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O que é que essa MODA tem?
Apesar dos desafios para se inserir no circuito brasileiro das grandes grifes, estilistas e produtores brasileiros de moda afro conquistam espaço e provam que é possível gerar renda e empregos ao unir design e respeito à ancestralidade
Os números não mentem. O Brasil está no ranking dos maiores produtores e consumidores de moda do mundo. O mercado, que movimenta cerca de R$ 136 bilhões por ano no país, está entre as áreas mais promissoras da atual economia. Inserida nesse contexto, a moda afro-brasileira nos brinda com diversos artigos que expressam a afirmação e a valorização das culturas e identidades africanas presentes no Brasil.
São peças, produtos e itens que aliam a preservação da cultura e a sustentabilidade das comunidades e pessoas que as produzem. Mas será que possível desenvolver atividades exitosas no mundo da moda e gerar trabalho e renda para uma comunidade por meio da preservação das culturas tradicionais? A Rede Mauanda, formada por 20 terreiros localizados no município de Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador/BA, provou que sim.
Caso de sucesso – Segundo Eliana Santos, coordenadora dos projetos da Rede, a ideia nasceu da necessidade de preservar a tradição do pano-da-costa, peça fundamental na composição das roupas dos rituais de candomblé que é produzida por tecelãs no Terreiro São Jorge Filho da Goméia. “Com o tempo nós podemos visualizar que não era só o resgate, mas que a tecelagem em si tinha muito potencial de venda pelo valor simbólico que ela agrega”, afirma. “Após obter bons resultados com o pano-da-costa, nós pensamos em criar uma rede que comercializasse os produtos de outros terreiros e despertasse em outras comunidades esse sentimento de valorização da cultura afro-brasileira”, conta Eliana.
Entretanto, apesar da Rede Mauanda ser um case de sucesso da moda afro, Eliana Santos destaca que o racismo ainda é um entrave que os desafios do setor são muitos. “A competição com as grandes marcas é grande e, apesar da demanda crescente, nossa população ainda não tem a consciência de que é preciso consumir os produtos feitos por nós negros”, alerta. “Somente há uns cinco anos, com a participação em políticas públicas, é que nós tivemos chance de nos reestruturar para atuar no segmento de moda”, afirma.
Para a designer e empresária Goya Lopes, a valorização da moda afro-brasileira é, antes de tudo, uma política de afirmação de identidade. Porém, segundo ela, o reconhecimento ainda tem um longo caminho a percorrer. “É necessário que o mercado, as instituições e o público reconheçam a moda afro-brasileira como influência da nossa cultura. Entretanto, o segmento ainda está muito longe de ser aceito dentro de um processo, porque ele exige produção, promoção e uma resposta positiva da mídia”, afirmou.
Ancestralidade e design –Madalena Silva é outro exemplo de sucesso da moda afro-brasileira. Hoje estilista e empresária da moda negra, Madá conta que a valorização da sua identidade é o grande diferencial da sua marca, a Negrife. “A história da Negrife começa com a minha carreira de costureira. Eu nunca tive o hábito de comprar roupas pra mim. Então, quando eu comecei a criar, eu fazia modelos inspirados na identidade e convivência que eu já tinha”, afirma.
Apesar de criar peças para grandes companhias teatrais de Salvador, como o Bando de Teatro Olodum, Madá sentia que ainda precisa de algo a mais. “Eu não tinha qualificação. Eu desenvolvia peças simplesmente peça herança cultural. Aí, quando surgiu o primeiro curso de moda em Salvador, que era Produção de Moda e Estilismo. Logo depois me formei em design de moda. Antes eu produzia moda porque gostava, mas a academia me trouxe a maturidade que meu trabalho precisava”, explica a estilista.
A maturidade profissional de Madá pode ser percebida na Negrife, que cria peças únicas e exclusivas para as suas clientes e emprega indiretamente cerca de 10 pessoas. “Eu não trabalhava com malha, porque eu achava que remetia a uma coisa muito comum e que estava em todas as esquinas.Depois que me profissionalizei, arrisquei e passei a aplicar estampas em malha. Hoje a Negrife possui mais de 40 estampas exclusivas em roupas de malha. É uma identidade que só a minha marca possui”, afirma orgulhosa, deixando claro que a grife não possui estoque e nenhuma roupa possui versões em tamanhos “P”, “M” ou “G”. “Cada peça é única e exclusiva da cliente que compra”,
Madá concorda que se inserir no circuito da moda brasileira é muito difícil, uma vez que o mercado ainda é concentrado no eixo Rio-São Paulo. Para ela a divulgação é o que vai fazer os produtores de moda afro serem reconhecidos. “Nós precisamos de espaço para mostrar o nosso trabalho. Só assim os consumidores vão se enxergar nas peças que produzimos”, alerta. “Eu produzo peças para a mulher do dia-a-dia, que trabalha, que sobe ladeira, que nem sempre quer andar de salto. Essa é a mulher brasileira. Ela só não sabe onde encontrar as roupas que que unem a valorização da sua etnia com design e conforto”, conclui.
Mapeamento – Para a Makota Kizandembu Kiamaza, uma das coordenadoras da Associação Nacional da Moda Afro-Brasileira (ANAMAB), é preciso identificar a cadeia produtiva da moda afro-brasileira. “A partir daí, vamos discutir porque a nossa moda não tem visibilidade no Brasil”, declara. “Quando se fala que a moda brasileira movimenta a economia de forma significativa, é importante questionar porque as produtoras de moda afro não estão inseridas nesse contexto”, alerta a Makota.
Os dados que vão revelar o número de ateliês e estilistas de moda afro-brasileira e qual é a realidade desses produtores já começaram a ser mapeados. O Seminário Moda, Estética Negra e Economia Criativa, realizado nos dias 24 e 25 de outubro, em Belo Horizonte/MG, reuniu cerca de 200 pessoas que produzem, criam, compram e participam ativamente desse segmento.
Lindivaldo Júnior, diretor do Departamento de Fomento e Promoção da Cultura Afro-brasileira da FCP, afirma que o evento foi o primeiro passo para o que deve se tornar futuramente no Censo da moda afro-brasileira. “A partir de agora nós vamos recolher todas as informações, quem são os produtores de moda, quais são as suas experiências e como esse trabalho é desenvolvido”, explica. “No evento, nós não conseguimos mapear todo o segmento, é claro, mas nós abrimos um espaço para que os ateliês e produtores nos informes quem são e onde estão”, afirma o gestor.
1º Seminário – Moda, Estética Negra e Economia Criativa – O evento, realizado pela Fundação Cultural Palmares – MinC (FCP), em parceria com a ANAMAB e a Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Fundação Municipal de Cultura, também debateu o mercado brasileiro de moda afro e a sua relação com a economia criativa e a estética negra.
Se você é produtor de moda afro-brasileira e quer fazer parte do mapeamento das iniciativas de moda negra, entre em contato com a Fundação Cultural Palmares por meio do e-mail dep@palmares.gov.br.