Dandara e Zumbi dos Palmares
Sabe-se que o Zumbi histórico – o negro feito de carne, osso e paixão – nasceu livre em um dos mocambos palmarinos no ano de 1655, sendo aprisionado e entregue como escravo aos 7 anos de idade ao padre Antonio Melo, na cidade de Porto Calvo. Ali fora batizado com o nome de Francisco e aprendeu a ler em português e latim. Um híbrido, portanto.
Aos 15 anos, fugiu para os Palmares e, apenas cinco anos depois, já se destacava como um exímio estrategista e comandante militar, enfrentando o experiente sargento-mor Manuel Lopes e suas tropas. Em 1680, após um malfadado acordo de paz entre o rei palmarino Ganga Zumba e o governador de Pernambuco, Pedro de Almeida, Zumbi, que se recusara a aderir a esse acordo, rebelou-se e se tornou o novo rei.
Desde essa ruptura até o ano de 1694, quando um exército de mais de 2 mil homens liderados pelo bandeirante Domingos Jorge Velho conseguiu tomar a capital palmarina – Macaco –, Zumbi tornou-se uma lenda viva, um comandante invencível, sobre o qual se dizia ser mesmo imortal. Até o início do século XX, a historiografia senhorial apregoou a versão da morte de Zumbi e seus guerreiros como suicídio, que preferiram jogar-se de um penhasco a se entregarem às tropas coloniais – uma eficiente narrativa forjada para consagrar a ideia da assunção de sua derrota e o consequente reconhecimento da superioridade do Estado branco colonial.
Foi uma estratégia obviamente necessária diante da impossibilidade de negar a permanente presença espiritual de Zumbi não como alma desencarnada do humano que foi, mas como espírito coletivo de resistência, encarnado na contínua luta dos pretos e pobres por justiça social. Contudo, trata-se de versão já superada, pois é sabido que ele escapou ao cerco que destruiu Macaco, tendo resistido, ainda, durante um ano com seus guerrilheiros nas matas alagoanas, até ser denunciado por um de seus homens de confiança, um mulato de nome Antonio Soares, que fora preso e torturado pelos soldados do capitão André Furtado de Mendonça.
No dia 20 de novembro de 1695, portanto, Zumbi foi descoberto com 20 companheiros na Serra Dois Irmãos, no município de Viçosa, em Alagoas, e, como era de se esperar de um chefe guerreiro, morreu em combate. Sua cabeça degolada fora exposta publicamente na cidade do Recife, por ordem do governador de Pernambuco, para servir de exemplo aos escravizados e como prova de que Zumbi não era imortal, tal como se costumava dizer àquela época. Mal sabia o Estado colonial que, em sua sanha por eliminar o homem, imortalizara a própria sociedade que o produzira, a sociedade palmarina de resistência, e é pela manutenção dessa resistência que, indiscutivelmente, Zumbi vive.
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