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Você já ouviu falar sobre a Revolta dos Malês?
A Revolta dos Malês foi uma das inúmeras lutas pela liberdade, promovidas por negros escravizados durante o Período Regencial (interregno entre a abdicação de D. Pedro I e o chamado “Golpe da Maioridade”, quando seu filho D. Pedro II teve a maioridade proclamada – 1831 a 1840). O motim ocorreu na cidade de Salvador – BA, entre os dias 24 e 25 de janeiro de 1835 (no fim do mês sagrado do Ramadã), há exatos 180 anos.
Os malês eram formados por libertos e escravizados africanos, principalmente, os negros de ganho, escravizados que tinham mais liberdade do que os negros das fazendas para circular pela cidade, o que não os livrava de serem constantemente alvejados pelo desprezo e pela violência.
Os negros de ganho que desempenhavam atividades livres, como alfaiates, pequenos comerciantes, artesãos e carpinteiros, a partir das quais poderiam economizar uma pequena parte dos ganhos que seus donos lhes deixavam, para comprar sua alforria, dominavam a leitura e a escrita em árabe. “Malê” é a corruptela do termo iorubá imalê, que quer dizer muçulmano.
O levante reuniu cerca de 600 negros (embora outras fontes indiquem 1500) e foi composto por escravizados africanos de várias etnias, com protagonismo de nagôs (também conhecidos como iorubas) e participação de hauçás ou haussaás.
Os líderes nagôs eram os negros escravizados Ahuna, Pacifico Licutan, Sule ou Nicobé, Dassalu ou Damalu, Aprígio, Pai Inácio e Gustard. Também nagô era o liberto Manuel Calafate. Os outros eram o escravizado tapa, Luís Sanim e o liberto hauçá Elesbão do Carmo ou Dandará, que negociava com fumo.
O mote da revolta era a libertação de todos os escravizados africanos de origem muçulmana, a partir da tomada do governo. O movimento teria sido planejado em reuniões — possibilitadas pela relativa autonomia de que dispunham escravos urbanos — em que exercícios de leitura e escrita corânicas dividiam tempo com rezas e conspirações.
O plano dos rebeldes se constituiu a partir das experiências de combate que tiveram anteriormente em África e visava opor-se às práticas herdadas pelo Império do sistema colonial português, a saber, a escravidão e a intolerância religiosa. Essa revolta ainda foi resultado do desmando político e da miséria econômica do período regencial.
Todavia, de modo pragmático, os revoltosos buscavam inverter a lógica a que estavam submetidos, portanto, tomar o poder, impor o islamismo, assassinar e confiscar os bens de brancos e mulatos e escravizar os não-muçulmanos. A ideia era conquistar primeiro a cidade de Salvador e de lá seguir partir para a conquista dos engenhos do Recôncavo baiano.
Não obstante, as autoridades também se organizaram com rapidez, conseguindo repelir os ataques aos quartéis de Salvador, colocando em fuga os revoltosos. Suspeita-se que algum integrante tenha delatado o próprio movimento. Ao procurar sair da cidade, um grupo de mais de quinhentos revoltosos, entre escravos e libertos, foi barrado na vizinhança do Quartel de Cavalaria em Água dos Meninos, onde se deram os combates decisivos, vencidos pelas forças oficiais, mais numerosas e bem armadas.
Foram mortos 70 revoltosos e sete homens das tropas oficiais. Quase 3 centenas de malês foram presos e julgados. As penas aplicadas variaram de açoites, trabalhos forçados até a deportação para a África e a condenação à morte (o que foi sentenciado aos líderes).
Outra consequência da Revolta foi a proibição da circulação noturna dos africanos muçulmanos pelas ruas da capital da província da Bahia e a proibição da prática de cerimônias religiosas pelos adeptos do Islã.
Apesar de rapidamente controlada, a Revolta dos Malês serviu para demonstrar às autoridades e às elites o potencial de contestação e rebelião que envolvia a manutenção do regime vigente, ameaça que esteve sempre presente durante todo o Período Regencial e se estendeu pelo Governo de D. Pedro II, o que pode ser constatado pelo número de revoltas e conspirações ocorridas nos anos seguintes (5 delas tiveram projeção nacional: a Cabanagem, a Farroupilha, a Sabinada, a Balaiada e a Praieira).
A historiadora Priscilla Leal Mello, autora da tese de doutorado Leitura, encantamento e rebelião — O Islã negro no Brasil, avalia que: “Embora derrotado, o Levante dos Malês foi um episódio importante que, a longo prazo, foi enfraquecendo o sistema escravista e a noção de que povos africanos e afro-brasileiros estavam contentes com sua condição. A resistência fazia parte do seu cotidiano, e a liberdade era mais que um sonho, era um projeto, um objetivo a ser alcançado.”
Fontes:
https://bit.ly/2HeTK6B