Nota de Repúdio ao Projeto de Decreto Legislativo nº 322/2024, que objetiva suspender a aplicação da Resolução nº 249, de 10 de julho de 2024, do CONANDA
O Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ (CNLGBTQIA+) vem a público
manifestar seu repúdio ao Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 322/2024, apresentado à
Câmara dos Deputados no dia 15 de julho de 2024, com o intuito de suspender a aplicação da
Resolução nº 249, de 10 de julho de 2024, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CONANDA). Esta Resolução proibiu o acolhimento, o tratamento e/ou o
acompanhamento de crianças e adolescentes por comunidades terapêuticas ou instituições
que prestam serviços de tratamento de pessoas usuárias ou dependentes de substâncias
psicoativas em regime de residência.
O PDL nº 322/2024 apresenta como justificativas para a suspensão da Resolução
CONANDA nº 249/2024: (i) a suposta ausência de competência constitucional e legal do
CONANDA para estabelecer proibições; (ii) a suposta autorização de acolhimento de
adolescentes em comunidades terapêuticas prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) e na Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006; (iii) a suposta eficácia do modelo das
comunidades terapêuticas no tratamento do uso de substâncias psicoativas; e (iv) a
inexistência de outros serviços ofertados pelo Estado brasileiro direcionados a esse tipo de
tratamento.
No entanto, diferentemente do sustentado no PDL nº 322/2024, o CONANDA possui
competência constitucional e legal para proibir o acolhimento, o tratamento e/ou o
acompanhamento de crianças e adolescentes por comunidades terapêuticas e instituições de
internação para tratamento de uso de substâncias psicoativas. Afinal, o Estado brasileiro, em
atendimento ao seu dever constitucional de proteger os direitos de crianças e adolescentes,
previsto no caput do art. 227 da Constituição Federal de 1988, criou o CONANDA, por meio da
edição da Lei nº 8.242, de 12 de outubro de 1991.
Esta Lei atribuiu, expressamente, ao CONANDA, a competência, dentre outras descritas
nos incisos do seu art. 2º, de “elaborar as normas gerais da política nacional de atendimento
dos direitos da criança e do adolescente”. Além disso, a Lei nº 11.343/2006, que instituiu o
Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), atribuiu ao CONANDA, no
parágrafo único de seu art. 19, a competência legal para definir as diretrizes que regularão as
“atividades de prevenção do uso indevido de drogas dirigidas à criança e ao adolescente”. O
que representa uma primeira dimensão do cumprimento do dever constitucional atribuído
tanto ao Estado, como à sociedade no sentido de formular “programas de prevenção e
atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de
entorpecentes e drogas afins”, conforme redação do art. 227, § 3º, VII, da Constituição Federal
de 1988.
Ademais, diferentemente do argumentado no PDL nº 322/2024, o ECA não autoriza,
expressamente, o acolhimento de adolescentes em comunidades terapêuticas. Sendo a
proibição de tal acolhimento a medida adequada para promover a proteção integral dos
direitos tanto de adolescentes, como de crianças, em especial do direito à saúde e do direito
à convivência familiar e comunitária, previstos na Constituição Federal de 1988 e no ECA. E
isto, na medida em que as comunidades terapêuticas e as instituições de internação são
espaços caracterizados por inúmeras violações de direitos fundamentais e de direitos
humanos.
O Relatório de Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas, produzido, no ano de
2018, pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), pela Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão (PFDC/MPF) e pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT)
identificou casos de utilização de trabalho forçado, a adoção do fundamentalismo religioso
como diretriz de concepção dos protocolos de funcionamento e o desrespeito sistemático à
diversidade sexual e de gênero no âmbito de comunidades terapêuticas brasileiras, dentre
outras situações de violações de direitos fundamentais e de direitos humanos.
No que se refere à suposta inexistência de outro modelo estatal de tratamento de uso
de substâncias psicoativas por parte de adolescentes, tem-se que a própria Resolução
CONANDA nº 249/2024 apresenta modelo alternativo ao das comunidades terapêuticas e
instituições de internação. Este modelo alternativo adota abordagem integrada, comunitária
e humanizada no cuidado em saúde mental por meio do atendimento ofertado pela Rede de
Atenção Psicossocial (RAPS) do Sistema Único de Saúde (SUS) e pelos espaços protetivos
integrantes do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e da redeintersetorial.
Por fim, diferentemente do aludido no PDL nº 322/2024, a 12ª Vara da Justiça Federal
de Pernambuco se posicionou, em sentença proferida no âmbito do julgamento da Ação Civil
Pública nº 0813132-12.2021.4.05.8300, no sentido de reconhecer a ilegalidade do
acolhimento de adolescentes em comunidades terapêuticas no Brasil. Fundamentando sua
decisão, inclusive, em normativa específica do Ministério da Saúde sobre tratamento de uso
de substâncias psicoativas, qual seja, a Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011.
O Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ reconhece, assim, a
importância da proibição do acolhimento, do tratamento e/ou do acompanhamento de
crianças e adolescentes por comunidades terapêuticas ou instituições de internação, inclusive
como medida de proteção às infâncias e adolescências de crianças e adolescentes LGBTQIA+.
Desta maneira, corroboramos com o posicionamento do CONANDA consolidado na sua
Resolução CONANDA nº 249/2024, manifestando-nos, contrariamente, à tentativa de
suspensão de aplicação da referida Resolução promovida pela apresentação do Projeto de
Decreto Legislativo nº 322/2024 à Câmara dos Deputados.
Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+