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Salvador, 470 anos: Diáspora, Religiosidade e Resistência
Conhecida como a ‘‘cidade mais negra do Brasil’’ por concentrar a maior comunidade de negros e negras fora do continente africano, Salvador – Cidade da Bahia, comemora neste 29 de março, 470 anos da sua fundação.
Nesta data, uma frota trazendo Thomé de Souza, o primeiro governador geral do Brasil, desembarcou na Praia do Porto da Barra, em 1549. Ali foi fundada uma cidade-fortaleza, São Salvador, capital do Brasil até 1763, ano em que a sede do Vice-Reino foi transferida para o Rio de Janeiro.
Salvador teve sua negritude construída a partir do trabalho de escravizados nos engenhos de açúcar do Recôncavo Baiano, chegados a partir do final do século XVI. A cidade prosperou por influência econômica das atividades portuárias e da produção do açúcar do Recôncavo.
Segundo Pierre Verger, o tráfico de escravizados na Bahia foi dividido em quatro períodos: Ciclo da Guiné; Angola e Congo; Costa da Mina e Baía do Benin e, durante toda vigência da escravidão, a cidade foi palco de inúmeras revoltas, entre as mais conhecidas: Revolta dos Búzios ou Conjuração Baiana (1798), Revolta dos Malês (1835) e a Independência da Bahia, o 2 de Julho (1823), que consolidou a Independência do Brasil.
Nesse processo de diáspora africana, de construção de um riquíssimo patrimônio histórico, cultural, econômico e arquitetônico, mas também de luta e resistência, a população negra sobreviveu e fez de Salvador um verdadeiro ‘‘território africano’’, a cidade mais negra fora da África, perdendo este título para Lagos, capital da Nigéria. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua (PNAD Contínua, 2017), em Salvador, os negros (pretos e pardos) somavam 2,425 milhões, ou 82,1% das 2.954 milhões de pessoas que lá vivem. No Brasil, a média de negros é de 54%.
Não há campo do pensar, do fazer, do viver em Salvador que não apresente as marcas, os ritmos, os saberes da negritude. Os Afoxés e blocos afro, símbolos da cidade, foram fundados como instrumentos de organização e luta da população contra o racismo. O Afoxé Filhos de Gandhy, que em fevereiro deste ano completou 70 anos, Ilê Ayê, Olodum, Araketu, Malê Debalê, Muzenza, Cortejo Afro, ao longo do tempo buscaram resgatar e influenciar na afirmação da identidade e autoestima da população.
Na culinária, na arquitetura, nos rostos dos soteropolitanos, onde 8 em cada 10 moradores são negros, a marca da afrodescendência está em todos os lugares. No entanto, esta cidade é marcada também pelo racismo estrutural e pela desigualdade racial.
Na média dos três trimestres de 2018, o rendimento dos trabalhadores que se declaravam de cor preta ficou em R$ 1.640 na capital baiana, o equivalente a 1/3 do que ganhavam os trabalhadores que se declaravam brancos (R$ 4.969), segundo dados da PNAD. Era a maior diferença salarial entre brancos e pretos dentre as capitais brasileiras, resquícios de um passado recente e de uma história riquíssima, porém construída com bases escravocratas e exploratórias.
Apesar do simbolismo e do apelo cultural expressos nas ideias de Salvador enquanto ‘‘Meca Negra’’, ‘‘Roma Negra’’ e do percentual de pretos e pardos, Salvador ainda não foi capaz de efetivamente eleger um prefeito ou prefeita negros, apesar de em momentos específicos ter tido à frente da prefeitura dois políticos negros.