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20 DE NOVEMBRO!
Seminário propõe reconstrução da história dos negros
O seminário “Diálogos Palmarinos: Quilombismo e ações afirmativas” fez parte das celebrações do feriado nacional, em Maceió
Sob o som potente da banda Afro Zumbi, foi aberto o seminário “Diálogos Palmarinos: Quilombismo e ações afirmativas”, nesta sexta (22), no auditório da Universidade Federal de Alagoas, com a realização de dois painéis: “A participação da sociedade civil nas celebrações do 20 de novembro” (manhã) e “20 de novembro, o feriado nacional da consciência negra”.
O painel da manhã foi iniciado com uma fala estimulante da escritora e pesquisadora Genizete Sarmento, que traçou um paralelo entre o ontem e o hoje, para falar do impacto da instituição do 20 de novembro. “A mudança foi grande. A escola não contava a história da Serra da Barriga, do Quilombo, de Zumbi dos Palmares”.
– As pessoas conheciam a história da Princesa Isabel, mas não de Zumbi.
Genizete esboçou uma espécie de linha do tempo, de 1938, com a publicação do livro de Ernesto Ennes sobre o quilombo, até 2003, quando o Dia Nacional da Consciência Negra foi incorporado ao calendário escolar e o presidente Lula sancionou a Lei 10.639, tornando obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileiras nas escolas.
No intervalo entre uma data e outra, destacou, entre outros marcos, o de 1971, quando um grupo liderado pelo professor Oliveira Silveira, do Rio Grande do Sul, evocou pela primeira vez o 20 de novembro como referência para a população negra, e o de 1978, quando instituído o Dia Nacional da Consciência Negra, durante uma ação em Salvador (BA).
MESA. Sob mediação do diretor do Departamento de Fomento e Promoção da Cultura Afro-brasileira da Palmares, Nelson Mendes, foi composta a mesa de trabalhos, integrada pelo presidente da Fundação, João Jorge Rodrigues, Vanda Menezes, Sheila Walker, a yalorixá Mãe Miriam e os mestres Zezito Araújo e Girafa.
Mendes chamou a atenção para a necessidade de atualização sobre o contexto do movimento negro da atualidade, seus “diversos lugares, vozes, representações”, considerando uma “tarefa árdua”, que o conjunto de reflexões produzido pela Diálogos Palmarinos contribui para desempenhar.
Destituição de narrativas distorcidas sobre a história dos negros; valorização do protagonismo das mulheres no Quilombo dos Palmares; combate à intolerância religiosa; e reconstituição dos caminhos que levaram o Estado brasileiro a instituir o 20 de novembro como feriado nacional foram alguns dos tópicos debatidos. Abaixo, trechos da rica tarde de conversas.
Sobre ressignificação (perspectiva de Zezito Araújo).
Lembrou que quem organizou o Quilombo dos Palmares foi uma mulher, Aqualtune, descendente de uma líder angolana, sendo necessário rever a história do quilombo, ressignificá-la, mudar a história distorcida sobre os negros. Modificar, por exemplo, a narrativa que fala de “negras e negros fujões”, e referir-se a “negros e negras lutando pela liberdade”.
Conclamou odos e todas a repensar a história do quilombo e a razão de sua destruição, motivada pela cobiça pelas terras que os mais de 100 mocambos ocupavam (4.200 quilômetros quadrados), o que pode ser comprovado por todos os tratados assinados à época, nos quais está registrado o desejo de garantia de posse de terras.
– Os grandes invasores queriam as terras para produzirem cana, e elas estavam ocupadas pelos quilombolas!
Sobre intolerância religiosa (perspectiva de Mãe Miriam).
Aos 90 anos de idade e 78 de exercício do sacerdócio, Mãe Miriam falou, com propriedade, sobre as perseguições e preconceitos que os religiosos de matriz africana sofreram e sofrem, referindo-se à Serra da Barriga como o “solo batizado com o sangue de nossos ancestrais negros”.
– Ali é um santuário dos deuses, dos negros, um axé, uma força que ninguém levará, porque é nossa. É do Brasil inteiro!
Com a autoridade de tanta vivência e lucidez, conclamou à união entre todas as vertentes religiosas que povoaram Palmares – união que dá força, alimenta a teimosia, amplia a resistência para sobreviver. E agradeceu à Fundação Cultural Palmares, à qual “nós, negros, devemos muito, por fortalecer os negros, os religiosos, os quilombolas”.
Sobre capoeira e identidade (perspectiva de Mestre Girafa)
Agradeceu à Fundação Cultural Palmares pelo apoio aos capoeiristas, portanto, à arte da capoeira, que salvou e salva muitos jovens negros de serem torturados, violentados, mortos pelas polícias. Mas cobrou dos aliada coerência em relação à preservação da memória negra no Brasil:
A retirada de uma homenagem a um capoeirista branco, feita em gestão passada, num dos espaços do Parque Memorial Quilombo dos Palmares. Além de fugir à missão da instituição, de valorização da memória negra, o homenageado não teria história de luta contra o racismo. Nelson Mendes, mediador da mesa e diretor da Palmares, prometeu que o tema será analisado.
Sobre reescrever a história (perspectiva de Sheila Walker)
Num depoimento pleno de significados, disse ter aprendido na escola que os negros não teriam contribuído para a constituição das Américas, tendo que vir para o Brasil, para aprender. “Se hoje conheço a africanidade dos Estados Unidos, é porque fui para a Bahia”, fornecendo um dado que destitui a narrativa oficial e hegemônica:
– Se não tivesse África na Argentina, não haveria tango, que vem do continente africano.
O fato de conhecer o Quilombo dos Palmares – pontuou – muda a narrativa afro nas Américas. E mais: “Palmares, terra livre, quando o Brasil era colônia de Portugal, muda a narrativa de opressão para a de triunfo, apesar da opressão”, considerou, sublinhando a necessidade de conhecer outros quilombos nas Américas.
A intelectual foi além, ao considerar que Palmares é um símbolo importante para o Brasil, mas que isso não é suficiente. “Tem que ser para nós todos, das Américas. Não há outro lugar como Palmares como símbolo nacional. É um símbolo maravilhoso para nós todos, porque não permite esquecer que onde tinha escravização, tinha resistência.
Sobre a construção do Dia da Consciência Negra (perspectiva de Vanda Menezes).
Recompôs a “construção” do Dia da Consciência Negra, a partir da troca de saberes e fazeres entre intelectuais e militantes do movimento negro de diferentes unidades da Federação, citando a contribuição do Rio Grande do Sul (com Oliveira Silveira), do Rio de Janeiro, da Bahia, de Pernambuco.
Problematizando o uso do termo pardo, lembrou que os pretos são 10% da população, e conclamou a que se recuse o termo “pardo”, que, como todos os termos racistas, tem significado desqualificante: “Pardo vem de pardal, que é uma praga, e onde dá, só sobrevive o bem-te-vi. “O pardal grita demais, briga demais – e não é à toa que dizem que somos barraqueiros”.
– Somos negros, temos que saber isso, porque se a gente não sabe, a polícia sabe, a justiça sabe!
Por fim, elogiou o trabalho que João Jorge, Nelson Mendes e a equipe da Fundação Cultural Palmares vem fazendo, na contemporaneidade, “e que nós achamos que nunca fosse ser feito”, de reconstrução das narrativas negras, e de combate direto ao racismo, porque “enquanto houver racismo, não haverá democracia”.
Sobre a vitória do feriado nacional (perspectiva de João Jorge Rodrigues).
Falando sobre os tempos que antecederam o 20 de Novembro, o presidente da Fundação Cultural Palmares saudou os presentes, que chamou de “companheiros históricos da subida da Serra da Barriga”, e conclamou à celebração da “vitória extraordinária que foi obrigar o País a ter um feriado nacional em memória do povo negro brasileiro”.
– É para bater palmas, para comemorar!
Em consonância com as demais falas do painel, propôs a destituição da visão predominante da história sobre a escravização, “que não é regra para nós”. E recusou: “Nós não precisamos de museus da escravidão, mas da herança africana, para sabermos como éramos antes de chegar aqui”, lembrando que “o berço das religiões é a África”.
Lembrando a estrutura libertária construída no Quilombo dos Palmares, onde foi montada uma economia autossuficiente, sob liderança de negros e negras, como Zumbi dos Palmares, Aqualtune, Acotirene e Dandara, “o Brasil escolheu José Bonifácio para falar da independência do País”.
– Mas os heróis são nosso povo negro e mestiço!
João Jorge falou ainda sobre o trabalho de reconstrução da Fundação Cultural Palmares, criminosamente destruída pelo governo passado, sobre a perseguição de que foram vítimas os servidores da instituição, e sobre a importância de o presidente Lula, que tanto tem feito pela causa negra, subir a Serra da Barriga, no próximo 20 de novembro.
– Esperamos que no próximo ano o 20 de novembro seja comemorado aqui!
Ao exigir que o prefeito de União dos Palmares “respeite a cultura africana”, foi ovacionado pelo auditório, encerrando a fala com uma convocação para o combate à intolerância religiosa, ao racismo e ao machismo.
– Vamos ficar de pé e ir à luta. Viva zumbi dos palmares!
Após as exposições da mesa, a palavra foi franqueada para a plateia, e os trabalhos encerrados, com uma performance impactante do Grupo Obará.
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