amigos e amigas, senhoras e senhores.
Cada vez que eu entro num parlamento, eu fico pensando que aquele parlamento, ele é o resultado do grau de consciência política do povo no dia da eleição. A gente pode gostar ou não gostar do resultado, mas vocês podem ter certeza que no dia da eleição o povo pensava exatamente a cara daqueles que estão representados aqui.
Não adianta reclamar que um partido fez mais do que o outro. Não adianta reclamar que um partido não recebeu voto. Na verdade, a gente só colhe o que a gente planta. E eu fui deputado, sou presidente da República do Brasil e tenho um parlamento de 513 deputados, e o meu partido tem apenas 70 deputados. Sou presidente de um país que tem um Senado com 81 senadores e meu partido só tem nove senadores.
Poder-se-ia achar que era uma coisa muito negativa, nós temos poucos deputados para 513 deputados, e poucos senadores para 81 senadores, mas foi exatamente aquilo que nós conseguimos plantar e colher no dia das eleições. O fato de nós termos uma diversidade política muito grande no Brasil, e ter disputado as eleições aproximadamente trinta e poucos partidos, e 17 partidos terem eleito pessoas, exige que o Poder Executivo tenha uma capacidade muito grande de fazer e costurar alianças políticas.
E é importante que quem esteja no Executivo compreenda que nenhum deputado é obrigado a votar em uma coisa que o governo fez porque foi o governo que fez. É importante que a gente tenha humildade de compreender que ninguém é obrigado a concordar conosco se nós não tivermos capacidade de convencer as pessoas de que aquilo é importante para o povo do país.
É o exercício da democracia durante 24 horas por dia, não tem tempo de respirar, e não tem tempo de descansar. Toda hora, a todo momento, de domingo a domingo, você tem que conversar com pessoas que você não gosta, com pessoas que não gostam de você, mas que a gente aprende a dialogar, porque essa superação da relação entre seres humanos é que permite que a democracia seja uma coisa tão extraordinária, que permitiu que no meu país um torneiro mecânico chegasse à presidência da República.
É uma honra falar à Assembleia Nacional de Angola, tenho enorme satisfação ao ver uma mulher à frente dessa casa, a deputada Carolina Cerqueira. Todos nós, representantes eleitos pelo povo, devotamos ao parlamento um respeito profundo. Isso reflete a nossa mais sincera crença nas virtudes da democracia.
Aqui ecoam as aspirações nacionais. Aqui se tratam os grandes debates sobre o país, aqui são encaminhadas as soluções para os problemas que a sociedade deve enfrentar. É, portanto, motivo de grande alegria saudá-los, em meu nome e em nome de todo o povo brasileiro.
Sei que este também é o espírito que anima os parlamentares brasileiros que me acompanham nessa sessão solene. Eu queria fazer um parêntese pra dizer pra vocês que, possivelmente, cada deputado que está comigo aqui tem nessa visita de Angola a visita mais importante que eles já fizeram a um país.
A cooperação entre nossos Parlamentos ajudará a estreitar ainda mais as relações bilaterais.
Tal como expressei há pouco ao Presidente João Lourenço, não há como um brasileiro não se sentir em casa nesta terra.
O Brasil vê no continente africano como um todo e em Angola em particular um vizinho próximo. Temos semelhanças e afinidades profundas e somos unidos por um rio chamado Atlântico.
Mais da metade dos 203 milhões de brasileiros se reconhece como afrodescendente .
As matrizes africanas são constitutivas de nossa identidade nacional e de nosso modo de ser.
Vendo o modo de ser caloroso das pessoas aqui, entendemos melhor por que no Brasil viemos a ser o que somos.
Muito já foi dito sobre o que nos une na música, na dança, na capoeira, na gastronomia e no futebol.
Precisamos e podemos ir além desse extraordinário vínculo cultural.
Nossos interesses comuns são muito mais amplos.
Buscamos o verdadeiro desenvolvimento, que exige combate à pobreza e promoção da inclusão social, educação de qualidade e atenção à saúde de nossas populações.
Interessa-nos, também, o permanente fortalecimento da democracia e dos direitos humanos, dentro de nossos países e na governança global.
Registro aqui nossa gratidão aos nossos amigos angolanos pelo apoio estendido ao Brasil pelo Presidente João Lourenço e seu governo, quando vivemos, em 8 de janeiro deste ano, a tentativa de um golpe à sede dos Três Poderes, dado pelo ex-presidente da República.
Recordo, igualmente, que a luta pela liberdade e pelos direitos humanos no Brasil tem como um de seus marcos mais importantes a luta contra a escravidão.
Essa chaga, em nossa história, vitimou milhões de africanos e deixou ao País um nefasto legado de desigualdade social e de preconceito.
Combater esse legado é objetivo primordial de meu Governo.
Por isso, aproveito esta sessão solene para prestar minha homenagem à grande Bernardette Pacífico, líder quilombola que atuou corajosamente pela defesa de sua comunidade na Bahia. Bernardette foi vítima da intolerância dos que querem calar os mais vulneráveis.
Faço esse registro como reconhecimento a todas as heroínas que lutaram e lutam, muitas vezes anônimas, pela igualdade e pela dignidade humana em nosso país.
O exemplo dessas mulheres inspirou as atuais políticas de promoção da igualdade racial e de gênero, que são centrais no meu Governo.
Queridas deputadas e queridos deputados,
Queremos inaugurar uma nova agenda de cooperação com Angola, que também sirva de modelo para outros países.
Temos orgulho de ter contribuído, no passado, com o financiamento de projetos de rodovias, saneamento, abastecimento de água e geração e distribuição de energia elétrica.
O Brasil tem condições de voltar a ser um grande parceiro de Angola em seu desenvolvimento. Um desenvolvimento fundado no fortalecimento da agricultura e da indústria, no progresso científico e tecnológico, em transição energética e na proteção do meio ambiente e da biodiversidade.
O programa de regiões irrigadas e políticas de apoio à agricultura familiar no Vale do Rio Cunene será um marco dessa nova fase de cooperação bilateral. Formulada com base em demandas angolanas, a iniciativa fortalecerá o planejamento de recursos hídricos e a organização das cadeias produtivas naquela província.
Ela permitirá transformar as terras irrigadas em fonte de recursos para a segurança alimentar e o desenvolvimento social. Sabemos que Cunene é a província com mais risco de desertificação. Saúdo o governo angolano pelo sucesso das obras de transposição das águas do rio Cunene, que traz esperança à população desta região.
Outro desafio que precisamos enfrentar juntos é o de encontrar novas fontes de energia, que possam frear os efeitos devastadores da mudança do clima.
O Brasil vem trabalhando em soluções há mais de quatro décadas. Com os biocombustíveis, chegamos a uma opção viável, limpa, relativamente barata e acessível a boa parte dos países do Sul.
A consolidação dos mercados de bioenergia permitirá que a África em breve disponha de nova fonte de recursos para financiar as suas necessidades de desenvolvimento.
Como possuidora de florestas tropicais, Angola é uma aliada natural dos países amazônicos na busca de uma remuneração justa pelos serviços que esses biomas e sua biodiversidade prestam ao mundo.
Angola e Brasil podem aprimorar a qualidade da atenção à saúde de suas populações, atuando em prol da melhoria do acesso a medicamentos, na formação de recursos humanos e na redução da mortalidade materna e infantil.
Bem-estar também depende de prosperidade.
Sinto-me feliz por testemunhar o ressurgimento do nosso intercâmbio econômico e comercial. Os empresários que acompanham minha visita demonstram grande interesse nas oportunidades de negócios que a economia angolana oferece. O fluxo comercial entre nossos países voltou a crescer após sete anos de estagnação. No primeiro semestre de 2023, foi quase 65% maior em relação ao mesmo período de 2022.
Precisamos diversificar nosso comércio, ainda muito concentrado em petróleo e bens primários. A Câmara de Comércio Brasil-Angola, criada em junho, vai contribuir muito para que isso aconteça. O setor de turismo sustentável também tem enorme potencial de crescimento.
Ressalto, finalmente, nossa cooperação nas questões de Defesa, que envolve desde iniciativas comuns nas áreas tecnológica e industrial até a formação de quadros militares e o intercâmbio de informações sobre questões relevantes de nossas doutrinas de segurança.
Senhoras e senhores, deputados e deputadas,
Brasil e Angola compartilham valores essenciais, como a paz, o direito ao desenvolvimento e a democratização das instâncias decisórias internacionais.
Com os países africanos de língua portuguesa, construímos relações especiais de longa data no âmbito da CPLP.
Vejo com satisfação a retomada da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS) com a recente reunião em Cabo Verde e que contou com ativa participação angolana.
Além de seus objetivos originais, voltados à preservação da paz e da segurança na região, queremos atualizar a iniciativa com novos temas como a proteção do meio ambiente marinho e a cooperação científica e tecnológica.
Num mundo marcado pelos conflitos e pela paralisia dos foros de segurança globais, é muito significativo que a União Africana tenha concedido ao presidente João Lourenço o título de “líder para paz e reconciliação”.
Esse é um justo reconhecimento por seu papel como mediador da crise entre Kinshasa e Kigali.
Por essas tantas credenciais, estendi hoje ao presidente João Lourenço o convite para que Angola participe da próxima Cúpula do G-20 que sediaremos no Rio de Janeiro em novembro de 2024.
Será uma ocasião muito importante para discutirmos juntos questões como a coordenação econômica e a reforma da governança global.
Caros companheiros e companheiras,
Angola tem no Brasil um parceiro e um amigo.
Temos orgulho de ser o primeiro país do mundo a reconhecer a Angola independente.
Temos orgulho de fazer parte da moderna história deste país. Uma história rica e vitoriosa, que bem explica a capacidade das nações africanas de assumir o seu próprio destino. Teremos muitas outras ocasiões para celebrar as conquistas que sinalizam esses novos tempos.
Esta visita a Angola marca o reencontro do Brasil com a África, relança a cooperação bilateral e prepara uma agenda robusta para comemorar, em 2025, nossos 50 anos de relações diplomáticas.
Companheiros e companheiras, deputados e companheira presidente da Assembleia Nacional,
Eu, quando comecei a falar, eu estava pensando que eu não ia ler um documento. Eu ia tentar falar com o meu coração pra falar aquilo que realmente eu sinto de estar aqui agora.
Nos meus dois primeiros mandatos, eu fiz do continente africano o continente da minha preocupação. Cheguei a visitar 34 países. Chegamos a fazer com que países tivessem universidades com ajuda do Brasil, fábrica de remédios retrovirais, trazer indústria de tecnologia agrícola pra cá. Nos últimos sete anos, o Brasil andou para trás. Durante sete anos, os presidentes não tiveram nem coragem de vir ao continente africano.
E eu resolvi, nessa visita a Angola, dizer ao continente africano que o Brasil está de volta à África. Queria terminar dizendo pra vocês que ouvindo esse conjunto cantar – e a presidenta me explicou a origem da música –, dizer para vocês uma coisa: o homem e uma mulher, ele pode voar nas alturas que ele quiser, ele não precisa de avião, ele não precisa de foguete, ele precisa apenas construir uma causa, e essa causa ser a razão da sua existência.
E eu acho que tanto vocês quanto nós brasileiros temos uma causa que não pode permitir que a gente fracasse. Essa causa é a construção da liberdade, que vocês sabem o quanto foi difícil conseguir. Essa causa é a democracia. E vocês sabem e a gente aprende todo santo dia como é bom ter inteligência, como é bom não ter gente só dizendo amém pra nós, como é bom, de vez em quando, ter gente que não concorda conosco, que tem outra religião, que tem outro time de futebol, que gosta de outro tipo de música. Que bom que o mundo não é igual e nos ensina a viver com as nossas diferenças. Isso é democracia.
E nós sabemos que tem uma causa maior: a luta contra a desigualdade. Não é possível que 1% da humanidade tenha mais riqueza do que os 50% mais pobres. Não é possível que o mundo que produz alimento suficiente pra sustentar todos os seres vivos do planeta tenha 735 mil pessoas que vão dormir toda noite sem ter o que comer. Não é possível desigualdade de gênero, não é possível a desigualdade de raça, não é possível a desigualdade na educação, não é possível a desigualdade de que um pode comer tudo o que quiser e o outro passa dias sem ter o que comer. Não é possível a desigualdade da oportunidade.
E só tem uma coisa que vai fazer a gente vencer a desigualdade, é a gente conseguir indignar aquele que pode ajudar aquele que não pode. É estender a mão para aquele que não pode, para a gente poder construir o mundo que todos sonhamos. E se a gente estabelecer essa causa, a gente estabelece a motivação, e aí o céu é o limite. Nós vamos voar aonde nós quisermos ir. Parabéns ao parlamento angolano, parabéns presidenta e muito obrigada pelo carinho da recepção que vocês deram a minha delegação.