MICAELA GISEL SIEBRE
1 - RELATÓRIO.
Trata-se de defesa apresentada pela cidadã argentina MICAELA GISEL SIEBRE, contra o auto de infração 1227_00097_2023, lavrado por autoridade migratória no Ponto de Migração Terrestre de Dionísio Cerqueira - SC, que aplicou-lhe a multa de R$ 1.380,00 (mil e oitocentos reais), por ter ultrapassado em 138 (cento e trinta e oito) dias o prazo de estada legal no país.
Aduz a autuada que não dispõe de recursos para pagar a multa aplicada e requer a redução de seu valor.
2 -FUNDAMENTAÇÃO.
Da análise dos fatos narrados, nota-se, de plano, que a Autoridade Migratória incorreu em ofensa ao princípio da legalidade, uma vez que concedeu ao recorrente somente 30 (trinta) dias de estada no país, sendo vez que o texto da Decisão CMC N° 10/06, modificada pela Decisão CMC nº 36/2014, instituiu a concessão de prazo de 90 (noventa) dias para a permanência de turistas nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL e Estados Associados admitidos no território de quaisquer das partes do acordo.
A modificação do sobredito pacto foi aprovada pelo Senado Federal, por meio do Decreto Legislativo n.º 171/2018, publicado no Diário Oficial da União, de 07/12/2018. O texto original, já introduzido no ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto Legislativo nº 648, de 2009, não previa a possibilidade de solicitar, no território do país de destino, uma prorrogação da permanência autorizada no momento de ingresso, sem prejuízo de que alguns Estados a autorizassem de acordo com suas legislações nacionais.
O artigo segundo do Acordo original, prevê que as partes conservam o direito de não admitir o ingresso de pessoas a seus territórios, conforme o estabelecido nas suas legislações internas. No entanto, não prevê a possibilidade de concessão de prazo inferior a 90 (noventa) dias para o ingresso de turistas oriundos dos Estados pactuantes.
Considerando que o Decreto Legislativo situa-se no mesmo nível hierárquico das leis complementares, lei ordinárias e lei delegadas, nota-se que a referida norma impõe à autoridade migratória do dever legal de conceder o prazo de 90 dias para os viajantes beneficiados pelo tratado internacional, uma vez admitidos no país.
Diante disto, nota-se a nulidade do ato administrativo que concedeu o prazo de 30 (trinta) dias para a permanência de turista nacional de Estados Parte do MERCOSUL. Por consequência, o Auto de Infração lavrado em razão do descumprimento do prazo deverá seguir a mesma sorte do ato originário (registro de movimento migratório), pois, ainda que perfeito em si, aquele auto veio adveio de um ato nulo, havendo entre eles 'íntima relação vinculatória" [1]. Além disso, nota-se da Certidão de Movimentos Migratórios anexa (33572739), que se tratava do primeiro ingresso da autuada no território nacional, não havendo, portanto, motivo razoável para a concessão de prazo menor, uma vez que o recorrente dispunha da totalidade do prazo de estada a que tinha direito, ou seja, 90 (noventa) dias, renováveis por igual período.
É de se ressaltar que a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal estabelece que "a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".
De acordo com Hely Lopes Meirelles [2], o controle administrativo deriva do poder-dever de autotutela que a Administração tem sobre seus próprios atos e agentes, e que é normalmente exercido pelas autoridades superiores. Para a Administração Pública é amplo o dever de anular os atos administrativos ilegais. De modo geral, essa revisão pode se dar, por iniciativa da autoridade administrativa, por meio de fiscalização hierárquica, ou ainda por recursos administrativos.
Em que pesem as considerações anteriores, há de se observar que a autuada permaneceu no território nacional por 168 dias, portanto, 78 dias além do prazo máximo previsto para o caso (90 dias). Contudo, o § 2o do art. 107 da Lei 13.445/2017 estabelece que a multa atribuída por dia de atraso ou por excesso de permanência poderá ser convertida em redução equivalente do período de autorização de estada para o visto de visita, em caso de nova entrada no País.
O parágrafo único do art. 110 da lei em comento prevê que as penalidades aplicadas respeitarão o contraditório, a ampla defesa e a garantia de recurso, assim como a situação de hipossuficiência do migrante ou do visitante. A hipossuficiência do visitante também é considerada pelo artigo 308 do Decreto 9.199/2017 como princípio norteador para a análise dos recursos apresentados contra a aplicação de penalidades administrativas.
3. DECISÃO
Diante da ilegalidade do ato que concedeu prazo de estada em desacordo com as normas anteriormente citadas, com base no art. 37, caput, da Constituição Federal e no art. 53, da Lei 9.784/1999, declaro a nulidade do ato administrativo que concedeu prazo inferior ao previsto nos acordos internacionais supracitados e, por consequência, a anulação do Auto de Infração 1227_00097_2023. Por outro lado, a considerar o excesso de prazo de estada, conjugado com a situação fática da recorrente (que se declara incapaz de pagar a multa aplicada) e das disposições do novo ordenamento jurídico em matéria migratória, com base no art. 107, § 2.º da Lei 13.44/2017, converto a multa cabível ao caso na redução de 78 (setenta e oito) dias do período de autorização de estada para o visto de visita, em caso de nova entrada no País.
Após os registros e publicação necessárias, dê-se ciência à interessada.
Dionísio Cerqueira - SC, 29 de janeiro de 2023
ANTÔNIO JOSÉ MOREIRA DA SILVA
Agente de Polícia Federal
Chefe do NPA/DPF/DCQ/SC
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1 - RIBEIRO, Manoel. Invalidez dos Atos Administrativos. Revista de Direito Administrativo - FGV. pp. 22/23. Disponível em:<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/25200/23996>. Acesso em 29 JA 2023.
2 - MEIRELLES, H. L. Direito administrativo brasileiro. 19. ed. Atualizada. São Paulo: Malheiros, 1994
Atualizado em
29/01/2024 10h24
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