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Personalidades Negras – Elza Soares

Publicado em 08/01/2016 09h00 Atualizado em 11/07/2023 10h58
Personalidades Negras – Elza Soares

Elza Soares nasceu na favela de Moça Bonita, em Padre Miguel, atual Vila Vintém, em 23 de junho de 1937, na cidade do Rio de Janeiro. Filha Rosária Maria Gomes, que trabalhava como lavadeira, e Gomes Soares, que vivia como operário, teve uma infância muito humilde, marcada pela carência, no bairro de Água Santa, também no Rio de Janeiro.

Foi uma garota interrompida, já que, aos 12 anos, por decisão arbitrária de seu pai, casou-se com Lourdes Antônio Soares e, no ano seguinte, tornou-se mãe. A música e o canto, em particular, foram os elementos que garantiam alguma ludicidade a quem tão precocemente tinha sido exposta à vida adulta. Cantava tanto que, segundo ela, “parecia uma cigarra, cantava o tempo todo, ia para todo lugar cantando, incomodava as pessoas. Era chata, cantava o tempo inteiro”. 

Ainda aos 13 anos, decidiu arriscar e participar do show de calouros comandado pelo músico Ary Barroso, o maior e mais renomado programa do estilo entre as rádios do país. Naquele momento, o Brasil era apresentado à personalidade forte e autêntica e ao talento indiscutível e incomparável de Elza Soares. Perante uma figura extremamente simples, mal vestida e de rosto marcado pela pobreza, a plateia passou a rir compulsivamente e o apresentador, com certo desprezo, perguntou de que planeta ela viera, ao que foi respondido prontamente: “Do mesmo planeta seu, seu Ary. O Planeta Fome”. A partir daquele momento ninguém mais riu e Elza, cantando Lama, deixou a todos boquiabertos, inclusive, o anfitrião.

Sua carreira, entretanto, só foi iniciada alguns anos depois, antes disso trabalhou como lavadeira e como operária em uma fábrica de sabão. Com 15 anos sofreu a perda de seu segundo filho e, aos 18 anos, tornou-se viúva, após seu marido ser vitimado pela tuberculose. Desde então, as tragédias familiares fazem parte de sua vida.

Não obstante, com aproximadamente 20 anos, Elza faz seu primeiro teste como cantora, na academia do professor Joaquim Negli, sendo contratada para cantar na Orquestra de Bailes Garan e a seguir no Teatro João Caetano. Em 1958, foi à Argentina acompanhada por Mercedes Batista, para uma temporada de oito meses, cantando na peça Jou-jou frou-frou. Ao retornar, fez um teste para a Rádio Mauá, passando a se apresentar de graça no programa de Hélio Ricardo. Por intermédio do sambista Moreira da Silva foi para a Rádio Tupi e depois começou a trabalhar como crooner da boate carioca Texas, no bairro de Copacabana, onde conheceu Silvia Teles e Aloysio de Oliveira, que a convidou para gravar.

Seu primeiro disco foi lançado em 1960, pela Odeon, e por meio da faixa-título, Se acaso você chegasse (Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins), alcançou logo grande sucesso. O balanço, a síncope e a mescla entre samba e jazz, nítida nesse disco devido ao uso, entre outras técnicas, do scat[1], a colocou entre as pioneiras da bossa nova, o que se torna ainda mais evidente em seu segundo disco, Bossa Negra, lançado em 1961. No ano seguinte, integrou a comitiva de artistas brasileiros que representaram o país durante a Copa do Mundo de Futebol, no Chile. Nesse período, Elza já havia iniciado um romance com Garrincha, jogador de destaque na competição e que garantiu a taça para a seleção brasileira.

Essa relação lhe gerou muita perseguição. Na época, Garrincha era casado e Elza foi acusada de ser uma destruidora de lares, passando a sofrer constantes ameaças, que não se interromperam mesmo durante o período em que a união entre os dois foi oficializada. Casaram-se em 1968, porém após Elza ser ameaçada de morte por meio de um bilhete anônimo, em 1970, o casal resolve sair do país com destino à Itália. Lá permanecem até 1972. Nesse mesmo ano, lança o aclamado Elza Pede Passagem e é homenageada pelo conselho de música popular do Museu da Imagem e do Som, do Rio de Janeiro, com o título de Embaixatriz do Samba.

Elza Soares encantava a todos que a escutavam e, entre as décadas de 1960 e 1970, vivenciou o auge de sua carreira. Desde o seu primeiro registro fonográfico até o ano de 1982, lançou em média um disco por ano, alguns deles trazendo parcerias de sucesso a exemplo da com Miltinho, que resultou na trilogia Elza, Miltinho e Samba (1967, 1968 e 1969) e com o baterista Wilson das Neves (1968). Destacam-se nesse período Bossa Negra e Elza Pede Passagem. Durante a década de 1970, realizou, ainda, turnês pela Europa e pelos Estados Unidos da América.

Contudo, esse período foi também marcado pela dor. Seu companheiro, Garrincha, já enfrentava problemas com alcoolismo e as tentativas de Elza de desviá-lo da rota dos bares eram criticadas pelos amigos do ex-jogador. Sua mãe morre, no ano de 1969, após um acidente de carro, em que sua filha Sara, Garrincha e ela também saíram feridos. Acredita-se que Garrincha dirigia alcoolizado.

No começo dos anos de 1980, após 16 anos de casamento, não suportando mais a luta contra a doença do marido, os casos de violência doméstica que sofrera e buscando proteger o filho, Garrinchinha, de um ambiente familiar conturbado, Elza separa-se do gênio de pernas tortas. Um ano depois, em 1983, já com a saúde bem debilitada pela cirrose, Garrincha vai a óbito.

Apenas três anos depois, um novo acidente de carro e uma nova tragédia em sua vida. Aos nove anos de idade, morre Garrinchinha, seu filho caçula. Desnorteada e sentindo a dor da perda de mais um filho, Elza decide sair do Brasil, reversando-se entre turnês na Europa e nos Estados Unidos.

Seu retorno ao Brasil se deu exatamente nove anos após a morte do filho, em 1995. Dois anos depois, volta a lançar um álbum (Trajetória), desta vez totalmente dedicado ao samba. No entanto, sua carreira só ganha novo fôlego na década posterior. Após a BBC de Londres a descrevê-la como a cantora do milênio e a revista Time Out, como “uma mistura explosiva de Tina Turner com Célia Cruz”, a mídia brasileira volta a valorizar sua obra. Para consolidar seu ressurgimento, em 2002, é lançado o estupendo Do Cóccix até o Pescoço, que conta com músicas de Caetano Veloso, Chico Buarque, Jorge Ben Jor e outros grandes compositores da música popular brasileira. Por este trabalho, Elza foi indicada ao Grammy Latino.

Em 2007, a artista interpretou o Hino Nacional Brasileiro na cerimônia de abertura dos Jogos Pan-Americanos, sediados no Rio de Janeiro, e desde 2008, a vida e obra da cantora é pesquisada pela cineasta e jornalista Elizabete Martins Campos que dirige o longa-metragem “My Name is Now, Elza Soares, filme que está prestes a ser lançado no circuito comercial de cinema.

Em 2015, Elza lançou seu primeiro disco de músicas inéditas, A Mulher do Fim do Mundo, considerado pela crítica especializada como entre os melhores do ano. As canções compostas pelos paulistas José Miguel Wisnik, Romulo Fróes e Celso Sim falam sobre sexo, morte, racismo, negritude e violência doméstica. Segundo Elza, o racismo acompanhou toda sua trajetória, mesmo quando já havia se tornado uma cantora famosa. Em entrevista à revista Donna, concedida em 2014, afirmou:

Sofri várias coisas. Até hoje nunca tive um patrocínio, e acho que isso é um racismo velado. Todo mundo diz: “Essa mulher é incrível, essa mulher tem uma voz maravilhosa”. Mas nunca ninguém disse: “Vou patrocinar essa cantora”. Eu me patrocino sempre, por isso posso dizer que sou dona de mim, trabalho muito.

Diante de tantos desafios que a vida lhe impôs, Elza nunca parou de cantar, pois crê que a música cura e assegura que sua vida, seu descanso e seu lazer estão no palco. Por isso, ninguém ouse de duvidar que, como diz nos versos de Mulher do Fim do Mundo, Elza irá cantar até o fim!

[1] Técnica de canto criada por Louis Armstrong que consiste em cantar vocalizando tanto sem palavras, quanto com palavras sem sentido e sílabas (por exemplo: “la dum ba dum pa”), como usado por cantores de jazz, os quais criam o equivalente de um solo instrumental apenas usando a voz.

Fontes: https://pt.wikipedia.org/wiki/Elza_Soares http://itcanal.com.br/mynameisnow/ http://www.mpbnet.com.br/musicos/elza.soares/ http://revistadonna.clicrbs.com.br/gente/elza-soares-homenageia-lupicinio-em-shows-dispara-velhice-existe-em-cabeca-fraca/  http://www.revistacapitolina.com.br/a-cantora-do-milenio-e-mulher-negra-brasileira-e-feminista-elza-soares/