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Morre Mário Cravo Neto, fotógrafo – Reconhecido mundialmente por registrar a cultura negra
O ano de 1964, marcado pela perda de liberdade decretada pelo golpe militar no Brasil, abriu janelas na trajetória de Mário Cravo Neto. Ele estava na Alemanha, na companhia do pai exilado, Mário Cravo Jr., quando se viu mergulhado num intenso convívio cultural. Tomada por artistas vindos de todos os cantos, Berlim era convite para o rapaz de 17 anos trilhar o caminho da arte, marcado desde menino nas brincadeiras do ateliê paterno. Para decidir pela fotografia, ele só precisou ouvir Stravinsky reger na Ópera House e testemunhar apresentação de Miles Davis, tocando de costas para a plateia, todo comportado de terno.
— Sempre soube que seria artista, avisava.
Daí em diante, Mário Cravo Neto escreveu história de reconhecimento mundial que se encerrou às 17h de domingo, quando foi vencido por câncer de pele, aos 62 anos. O corpo foi cremado na manhã de ontem, no Cemitério Jardim da Saudade, em Salvador, num clima de comoção entre amigos e familiares.
A morte de Mário Cravo Neto interrompe uma produtiva carreira. Em março, ele, apesar de doente, inaugurou a instalação Bo, no Museu de Arte Moderna (MAM), em que usava fotos da cidade de Salvador de Voltaire Fraga, feitas para a arquiteta Lina Bo Bardi, e sons gravados pela etnóloga Simone Dreyfus na década de 1950.
— As pessoas que conheceram Salvador daquela época vão morrer de saudades, dizia.
Lina Bo Bardi, aliás, era uma das frequentadoras do ateliê do escultor Mário Cravo Júnior, que ficava no bairro de Garibaldi, em Salvador. Ali, o menino viu entrar e sair gênios como Jorge Amado, Carybé, Pierre Verger. O burburinho intelectual ajudou a, como costumava dizer, escancarar “portas do inconsciente” para a atividade artística, que amadureceu, a partir da década de 1970, depois de passar dois anos em Nova York, na Arts Students League, quando experimentou esculpir e fotografar.
A passagem da escultura para a fotografia foi natural. Mário Cravo Neto a associou ao fascínio pela cultura afro-brasileira, o sincretismo e o candomblé, no qual se iniciou religiosamente. Costumava contar que levou sete anos fotografando o mesmo terreiro. As imagens do carnaval, no qual procurou associar os brincantes com arquétipos dos orixás, ganharam o mundo. São recriações poéticas de um olhar apaixonado.
— Cravo Neto foi um inventor da fotografia brasileira, mostrando os tipos baianos, o modo de ver a cidade, as pessoas. Ele construiu um imaginário único sobre a Bahia, observa Boris Kossoy, historiador de fotografia, que conviveu com o fotógrafo por mais de 30 anos.
Além das fotografias e esculturas, Cravo Neto editou diversos livros, como Salvador (1999), Laróyé (2000), Na terra sob meus pés (2003) e O tigre do Dahomey – A serpente de Whydah (2004). O filho Cristian Cravo segue os passos do pai.