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SOMOS TODOS IRMÃOS: A ÉPOCA DIGNA DO MOVIMENTO NEGRO
Entre dezembro de 1948 e julho de 1950, circulou no Brasil um jornal muito interessante e necessário: “Quilombo”. O subtítulo era esclarecedor: “Vida, Problemas e Aspirações do Negro”. Dirigido por Abdias Nascimento, esse periódico (publicado em versão fac-similar pela editora 34 em 2003) é de leitura obrigatória para todos os que interessam-se pela questão racial brasileira.
A obrigatoriedade justifica-se por três motivos. Primeiro, porque “Quilombo” abordou o negro não como massa de manobra de movimentos revolucionários, como acontece atualmente, mas como o ser humano completo que de fato é; segundo, porque em vez de incentivar o ódio e o ressentimento, incentivou o crescimento moral, cultural e intelectual; e terceiro porque foi integracionista em vez de segregacionista.
Já no próprio marketing do jornal para captar assinaturas, já se via o espírito integracionista: “Negros, mulatos e brancos democratas: colaborem”. Numa matéria sobre o romance entre um jogador negro e uma fazendeira branca, o editor Abdias colocou este título: “O amor venceu o preconceito”; e completou no subtítulo: “Não se vê a cor de quem se ama”. Outro artigo condena a Klu-Klux-Klan que impede o “congraçamento de raças”, e no outro lê-se que “Somos todos irmãos”, não importando a cor. Portanto, tudo muito diferente do movimento negro atual, no qual predomina um discurso separatista e rancoroso.
O “Quilombo” também apresentava o negro para além de sua “raiz” e de sua suposta condição de eterno desterrado. Uma das críticas de teatro foi sobre uma montagem de Hamlet, de Shakespeare, interpretado pelos negros Gordon Heath e Marion Douglas. Na editoria de cinema, vemos um militar negro em um filme de Roberto Rosselini; na de música, elogios ao jazz; na de dança, por ocasião de uma peça de cunho popular, fala-se da benéfica influência dos elementos da tragédia grega.
Todos os grandes brasileiros foram citados com respeito e admiração nas páginas do jornal: Luiz Gama; Cruz e Souza; Joaquim Nabuco; Lima Barreto, Machado de Assis. As aspirações do negro – as quais, afinal, são as mesmas dos outros brasileiros – foram também colocadas nos títulos: “Queremos estudar”; “Ministros, senadores e diplomatas negros”.
Não que “Quilombo” não combatesse o racismo, mas combatia-o para vencê-lo e gerar integração e crescimento em vez de segregação e retardamento. Era uma visão de mundo também expressa iconograficamente. Entre 95% e 98% das imagens trazem os negros em eventos sociais e culturais, trajando ternos bem cortados e vestidos decentes, e sempre envolvidos com a alta cultura. É o negro tratado como um elemento constituinte da nossa civilização, e não como um selvagem ou um incapaz em busca de cotas raciais.
Com este periódico singular e arejado, Abdias Nascimento prestou um grande serviço à sociedade brasileira, na medida em que registrou uma militância preocupada com o crescimento, elevação e integração do negro.
Fundação Cultural Palmares.