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O legado de Januário Garcia
Januário Garcia foi um profissional que se destacou no registro da cultura negra. Seu trabalho como fotógrafo, publicitário e artista plástico ainda pode ser apreciado em espaços que carregam a memória, arte e cultura do povo afro-brasileiro. Seus documentários carregam a percepção política e sensibilidade à linguagem musical que tinha. Viveu sua vida no Rio de Janeiro, embora mineiro nascido em Belo Horizonte em 16 de novembro de 1943.
Seu amor pelo audiovisual fez com que desde pequeno frequentasse o cinema do bairro. Aos dezesseis anos, ingressou no curso de paraquedismo do Exército Brasileiro. Neste período adquiriu sua primeira câmera, uma Olympus Trip 35 e fotografou seus colegas nos saltos.
Autodidata, aprendeu inglês e frequentou aulas de História no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA/MinC). Consolidado entre os maiores no movimento negro, acompanhou publicações norte-americanas voltadas à cultura negra e à luta pelos direitos civis.
João Jorge Rodrigues, presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), relembra a sua trajetória: "A relevância do fotógrafo e militante negro Januário Garcia, ao capturar os melhores momentos do movimento negro: nas passeatas; nas manifestações; na Serra da Barriga; no Carnaval da Bahia; no cotidiano; na religiosidade; no crescimento do grupo Olodum, dentre os anos 60 aos 2000 foi extraordinário!"
Garcia percebendo a importância de constituir uma memória visual da articulação sociopolítica e reuniões do povo negro, registrou o cotidiano de grupos e suas ações. Tornou-se um dos fundadores do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras em 1975. Exerceu a presidência do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978.
Buscou alertar e sensibilizar o Clube de Criação do Rio de Janeiro sobre situações de racismo em peças publicitárias. Levando a reflexão sobre a forma estereotipada de apresentação de pessoas negras em veículos de comunicação.
Em 1984, fundou o Centro Brasileiro de Informação do Artista Negro junto a atriz Zezé Motta (1944). Mais tarde, produziu capas de discos para os mais renomados artistas, como Leci Brandão, Chico Buarque, Raul Seixas, Belchior e Caetano Veloso.
Viajou pelo mundo, constituindo um grande acervo da população negra da diáspora em cerca de 36 países. Um recorte de seu extenso trabalho fotográfico é apresentado no livro 25 anos do Movimento Negro no Brasil - 1980-2005 (2006).
Após atravessar o Cone Sul da América Latina, desenvolveu a exposição Diásporas Africanas na América do Sul - Uma ponte sobre o Atlântico. A exposição foi inaugurada na embaixada da Nigéria em Abuja e fez parte das ações comemorativas da cúpula de países da África e da América do Sul (AFRAS). Posteriormente, em 2028 foi publicada como livro.
João Jorge acrescenta sobre a importância do fotógrafo: "É de uma contribuição inestimável! Ele foi uma peça fundamental para os 25 anos da Fundação Palmares, ao trazer em seu olhar uma perspectiva histórica nunca antes tão viva na memória de quem aprecia sua arte"
No fotojornalismo trabalhou para grandes veículos de comunicação, como O Globo, Jornal do Brasil, O Dia e Manchete. Também estudou na International News Cameramen Association do Rio de Janeiro. Anos depois, foi professor substituto no curso de fotografia do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/Rio).
"Para o grupo Olodum e para mim (João Jorge), ele ainda se faz presente na memória do povo negro brasileiro, por meio do seu olhar para com a luta do nosso povo", evidencia o presidente da Fundação.
Buscando divulgar o conjunto de sua obra e, principalmente, preservar a memória da vivência negra que ela compreende, Januário idealizou a criação do Instituto Januário Garcia: Documentos e Fotografias de Matrizes Africanas.
A partir de julho de 2020, iniciou a catalogação do trabalho em conjunto com os pesquisadores do Arquivo Edgard Leuenroth da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
"Januário é parte da luta pela igualdade e promoção da cultura negra, pela preservação da nossa memória. Seu legado jamais será apagado, pois Garcia se faz presente!", explica emocionado, João Jorge.
Infelizmente, Januário Garcia faleceu no dia 30 de junho de 2021, no Hospital São Lucas, em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro, aos 77 anos. Foram mais de 50 anos dedicados à profissão, com uma vasta produção que abrange mais de 100 mil fotos, sua trajetória não será esquecida.