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PGFN na mídia: União cobra 17 bi de empresas sonegadoras do setor do cigarro
PGFN na mídia: União cobra 17 bi de empresas sonegadoras do setor do cigarro
Depois de seis anos interrompido por pedido de vista, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode retomar nesta quarta-feira (30/11) um julgamento que coloca em xeque uma lei com potencial de excluir do mercado fabricantes de cigarros inadimplentes com a Receita Federal. Indústrias tabagistas estão em lados opostos no litígio bilionário, em que se alega, por um lado, concorrência desleal e, de outro, sanção política para forçar o pagamento de tributos.
De acordo com a Fazenda Nacional, 13 indústrias foram fechadas nos últimos anos por não pagar impostos de forma reiterada. Juntas, elas devem R$ 17,3 bilhões. Com uma carga tributária de cerca de 70% sobre o maço de cigarro, empresas em dia com o Fisco argumentam que a sonegação fiscal é utilizada por concorrentes como estratégia comercial para derrubar o preço do produto. Desde junho, as empresas são obrigadas pela legislação a cobrar, no mínimo, R$ 5 pelo maço.
Em 2013, o Supremo determinou o cancelamento do registro especial da nona maior devedora da União, a American Virginia Indústria Comércio Importação. Segundo a Receita, a empresa deve mais de R$ 4 bilhões aos cofres públicos. Agora, no julgamento da ADI 3952, os ministros vão resolver a questão para todos os contribuintes.
“Depois da decisão do STF percebemos um movimento de saída dos fabricantes devedores contumazes para o Paraguai, por onde se tenta importar para o Brasil produtos falsificados via contrabando”, afirma o procurador-geral adjunto Claudio Seefelder, que chefia a representação da Fazenda Nacional no contencioso.
Apesar de envolver apenas os fabricantes de cigarros, o julgamento da ADI 3952 será um leading case para os setores de combustíveis e bebidas, em que também se exige registro especial para operar.
Requisitos
A partir do voto-vista da ministra Cármen Lúcia, os ministros do Supremo vão bater o martelo sobre a constitucionalidade do inciso II do artigo 2ª do Decreto-Lei 1.593, de 1977. A norma autoriza a Receita Federal a cancelar o registro especial de fabricantes de cigarros que não pagam tributos ou descumprem obrigações acessórias, como entrega de declarações.
Na prática, a ausência de registro especial impede as fábricas de funcionarem.
No início do julgamento, em outubro de 2010, o relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, condicionou o cancelamento do registro especial ao atendimento de três requisitos: a relevância do valor do débito e o devido processo legal para que a empresa possa recorrer da punição e também da cobrança dos impostos (Leia a íntegra do voto abaixo).
Em 2001, o governo alterou o decreto de 77 por meio da Medida Provisória 2152-35. Com isso, passou a prever que os fabricantes sejam intimados de sua situação fiscal e possam recorrer do cancelamento do registro especial.
Caso prevaleça a interpretação do ministro Joaquim Barbosa, especialistas afirmam que o Judiciário continuará analisando o caso a caso.
Sanção ou regulação?
O Supremo tem jurisprudência consolidada que impede a restrição de atividade empresarial como forma de forçar o pagamento de tributos pelo contribuinte. As Súmulas 70, 323 e 547, por exemplo, vedam a chamada sanção política. Mas a Fazenda Nacional tem defendido que, neste caso, o principio da livre iniciativa pode ser limitado por outros interesses sociais.
“O registro especial é condição para que se tolere a atividade econômica danosa à saúde pública, e adequada e necessária aos imperativos de saúde pública, defesa do consumidor, livre iniciativa e concorrência leal”, afirma Seefelder.
Para a advogada Ana Tereza Basílio, do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), “a grande importância do julgamento é relativizar a jurisprudência do Supremo que veda a restrição de direitos dos contribuintes para o pagamento de tributos”.
Basílio argumenta que além de impactar os cofres públicos, o não pagamento de impostos de forma reiterada vai contra a função extrafiscal da tributação. No caso dos cigarros, a alta carga tributária visa reduzir o consumo do produto e financiar a saúde pública.
Precedente
Em 2013, o Supremo chancelou o cancelamento do registro especial ao julgar o caso da fabricante de cigarros mais inadimplente do país (RE 550.769). Na ocasião, a maioria dos ministros seguiu o voto do relator, ministro Joaquim Barbosa, que reforçou sua posição sobre a constitucionalidade da cassação do registro especial, desde que observados os três requisitos.
“A meu juízo, o entendimento no sentido da inconstitucionalidade das sanções políticas não contempla o desrespeito reiterado à legislação tributária”, afirmou o ministro Ricardo Lewandowski.
Os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello ficaram vencidos. Entenderam que o fechamento da empresa seria uma espécie de sanção política.
“Trata-se de medida desproporcional e em frontal descompasso com os princípios constitucionais da livre iniciativa e do devido processo legal”, afirmou o ministro Gilmar Mendes, acrescentando que os efeitos da sonegação na concorrência não justificariam a medida.
A ministra Cármen Lúcia, que profere o voto-vista nesta quarta-feira, não participou do julgamento da American Virginia. Mas, ao pedir vista na ADI 3952, afirmou que dar interpretação conforme a Constituição em cada caso concreto “seria entregar ao administrador fazendário a aplicação da Constituição ou não”.
O Supremo ganhou dois novos integrantes de 2013 para cá: os ministros Roberto Barroso e Edson Fachin, que não votará no julgamento da ADI por ter substituído o relator, Joaquim Barbosa. O ministro Dias Toffoli está impedido no caso, e também não vai se manifestar.
Voto do ministro aposentado Joaquim Barbosa, na ADI 3952:
Preliminarmente observo que a presente ação direta reúne os requisitos para ser conhecida. A norma impugnada está baseada em redação dada por lei publicada já sob a vigência da constituição de 1988 de modo que a hipótese versada não se refere a recepção ou não de norma criada sob égide de constituição pretérita. A violação constitucional é atual e contemporânea segundo se alega ademais a circunstância de eventual declaração de inconstitucionalidade da norma revigorar texto constitucional potencialmente inquinado de vicio semelhante não impede o conhecimento dessa ação direta. Se for declarada inconstitucional a norma, o texto que voltaria a viger seria o que foi publicado ao tempo da constituição de 1967 emendada em 69. Descabe frustrar o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade uma vez que tal entendimento efetivamente impediria que a corte conhecesse de vícios atuais e contemporâneos em relação a qualquer norma cujo texto primitivo remetesse a constituições passadas. Passo a questão de fundo. Na sessão de 07 de maio de 2008 quando teve inicio o julgamento do RE 550769 eu propus a corte a adoção de um teste de três estágios para identificação de dada restrição a atividade empresarial como sanção política tributária. Os três estágios são baseados na tensão que se coloca entre o direito fundamental ao exercício de atividade profissional ou econômica licita reforçado pela garantia de acesso aos mecanismos de controle da validade do crédito tributário que se deve dar ao administrado e ao jurisdicionado e o dever fundamental de pagar tributos aplicado tanto como salvaguarda da garantia livre concorrência e iniciativa como instrumento de arrecadação de recursos essenciais a atividade estatal. Em primeiro lugar é necessário verificar o montante total dos créditos tributários exigíveis e não pagos pelo contribuinte. A restrição a atividade empresarial será considerada sanção política vedada pela constituição se o montante for irrelevante. De forma absoluta ou proporcional ao porte das atividades desenvolvidas pelo sujeito passivo. O segundo estágio consiste na verificação do atendimento do devido processo legal aplicado ao controle da validade da punição. O terceiro estágio corresponderia a verificação do atendimento do devido processo legal aplicado ao controle da validade dos créditos tributários cujo não pagamento implica a proibição para funcionar ou outra restrição equivalente. Entendo que o enfrentamento da questão fora da racionalidade do tudo ou nada, ou seja, inconstitucionalidade ou constitucionalidade da norma, se justifica em razão do potencial alcance que a decisão da corte terá para orientar a conduta do fisco e do sujeito passivo na matéria. Embora relevante o ramo de atividade do contribuinte não me parece determinante para calibrar o rigor da restrição. Independentemente do potencial lesivo da exploração econômica expressamente confessada pela união e pelos amicus curiae instituto Etco no caso da fabricação e comercialização de cigarros é inequívoco que todo jurisdicionado goza do direito de petição ao estado para defesa de seus interesses, este direito não pode ser amesquinhado de modo a inverter a racionalidade imanente ao juízo jurisdicional. Dito de outro modo, não se pode aplicar a penalidade antes do exame das condições que a autorizam. Na esfera penal, ainda que tributária em que pese a gravidade e o caráter odioso de uma hipotética transgressão criminosa, nunca se cogitou de abreviar os instrumentos de defesa que a constituição e a legislação infraconstitucional asseguram aos réus. A questão sob exame não se limita a indústria do tabaco. Reportagem publicada em 10 de setembro de 2009 pelo jornal Valor Econômico, registra que a Fazenda Nacional pretende utiliar o precedente que será firmado pela Corte também para o setor de bebidas, produtos igualmente considerados de alta nocividade. Ainda segundo a notícia publicada as pequenas empresas que atuam na área também contestam o modelo de tributação pelo IPI. Além da nocividade do produto fabricado há outros fundamentos que poderão estender o entendimento a situação vivenciadas pelos sujeitos passivos dos demais tributos com maior ou menor intensidade mas sempre de grande importância a tributação se traduz como custo de qualquer negócio como sabemos. A inadimplência contumaz marcada ou não pela sonegação desequilibra artificial e ilicitamente as condições de livre concorrência independentemente de quaisquer considerações sobre a função extrafiscal do tributo nas áreas de saúde ou vigilância. Segundo a racionalidade que elege a proteção da concorrência como fundamento a restrição posta ao funcionamento de empresa que se ilustra pela inadimplência contumaz sem razão relevante para tanto aplica-se potencialmente a qualquer atividade em que a carga tributária seja relevante para a formação dos custos da empresa, ou seja, quase a totalidade das atividades econômicas atuais. A partir desse ponto, relembro os fundamentos do voto que proferi no RE 550.769 devidamente adaptado para a realidade do controle abstrato. Examino o art. 2, II do Decreto Lei 1593, o art. 2, II tem a seguinte redação: Art. 2º o registro especial poderá ser cancelado a qualquer tempo pelo Secretário da Receita Federal se após a sua concessão ocorrer um dos seguintes fatos: II – não cumprimento de obrigação tributária principal, ou acessória, relativa a tributo ou contribuição administrada pela Secretaria da Receita Federal. Esta redação ao Decreto Lei, foi dada pelo Decreto Lei 1822 de 1999. A primeira leitura da norma impugnada traz alguma perplexidade que pode ser expressa em três pontos: em primeiro lugar é inequívoco que a norma em exame pode levar a proibição do exercício de atividade econômica pois a concessão do registro especial é condição necessária para a fabricação e a importação de cigarro. Tal proibição tem por hipótese o não cumprimento de obrigação tributária principal ou acessória relativo a tributo ou contribuição e portanto, a estrutura da norma se assemelha ao arquétipo que convencionou chamar de sanção política. Ademais, noto que o art. 2, II do Decreto Lei não traz expressamente qualquer parâmetro para mensuração do montante do crédito tributário não pago ou da gravidade do descumprimento de obrigação acessória, que são pressupostos da permissão para cancelamento do registro especial. A redação do mesmo dispositivo anterior a lei de 1999, ainda que ambígua referia-se à “inidoneidade manifesta ou descumprimento reiterado de obrigação tributária principal, isto é, critérios mais proporcionais e razoáveis ao exame do empreendimento como estrutura voltada ao contumaz e infundado inadimplemento tributário”. No plano puramente semântico é forçoso reconhecer que o texto em questão admite interpretação apressada que permitiria a proibição do exercício de atividade econômica em razão da existência de créditos tributários não pagos em quantia ínfima ou não expressiva em razão da ausência de um mecanismo de calibração interno da gravidade da hipótese que leva ao fechamento do estabelecimento industrial o interprete é forçado a buscar tal salvaguarda em outros elementos do sistema constitucional. Por fim, a ausência do mecanismo de calibração também se faz sentir em seu aspecto analítico, isto é, em relação ao direito fundamental ao devido processo legal de controle da validade dos créditos tributários que se tem por inadimplidos. Com efeito, o fechamento do estabelecimento industrial ou comercial pode interromper abruptamente eventual controle da constitucionalidade ou da legalidade dos créditos tributários cujo não pagamento justifica, segundo a norma, o cancelamento do registro especial. O risco ao custo regular do processo de controle da validade dos créditos tributários se torna mais visível quando o inciso II é comparado ao inciso III, ambos do art. 2º, II do Decreto Lei: Art. 2º o registro especial poderá ser cancelado a qualquer tempo pelo Secretário da Receita Federal se após a sua concessão ocorrer um dos seguintes fatos: III – pratica de conluio ou fraude como definidos na Lei 4502 de 1964 ou de crime contra a ordem tributária previsto na lei 8137 de 1990 ou de qualquer outra infração cuja tipificação decorra do descumprimento de normas reguladoras da produção, importação e comercialização de cigarros e outros derivados de tabaco após decisão transitada em julgado. Como se vê, o cancelamento do registro especial em função de grave circunstancias criminais pressupõe o transito em julgado de decisão que as reconheça. Em sentido diverso, o cancelamento do registro em função de mero inadimplemento não ponderado expressamente pelo texto legal permite que se proíba o exercício da atividade econômica antes que se conclua o controle do ato administrativo ou do advento da decisão judicial que venha a confirmar as circunstâncias autorizadoras do fechamento do estabelecimento. Ademais, entendo que um outro aspecto que recomenda um exame mais detido da questão, segundo registro feito por Antonio Rezende durante o seminário “aspectos jurídicos e econômicos da sonegação fiscal com base em dados da CPI da Pirataria 14 fabricantes de cigarro no país e apenas 2 recolhem os tributos, são empresas grandes que faturam mais de R$100.000.000,00 (cem milhões de reais) por ano, segundo o mesmo palestrante “ há hoje, em tese, um total administrável de 32 ações, sendo 4 com relação ao IPI, específico de fabricantes, 2 de IPI específicos de distribuidores, 20 sobre selo de controle e 5 de registro especial”. A questão relativa a validade da tributação das operações de industrialização de cigarros calculada com base em termos fixos foi abordada no mesmo evento por Alberto Xavier, enquanto o professor português conclui pela constitucionalidade do regime, o sindicato dos trabalhadores da indústria do fumo sugere em informativo rotulado como memorial a ação cautelar 1657 que o decreto 30070 de 99 estabelecesse situação não isonômica entre os produtores nacionais e os produtores multinacionais de cigarros como alias, foi dito na tribuna aqui ontem, o Supremo Tribunal Federal possui uma venerável linha de precedentes que considera invalidas as sanções políticas, entende-se por sanção política as restrições não razoáveis ou desproporcionais ao exercício de atividade econômica ou profissional lícita utilizadas como forma de indução ou coação ao pagamento de tributos. Como se depreende do perfil conceitual apresentado e da jurisprudência da Corte, as sanções políticas não se limitam a um único semblante mas podem assumir uma série de formatos, a interdição de estabelecimentos, a proibição total do exercício de atividade profissional são apenas os exemplos mais contidos. Um dos exemplos mais determinantes a orientação firmada pela corte consiste no risco posto pelas sanções políticas ao exercício do direito fundamental ao controle administrativo ou judicial da validade dos créditos tributários, como se vê desde logo no recurso em mandado de segurança número 9698, Relator Ministro Henrique D’avilla, publicado na RTJ 24/21 do qual transcrevo a ementa e o seguinte trecho do voto do Ministro Pedro Chaves:
“EMENTA: não é lícito ao fisco interditar estabelecimentos comerciais com o propósito de os compelir ao pagamento de impostos ou multas os contribuintes tem o direito de impugnar a legitimidade dos débitos fiscais quando convocados pelos meios regulados a satisfazê-los. Recurso de Mandado de Segurança. Seu provimento.
Ministro Pedro Chaves: Sr. Presidente, o Fisco já goza de muitos favores e privilégios de ordem processual e de ordem legal, cobra seus créditos mediante certidão de inscrição do lançamento, inicia pela penhora e ainda pretende mais, pretende evitar, inconstitucionalmente que a parte se defenda em Juízo ameaçando de fechar o estabelecimento, eu não posso deixar de acompanhar o eminente Sr. Ministro Relator e conceder a segurança.”
Pondero, digo eu, que o acesso aos mecanismos asseguradores do devido processo legal é o direito fundamental mais suscetível de ser amesquinhado pela aplicação de uma sanção política. Sanção política coloca desafios de duas ordens ao controle da restrição, a primeira ordem de desafios se refere ao controle de constitucionalidade da própria restrição como as restrições ao controle do exercício profissional e a atividade econômica pode compreender a própria existência da empresa ou o desempenho empresarial, a sanção política pode por um fim abrupto ao processo administrativo ou judicial de controle da validade da própria sanção política. Não é difícil conceber que é uma empresa acossada pelo risco de fechamento opte por se submeter a exigência que asseguraria o seu funcionamento dado o caráter capital da pena aplicável. Ademais, ainda que o contribuinte opte por insistir no exame da validade da norma que fundamentou o fechamento de seu estabelecimento é inequívoco que a interrupção das atividades econômicas coloca um óbice pragmático relevante a manutenção do processo administrativo ou judicial que tenha por objetivo examinar a validade da sanção. Na segunda ordem de desafios, a sanção política desestimula pelo mesmo modo o controle da validade da constituição de créditos tributários. A interdição de estabelecimentos ou submissão do contribuinte a regime mais gravoso de apuração tributária pode impedir a discussão administrativa ou judicial sobre matéria tributária pois é incontestável que uma empresa fechada terá menos recursos para manter um processo administrativo ou judicial. Noutras palavras, a sanção política viola o direito de acesso ao Estado, seja no exercício de funções administrativas ou judicial para que examine tanto a aplicação da penalidade como a validade do tributo. A sanção política também viola o devido processo legal substantivo na medida em que implica o abandono dos mecanismos previstos no sistema jurídico para apuração e cobrança de créditos tributários em favor de instrumentos oblíquos de coação e indução. Esse aspecto foi registrado pelo eminente Ministro Celso de Mello em voto vogal proferido nos autos do RE 413782, no qual Vossa Excelência disse o seguinte: “a circunstância de não se revelarem absolutos os direitos e garantias individuais proclamados no texto constitucional não significa que a administração tributária possa frustrar o exercício da atividade empresarial ou profissional do contribuinte, impondo-lhe exigências gravosas que não obstante as prerrogativas extraordinárias que garantem o crédito tributário visem em última instância a constranger o devedor a satisfazer débitos fiscais que sobre ele incidam. O fato irrecusável, disse o Ministro Celso de Mello, nesta matéria, como já evidenciado pela própria jurisprudência dessa Suprema Corte é que o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária para, em função deles, e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional, constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso”. A orientação firmada pela Corte também invoca o direito fundamental ao exercício profissional e de atividade econômica licita e rexaca a aplicação de sanções políticas tributárias independentemente da forma que as restrições possam tomar. Com efeito, por ocasião do julgamento do RE 413782 Relator Ministro Marco Aurélio, este plenário julgou inconstitucional regime de apuração do ICMS que submetia a companhia Varig a emissão negócio de nota fiscal avulsa, a restrição era aplicada pois aquele contribuinte possuía débitos perante a Fazenda do Rio Grande do Sul cuja exigibilidade não estava suspensa. Como se lê no voto do eminente Ministro Relator Marco Aurélio, a obrigação para que fosse extraída uma nota a cada negócio praticado pela empresa inviabilizava a dinâmica própria a atividade econômica desenvolvida pela empresa. Já no RE 434987, Vossa Excelência Sr. Presidente examinou situação na qual a autoridade fiscal exigia que os débitos tributários fossem garantidos como condição para que lhe fosse permitida a impressão de documentos fiscais. Vossa Excelência deu provimento ao Recurso Extraordinário para determinar que o Fisco autorizasse a impressão de documentos fiscais independentemente da prestação de garantia na linha do que ficara decidido no RE 115452, embargos de divergência, Relator Ministro Carlos Vellozo. O entendimento já consolidado no âmbito Supremo Tribunal Federal também pode ser recuperado da orientação enunciada nas Súmulas 70, 232, 547, que cito em meu voto. A orientação firmada pela Corte tem se mantido constante como se extrai da leitura de outros precedentes tais como o RE 42461 Relator Ministro Sepulveda Pertence, 414714 Relator Ministro Joaquim Barbosa e 409.958 Relator Ministro Gilmar Mendes. Em suma, a Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional à sanções políticas invocando para tanto o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas a violação do devido processo legal substantivo, ou seja, quando a falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõe a substituir mecanismos de cobrança de créditos tributários e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do executivo e do judiciário, tanto para controle da validade dos créditos cuja a inadimplência pretensamente justificaria a penalidade quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada por este Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito a legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições a prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que tem na inadimplência tributária sistemática e consciente a sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não razoável. Examinando a validade do Decreto Lei 1593 Tércio Sampaio Ferraz Junior e Humberto Avilla se posicionaram pela validade da norma que impõe a cassação do registro especial optando por abordar a questão a partir do impacto que a pré ordenada e desleal inadimplência tributária tem na livre concorrência, concluem esses autores que o Decreto Lei 1593 está em harmonia com os princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório. Humberto Avilla, vincula a validade da restrição: “ comprovação de substancial reiterado e injustificado descumprimento de obrigação tributária principal ou acessória, isto é, que cause um impacto expressivo para a concorrência.” Contudo, prossegue o autor afirmando que: “a cassação do registro pela gravidade dos efeitos que causa a liberdade deve ser feita com elevadíssima parcimônia, e somente após ampla investigação e efetivo exercício do devido processo legal por parte do agente econômico”. Em sentido contrário, se manifestaram Hugo de Britto Machado e Celso Antonio Bandeira de Mello, Hugo de Britto Machado diz textualmente o seguinte: “admitir-se que a lei ordinária pode introduzir ressalvas a garantia do processo legal é aniquilar totalmente essa importante garantia do indivíduo contra o arbítrio estatal, especialmente, quando se sabe que a singularidade do caso alegada pela Fazenda para afastar as garantias constitucionais da consulente pode ser criada pela própria Fazenda. No caso de que se cuida, prossegue o autor, a Fazenda instituiu um regime de determinação do IPI altamente favoráveis aos grandes produtores de cigarros e não quer deixar que a consulente se utilize das vias processuais adequadas para ter apreciada sua inconformação com o regime jurídico tributário, mas a suposta singularidade pode ser criada facilmente pelo fisco, basta que instaure ações fiscais infundadas contra a empresa que quer ver singularizada, se a está não for assegurada o devido processo legal e se permite a sanção de imposições políticas em razão daquela singularidade, a empresa não terá como demonstrar que a ação fiscal é improcedente. O acolhimento da tese fazendária, ainda que sob a reserva que o iminente Ministro Cesar Peluzo preocupou-se em expressar, criará um precedente extremamente perigoso. Se o STF admitir que o art. 2, inciso II do decreto lei nº 1593 não é inconstitucional, logo, tal norma estará sendo aplicada a qualquer produtor de cigarro, ainda que não possa se falar em singularidade factual e normativa do caso. Alias, diante de precedente que vieras ser firmado pelo STF favoravelmente a sanção política que se cuida, nada impedirá a criação de mecanismo igual para outros setores da economia.”
Já o prof. Celso Antônio Bandeira de mello, examina a questão a partir de duas abordagens distintas: violação da legalidade e proibição à ascensão política. Digo eu, penso que o destarte do caso é mais sutil do que o reconhecimento pura e simplesmente do art. 2, inciso II do decreto lei nº 1593 como sanção política ou como salvaguarda da saúde pública e do equilíbrio concorrencial. A meu sentir a questão de fundo consiste, na verdade, em saber se a interpretação específica adotada pelas autoridades fiscais – eu estava me referindo no caso concreto do RE – constituiu sanção política dada a ambiguidade do texto normativo.
Discordo do raciocínio que afirma o papel da tributação da indústria do cigarro na proteção a saúde publica como suficiente para validar a obrigação imposta ao contribuinte para suspender a exigibilidade de todos os créditos tributários contra se lançados como condição garantia do seu funcionamento. Considero que a função extra-fiscal da tributação não pode afastar a efetividade da jurisdição, intimamente ligada ao direito fundamental ao devido processo legal de controle da validade das exações, uma série de fatores pode tornar inviável a suspensão da exigibilidade de todo o acervo de créditos tributários impostos ao contribuinte, são exemplos de tais fatores: a incapacidade para realizar depósitos do montante integral da dívida e a ausência de uniformização do entendimento jurisprudencial acerca de determinada tese, situação que redunda na possibilidade do indeferimento da suspensão cautelar judicial, art. 151, inciso III do CTN.
Por outro lado Também rejeito as razões contrarias, no sentido de que o art. 2, inciso II do decreto lei nº 1593 seja inconstitucional em qualquer de suas interpretações possíveis. Como busquei demonstrar, a proibição da sanção política não confere imunidade absoluta e imponderada, pois não serve como uma espécie de salvo conduto geral aos contribuintes que fazem da frívola impugnação de lançamentos tributários uma ferramenta de vantagem competitiva. Temos de um lado, direito fundamental a livre atividade econômica licita e o direito fundamental de acesso à jurisdição, de outro, estão o direito a livre concorrência e o dever fundamental de pagar tributos. Penso que a norma passa pelo teste de adequação porquanto é inequívoco que ela fomenta o pagamento pontual dos tributos. A primeira vista a norma não passaria pelo teste de necessidade, de fato a uma série de outros mecanismos menos sacrificantes ao direito à jurisdição postos a serviço da salva guarda do dever fundamental de pagar tributos, como por exemplo, a penhora, a ação de execução fiscal, a responsabilidade pessoal dos sócios e administradores, mas, entendo que a norma deva ser concebida para regular situações extremas e de grave desequilíbrio concorrencial. Para ser conforma a constituição normas com efeitos tão drásticos não pode ser mero instrumento de combate ao inadimplemento, para ser valida deve-se se apresentar como mecanismo de proteção contra a resistência obstinada e infundada ao pagamento de tributo em quadro marcado por bem a necessidade de rapta resposta estatal e em contexto em que os instrumentos ordinários não sejam suficientes.
O jogo de só pensamento próprio do teste de proporcionalidade no sentido estrito teremos o seguinte quadro: dada a ambiguidade do texto legal e a consequente falta de calibração expressa, a norma extraída a partir da interpretação do art. 2, inciso II do decreto lei, será inconstitucional se atentar contra um dos três parâmetros constitucionais já apresentados, ou seja, primeiro: relevância do valor dos créditos tributários em aberto, cujo o não pagamento implicaria, implica a restrição ao funcionamento da empresa. Segundo: manutenção proporcional e razoável do devido processo legal de controle do ato de aplicação da penalidade. Terceiro: manutenção proporcional e razoável do devido processo legal de controle da validade e dos creditos tributários cujo, o não pagamento, implica cassação do registro especial. Dos três parâmetros expostos o terceiro apresenta o maior desafio ao órgão jurisdicional, ele pressupõe o exame não exauriente, claro, do quadro de impugnações fiscais com o qual o contribuinte se opõe de forma recalcitrante a tributação. A dificuldade consiste na impossibilidade de o juízo a que couber o exame do cancelamento do registro especial, antecipar o resultado a que chegara ao órgão jurisdicional encarregado do controle da validade do crédito tributário.
Adicionalmente, a presunção de que o contribuinte se pauta pela a boa-fé, no trato de suas questões fiscais e age com lealdade perante o poder judiciário, também tende em favor do sujeito passivo. A luz do direito fundamental de acesso ao judiciário o reconhecimento da má-fé do contribuinte pressupõe que as razões que levam a irresignação sejam inequivocamente infundadas e temerárias. Não obstante, em situações extremas o órgão jurisdicional que realiza o controle da penalidade não tem outra opção que não indagar-se o mínimo de plausibilidade das razões do contribuinte utilizadas para fundamentar o não pagamento do valor do tributo. Tais situações são extremas se caracterizam se houver indícios de que a atitude do contribuinte é realmente pautável pela má-fé. A questão pode ser resumida com a apresentação de um quadro que registre – analiticamente – os creditos tributários constituídos e que enlaçam o sujeito passivo indicando se estão ou não com a exigibilidade suspensa. Para aqueles que não estiverem com a exigibilidade suspensa, será necessário verificar se estão submetidos ou não ao controle administrativo ou judicial de validade, e se as razões que fundamentam a insurgência são minimamente plausíveis, isto é, se não são frívolas, e tenham como desiderato primordial, encobrir a temerária empreitada do contribuinte sonegador ou do inadimplente contumaz. Com base em tais dados deve o interprete indagar – primeiro: se o montante de créditos exigíveis é vultoso, considerando o potencial econômico da atividade do sujeito passivo, segundo: se o devido processo legal do controle da validade da penalidade foi respeitado, terceiro: se o devido processo legal de controle da validade do credito tributário foi respeitado, em sentido semelhante haverá a observância da constituição se a penalidade não for aplicada antes do exame das medidas e recursos apresentados pelo sujeito passivo, sempre que a irresignação possuir um mínimo de plausibilidade. A suspensão temporária das atividades, ou a aplicação de regime especial de cumprimento de deveres instrumentais e fiscalização, será valida sempre que ficar comprovado que a inadimplência contumaz é de monta e apta afetar profundamente as condições de livre concorrência e iniciativa.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE está ação direta de inconstitucionalidade, para dar interpretação conforme o texto impugnado, de modo que a cassação do registro fiscal especial seja considerada constitucional se simultaneamente estiverem presentes os seguintes condicionamento: (1) Observar os vultos dos creditos tributários devidos (2) Respeitar o devido processo legal de controle da validade da imposição da restrição, ou seja, da penalidade. E por último: (3) Respeitar o devido processo legal de controle da validade dos créditos tributários na forma como declinada na fundamentação ora exposta.
É como voto.
*Fonte: Jota
Bárbara Pombo - Brasília