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Quilombolas fazem festa em louvor a São Benedito
Caretada é principal atração na Festa de São Benedito
Durante toda a última semana do mês de junho, a cidade de Paracatu, a 450km de Belo Horizonte, esteve em festa comemorando o dia do santo negro italiano.
A festa em homenagem a São Benedito contou com uma belíssima apresentação do grupo de dança da comunidade quilombola Família dos Amaro. Na sexta-feira, o grupo dançou a Caretada, uma das maiores manifestações culturais quilombola, e que os Amaro fazem questão de manter como tradição familiar.
A comemoração, assim como a festa de São Benedito, tem sua origem nos povos africanos e homenageia nossa senhora do Rosário. Isso porque, não possuindo igreja própria, foi erguida na Capela de Nossa Senhora do Rosário – ou Nossa Senhora dos Negros – um altar na lateral, onde foi colocada a imagem de São Benedito.
Cultura quilombola anuncia a festa
Uma semana antes de começar a novena, um grupo de homens mascarados e vestidos com roupas coloridas sai pelas ruas cantando e dançando com muita alegria anunciando a programação dos festejos juninos. Esse é o espírito da Caretada.
Antigamente, os Cavaleiros marcavam os festejos. Eram cinqüenta Cavaleiros Negros ricamente vestidos, montados em selim com caçambas em prata, e ainda, cinqüenta Cavaleiros Porta-estandartes, também adequadamente fardados e munidos de espadas, portando os estandartes de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito. A Caretada tem tradição secular.
Seu Honório Coelho Guimarães, 77 anos, um dos mais antigos da comunidade dos Amaro e com 65 anos de Caretada, lembra muito bem de como tudo começou. “Comecei aos 12 anos. Fundei a dança em Paracatu há 40 anos e sempre para servir São João Batista. Nós “dança” para Nossa Senhora do Rosário, para São Pedro, São Paulo, mas o chefe deles é São João Batista”, faz questão de explicar.
Seu Honório conta como a Caretada surgiu: “É uma dança dos escravos africanos. Para se divertir e tirar os males, eles pegavam as roupas das patroas para se enfeitar e colocavam máscaras para não serem reconhecidos, porque a dona dos escravos não queria ver nós dançar. Nós, mesmo aqui, depois que nós veste, nós não reconhece um ao outro não”.
Há 38 anos, a família dos Amaro dança em frente à igreja dos negros em forma de agradecimento pelas bênçãos recebidas. Só quem assiste a apresentação pode ter idéia de tamanha importância dessa herança dos Amaros e porque a Caretada é a expressão cultural mais famosa de Paracatu. Ainda mais em dia de são João, no qual o grupo fica 24 horas dançando e cantando sem parar!
Entretanto, nem tudo vai bem como parece. Seu Honório sente falta do tempo em que a roda era dançada com mais de vinte pares. “Hoje, o pessoal não está querendo dançar”, falando sobre a dificuldade de se conseguir pessoas nesta última apresentação.
Talvez isso seja em razão de só aceitarem homens na dança. Isso mesmo, mulher não entra, ou melhor, não entrava. Como os dançantes perceberam que só poderiam manter a tradição se deixassem de lado o machismo, resolveram aceitar que as mulheres façam parte da brincadeira. “Se põe mulher, tem desentendimento”, explicou seu Honório.
Mas, na verdade, acho que desentendimento havia quando as mulheres não faziam parte. Quando perguntei o que se precisa fazer para manter a tradição da Caretada, seu Honório foi enfático: “Trazer os jovens pra dança”.
Experiência e juventude estavam lado a lado
Enquanto seu Honório demonstrava enorme energia ao dançar, o pequeno Luiz Augusto Coelho Guimarães comandava o pandeiro com seus poucos nove anos de vida. Instrumentista desde os três, aprendeu com seu avô Benedito; que além de escultor, tocava pandeiro, violão e sanfona sem nunca ter freqüentado uma escola. Luis Augusto segue os passos artísticos do avô, mas não se esquece de continuar determinado nos estudos da 2ª série do ensino fundamental, além das aulas de flauta que freqüenta na oficina do Ponto de Cultura de Paracatu, projeto apoiado pela Fundação Cultural Palmares.
Sobre o futuro do pequeno: “Quero seguir minha vida tocando”, responde timidamente. Luis Augusto é a prova de que a tradição dos Amaro ainda será mantida por um longo tempo.
Curiosidade sobre o santo negro
Apesar do dia de São Benedito ser comemorado na data de 5 de outubro, Paracatu é a única cidade que, tradicionalmente, o faz no dia 29 de junho.
Conta a história que antigamente a arquidiocese de Paracatu era em Pernambuco. Então, no mês de junho mandava-se um padre daquele Estado até a cidade mineira para celebrar o dia de Santo Antônio, padroeiro da cidade. Na ocasião, aproveitava-se para fazer também o São João. Assim, como a população afro-descendente paracatuense já era bem significativa desde aquela época – hoje é formada por quase 80% de negros – a comunidade pediu ao padre para que voltasse na data de celebração do dia de São Benedito, o padroeiro dos negros.
No entanto, os sacerdotes superiores não deixariam. Mesmo assim, acharam uma solução. No dia 29 de junho, um dia antes de o padre ir embora, ele celebrou a primeira missa ao santo. E, desde então, prosseguiu-se uma tradição de mais de 200 anos, conhecida e reconhecida por além das fronteiras das Minas Gerais. Assim, Paracatu virou um ícone da religiosidade católica e a procissão de São Benedito das Flores, que existe desde 1799, reúne um público de mais de 15 mil fiéis e turistas de várias regiões mineiras e goianas.
Atualmente, a estátua de São Benedito fica reservada dentro da igreja de Nossa Senhora do Rosário (ou dos Pretos), construída em 1744, e simboliza até hoje, a luta contra a escravidão e o preconceito racial.
Além de monumentos do passado, com construções coloniais e lembranças históricas, Paracatu oferece ainda, uma das mais vivas e ricas histórias da cultura brasileira. A verdadeira cultura descendida da África, e hoje, representada pelas comunidades de remanescentes de escravos que ainda tentam viver, ou melhor, sobreviver na região.