Moção 031- Aprovada na XI CNDCA
Proponentes: Eufrásia Maria Souza das Virgens - CEDCA -RJ
/ Ana Paula da Silva Rodrigues- CEDCA- RJ / Davi Sousa Martins- CEDCA- RJ /
Saturnina Pereira da Silva - CEDCA -RJ
Título da Moção: MOÇÃO DE REPÚDIO AOS HOMICÍDIOS DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Tipo da moção: Repúdio
Destinatário da moção: Nacional
Ementa: Por ocasião da XI Conferência Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente apresentamos moção de repúdio aos homicídios de
crianças e adolescentes, destacando a grande letalidade provocada por ações de
agentes do Estado, fazendo apelo público para revisão da política estadual de
segurança pública visando à preservação das vidas, especialmente de crianças e
adolescentes, no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro.
MOÇÃO DE REPÚDIO AOS HOMICÍDIOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
O Rio de Janeiro, apesar da fama internacional de cidade maravilhosa, tem sido muito perigosa e hostil para crianças e adolescentes, em especial, pobres, pretas e moradoras de periferias.
Conforme dados do Instituto de Segurança Pública/RJ, foram 174 homicídios de crianças e adolescentes decorrentes de intervenção policial em 2017, 115 em 2018 e 121 em 2019.
O Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente criou Grupo de Trabalho para elaborar o plano estadual de prevenção e enfrentamento aos homicídios de crianças e adolescentes no Estado, além de existir um comitê de enfrentamento aos homicídios de adolescentes no Estado, por iniciativa da ALERJ e UNICEF, composto por 22 participantes, dentre eles Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça, secretarias de Estado, além de organizações da sociedade civil.
Apesar da situação de pandemia e decisão do STF proibindo operações policiais sem obedecer a protocolos, conforme ADPF nº 635, proposta pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB e admitidos como amici curiae Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Educação e Cidadania de Afrodescendentes Carentes – Educafro, Justiça Global, Associação Direito Humanos em Rede – Connectas Direitos Humanos, Associação Redes de Desenvolvimento da Maré, Instituto de Estudos da Religião – ISER e Movimento Negro Unificado – MNU, seguem as operações policiais.
No dia 18 de maio de 2020, operação realizada pela
Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, através da Coordenadoria de Recursos
Especiais (CORE) e Polícia Federal, no Complexo do Salgueiro, situado no
Município de São Gonçalo provocou a morte do adolescente João Pedro Matos
Pinto, 14 anos, que após ter sido atingido por disparo de arma de fogo e levado
no helicóptero da Polícia, sem que a família fosse informada sobre o local para
onde estaria sendo levada a vítima, cujo corpo foi localizado no IML apenas no
dia seguinte.
Alguns dos homicídios de crianças e adolescentes que tiveram muita repercussão
no Estado, causadas por operações policiais, além do João Pedro:
Ágatha Vitória, no Complexo do Alemão, em 20 de setembro de 2019;
Marcos Vinicius, de 14 anos, vítima de homicídio na Maré em 20 de junho de 2018;
Benjamin, de apenas 1 ano e 7 meses, no Complexo do Alemão em março de 2018, quando estava num carrinho de bebê, acompanhado da mãe e da irmã de 5 anos;
Maria Eduarda, 13 anos, no pátio do colégio onde estudava em Acari, em 31 de março de 2017;
Roberto de Souza Penha, Carlos Eduardo de Souza, Cleiton Correa de Souza, Wilton Esteves, Wesley Castro Rodrigues, vítimas da Chacina de Costa Barros, em 28 de novembro de 2015;
Eduardo de Jesus, 10 anos, assassinado na porta de casa no Complexo do Alemão em abril de 2015;
A prioridade absoluta consagrada pelo artigo 227 da Constituição de 88, que representou marco normativo da mudança de paradigma da situação irregular para a proteção integral, coloca o Brasil na vanguarda da América Latina para adoção da doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas, determinando que é dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar, com prioridade absoluta, os direitos de crianças, adolescentes e jovens, em especial e primeiro, o direito à vida.
A Lei 8.069/90, que completou 30 anos, ao regulamentar os artigos 227 e 228 da Constituição da República, dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, prevendo o respeito aos direitos fundamentais de forma prioritária quando se trata de crianças e adolescentes, com as respectivas políticas públicas de proteção integral, bem como procedimento de responsabilização pertinente.
Ninguém é capaz de imaginar uma conduta destas em qualquer região do Estado do Rio de Janeiro ou do Brasil, o que tem sido banalizado quando se trata de favelas e periferias, revelando desrespeito ao princípio da não discriminação, consagrado na Convenção sobre Direitos da Criança da ONU, aprovada em assembleia de 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 1990.
Importante reafirmar que cada vida importa, destacar que vidas negras importam porque tem sido a população negra vítima de verdadeiro genocídio, e que essas vidas devem ser preservadas, seja nos locais mais valorizados da cidade em razão do poder econômico, seja nas favelas, vielas, em casa ou na rua, na escola, fora ou a caminho dela, devendo a vida de qualquer pessoa e, com prioridade absoluta, crianças, adolescentes e jovens, merecer o respeito que se fundamenta na Constituição de 88, além da normativa nacional e internacional, isso para falar de Estado laico.
É de causar perplexidade e indignação que tantas crianças e adolescentes continuem tendo a vida interrompida por ação de agentes das forças de segurança pública, uma violação muito grave para ser banalizada em estatística.
Chegando ao final desse triste ano de 2020, com a pandemia levando a tantas mortes, ainda nos deparamos, para nossa perplexidade, a despeito da constatação de ser uma política de Estado, com os homicídios das crianças Emily Vitória e Rebeca Beatriz, de 4 e 7 anos, no dia 04 de dezembro, na porta da casa onde moravam e estavam brincando, em Gramacho, Duque de Caxias. Emily completaria 5 anos dia 23 de dezembro e usaria a fantasia de Moana na sua festa, que estava sendo preparada com simplicidade e carinho pela família. Foi enterrada com a roupa que usaria na festa.
Não é possível que a política de Estado na área da segurança pública continue a interromper a vida e os sonhos de crianças e adolescentes, privando-as de direito fundamental que o Brasil se comprometeu a respeitar com prioridade absoluta, conforme artigo 227 da Constituição de 1988.
Por ocasião da XI Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente apresentamos moção de repúdio aos homicídios de crianças e adolescentes, destacando a grande letalidade provocada por ações de agentes do Estado, fazendo apelo público para revisão da política estadual de segurança pública visando à preservação das vidas, especialmente de crianças e adolescentes, no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro.