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Ponto de Cultura Afro comemora primeira fase de oficinas
Oficina Bonecas Negras
O Ponto de Cultura Fala Negra, localizado em Paracatu – Minas Gerais, encerrou nessa segunda-feira (04/08), a primeira etapa das atividades de oficinas afro-culturais voltadas às comunidades quilombolas da região.
Com a casa cheia, a festa de encerramento foi marcada pela animação dos alunos da oficina de sanfona, que mostraram um pouco do que aprenderam nesses últimos meses.
O Ponto de Cultura funciona desde maio com atividades diárias de capacitação e formação cultural destinada ao desenvolvimento profissional e social dos membros das comunidades quilombolas locais.
Nesses três meses, foram realizadas oficinas de flauta, sanfona, bonecas negras, silk-screen e decupagem. Entre os destaques está a oficina de bonecas negras, que visa modificar o conceito que as crianças têm de brinquedos, produzindo bonecas com características africanas.
O objetivo dessa oficina é valorizar a cor negra e levar às crianças brinquedos que as identifiquem com elas mesmas, como os cabelos encaracolados e as roupas, evitando qualquer preconceito futuro em relação à cor da pele delas. A idéia surgiu em conjunto entre a professora Aliancita Rabelo, da comunidade dos Amaro e o presidente do Instituto Fala Negra, Dario Alegria. “Eu já fazia bonecas, mas não eram negras. Então, Dario me convidou pra ministrar as aulas, mas pediu pra eu ensinar a fazer as bonecas com cor negra”, conta a professora.
E assim foi. Nesses últimos meses, Aliancita formou mais de 20 alunas quilombolas na arte de confeccionar bonecas, capacitando-as até mesmo para uma nova profissão, já que a venda das bonecas pode gerar uma boa renda. A professora explica que esse trabalho não foi importante só para as alunas, mas também pra ela. “Essa oficina foi muito importante, pois sou negra, sou da família dos Amaro, faço parte da comunidade quilombola e esse trabalho uniu a nossa família e as outras comunidades. Isso fortalece nossa cor”.
Ana Eugênia, da comunidade Santana, tem a mesma opinião: “Também acho que essa oficina preserva nossa cor, nossa cultura, a cultura negra. Os ensinamentos servem pra continuar essa preservação”. Mas não é só isso, além de valorizar a cor dos quilombolas, a oficina serve igualmente para capacitá-los em busca de geração de renda. E quanto a isso, Ana Eugênia não tem dúvida alguma: “Pretendo aprender para vender todas as bonecas. Fazer uma renda, né?”.
Opinião um pouco diferente tem Silvia Cristina Pereira, também do quilombo Santana. Ela não pretende tornar o aprendizado uma fonte de renda, mas sim, passar a diante as técnicas aprendidas. “Adquiri muito conhecimento, aprendi tudo, da base ao acabamento, mas não pretendo trabalhar com isso. Mas vou passar esses ensinamentos pra minha filha, pra ela manter o valor cultural da nossa cor”, explica.
Outro curso muito procurado foi a oficina de flauta. Com duas turmas de 30 alunos, o professor Alexandre Patrício entende que essa é uma ocasião interessante para as crianças participarem. “A música é uma arte milenar e é importante os alunos entrarem em contato com essa área, seja para aprenderem outros instrumentos ou mesmo, para desenvolver a inteligência”, relata.
Oficina para todas as idades
Nas aulas de bonecas negras participaram alunas de todas as idades. Exemplo disso é dona Marlene Monteiro, 67 anos, pertencente à comunidade do Cercado.
“Aqui (na oficina) aprendi a confeccionar as bonecas, nunca tinha feito uma antes. Achei isso muito importante, pois posso gerar renda familiar com a venda dessas bonecas e também, posso passar o conhecimento para as outras pessoas da minha comunidade”, explicou ela, enquanto segurava orgulhosamente, Antônia Ferreira e Celina Ferreira Couto, as duas bonecas que produziu durante a oficina e que já tratou de colocar até sobrenome.
Outro bonito exemplo de persistência vem da oficina de sanfona. Lá diferentes gerações se encontram em prol da cultura e do aprendizado.
Adão Luis, 47 anos, diz ter aprendido a tocar violão e sanfona na marra durante esse anos todos. “Nunca tive oportunidade de aprender e agora, aproveito pra trazer meus meninos, para que aprendam a tocar direitinho”, contou. Os filhos de Adão Luís – Alison, de 7 anos e Adílson, de 15 – também participam das aulas e são destaques da turma. Chamam a atenção já que tão novos e com pouco tempo de prática, já conseguem tocar um dos instrumentos mais difíceis de se aprender.
E oportunidade era o que faltava para Joaquim Pedro e José Martins, da comunidade do cercado. Seu Joaquim, 60 anos, explica que nunca teve oportunidade antes, mas agora, corrigi os erros que aprendeu errado. “Nunca tive oportunidade na minha adolescência, mas estou tendo aqui hoje. Acho bom participar, pois vi que aprendi a tocar errado e agora estou corrigindo e melhorando bastante”.
Já seu José Martins, de 68 anos, conta que já tocava violão, mas sanfona está aprendendo agora. “Dizem que papagaio velho não aprende a falar. Mas estou aproveitando essa oportunidade. É difícil, mas estou aprendendo um pouquinho”.
Mais oficinas à vista
O Ponto de Cultura está em atividade há apenas três meses, no entanto, já conseguiu capacitar mais de cem alunos em diversos tipos de oficinas, valorizando e ensinado a cultura afro-brasileira para os próprios quilombolas. Mas nada não acabou. Essa foi somente a primeira etapa. Já na próxima semana será dada continuidade às novas oficinas, como edição de áudio e vídeo, percussão e informática master, que visa a inclusão digital dos quilombolas mais antigos que nunca tiveram oportunidade de sequer ver um computador, além da continuidade das oficinas já existentes.
Dario Alegria, coordenador do Ponto de Cultura e presidente do Instituto Fala Negra, explica que apesar dos cursos durarem três meses, os alunos vão continuar trabalhando para que em novembro, no dia da consciência negra, apresentem todos os trabalhos produzidos no Ponto em um evento que será realizado em homenagem a Zumbi dos Palmares.
A novidade, explica Dario: “é que nos próximos cursos, não precisaremos mais contratar professores, pois os próprios alunos que foram formados hoje serão os responsáveis por passar o conhecimento aos próximos participantes das oficinas”.
A segunda fase do Ponto de Cultura que agora se inicia, é a segunda fase do próprio Instituto Fala Negra, que foi o responsável pela criação do Ponto de Cultura em Paracatu. Segundo Dario, “a primeira etapa foi redescobrir os quilombos de Minas Gerais. Nós levantamos 86 comunidades e hoje, muitas delas já estão reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares, sendo seis em Paracatu. Nessa etapa, realizamos vários seminários temáticos e o 1º encontro Quilombola de Minas Gerais, que resultou na criação da Federação Mineira de Quilombolas. Agora, a segunda fase foi a própria criação do Ponto de Cultura e a capacitação dos quilombolas. E não posso deixar de dizer que dependemos e agradecemos o apoio de programas governamentais como os da Fundação Cultural Palmares, já que sem eles, não poderíamos dar continuidade a todos esses projetos”, conclui.