Notícias
Quilombola Mesquita é homenageado por participação na construção de Brasília
Sinfrônio, Onélia e outros dois candangos posam para fotos ao lado do governador
Por Daiane Souza
Aos 87 anos, o quilombola Sinfrônio Lisboa da Costa, foi homenageado na sexta-feira (20), durante a cerimônia de reinauguração do Catetinho, primeira residência do fundador da capital federal, Juscelino Kubitscheck. O evento marcou a abertura do espaço para visitação depois de quase um ano em obras. A restauração do conhecido como Palácio de Tábuas foi um presente para a cidade que completou 52 anos no último sábado (21).
Morador do Quilombo Mesquita, Costa e outros 59 trabalhadores que participaram dos primeiros anos da cidade foram condecorados pelo governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz. “A restauração e a participação dos pioneiros em um momento como esse é um presente. Um marco que representa o resgate da história de Brasília e do país”, afirmou.
Para o diretor do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Cultural Palmares (FCP), Alexandro Reis, é importante que o Estado reconheça a participação dos quilombolas no desenvolvimento da sociedade desvinculando-os de um histórico remetido apenas ao colonialismo. “Deve-se destacar sua contribuição também na contemporaneidade”, disse. “Sua relevância precisa ser notada também em outras etapas do processo histórico, como nesse caso, onde o foco foi a capital do país”, completou.
O último – No Catetinho, Costa que na época tinha 31 anos pregou as tábuas que hoje formam as paredes e montou o telhado. Mas antes disso, o quilombola e outros sete companheiros foram os primeiros operários da construção de Brasília a pedido do então presidente, antes mesmo da chegada dos candangos em 1956. Foram eles os construtores das primeiras cantinas, hospedagens, refeitórios e escritórios da chamada Cidade Livre, hoje Núcleo Bandeirante.
Esses espaços foram as estruturas para os trabalhadores que viriam de outros estados até que a obra ganhasse força e as cidades fossem estabelecidas. Sete dos amigos faleceram e somente Costa vive para lembrar a participação do Quilombo nos primeiros instantes de Brasília. “Por muito tempo a nossa colaboração ficou esquecida. Sou o último para contar o que aconteceu naquela época e já estou com 87 anos”, disse.
Reconhecimento – O governador Agnelo Queiroz e seu vice Tadeu Filipelli, entregaram medalhas aos pioneiros. Para Sinfrônio Lisboa da Costa, que tem orgulho de fazer parte dessa história, o único incômodo foi que o reconhecimento demorou a acontecer. Durante a celebração, ele lembrou dos amigos que como ele mereciam estar ali naquela sexta-feira. “Eles também tinham que ser reconhecidos, mas não puderam esperar”, lamentou.
Convidada a participar das comemorações, a quilombola Onélia Pereira Braga, 75, foi uma das responsáveis pelo preparo diário do alimento para os trabalhadores da grande obra. Impressionada com a dimensão do sonho de JK, hoje avalia as proporções do que assistiu durante os últimos 52 anos: “Aqui era só cerrado e tinha muitos animais. Hoje eu ando e só vejo casas”, diz. “Tudo se desenvolveu muito, mas também aumentou a violência e isso também afeta o Mesquita”, alertou para as consequências do progresso.
Quilombo Mesquita – Mas a participação dos quilombolas na construção de Brasília não se resumiu à carpintaria. Por muitas vezes Costa hospedou Kubitscheck e o engenheiro Bernardo Sayão em sua casa. Segundo ele, os dois consideravam o Quilombo um ponto estratégico. “Era o mais próximo de onde foi feito o Marco Zero e também das obras da estrada de ferro que hoje atravessa a região”, conta.
Com a chegada de grande quantidade de nordestinos, o Quilombo Mesquita se fez responsável pelo aumento da produção agropecuária a fim de garantir a subsistência dos novos moradores até a sua adequação. “Todos os dias trazíamos carroças e carros de boi cheios de frutas, verduras, carnes, leite e doces”, afirma Costa, lembrando que a distância entre o Quilombo e a cidade corresponde a cerca de 30 quilômetros.
Não esquecendo das décadas de dificuldades enfrentadas pelos mesquitas, Costa não teve receio. Em conversa com o governador cobrou a indenização de 704 hectares de terras pertencentes ao Quilombo Mesquita em local onde hoje existe a Região Administrativa de Santa Maria. Atencioso em relação à questão e considerando a certificação de auto-definição concedida ao Quilombo pela FCP em 2006, o governador agendou audiência visando solucionar o problema.