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Ministério Público, INCRA e quilombolas da Pedra do Sal voltam a discutir titulação da área na próxima semana no Rio de Janeiro
Brasília, 12/6/07 – Um novo encontro entre Ministério Público, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e integrantes da Associação dos Remanescentes do Quilombo Pedra do Sal (Arqupedra), no Rio de Janeiro, a ser realizado na próxima terça-feira, 19 de junho, no Ministério Público do Rio de Janeiro tentará dar encaminhamento a titulação da área quilombola, localizada no bairro da Saúde, na zona portuária da capital carioca. O impasse veio a público após a veiculação de reportagem pela Rede Globo de Televisão (Jornal Nacional), na edição do dia 25 de maio último. A Ordem Terceira da Penitência, sociedade religiosa e beneficente ligada à Igreja Católica afirma ser proprietária de 130 imóveis localizados em torno da Igreja de São Francisco da Prainha, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN/MinC), situado na área onde vive hoje 10 famílias de remanescentes do quilombo da Pedra do Sal.
Em reunião realizada nesta segunda-feira (11) na sede da instituição, em Brasília, entre o presidente da Fundação Palmares, Zulu Araújo, dirigentes da fundação e o presidente da Arqupedra. Damião Braga Soares dos Santos, o caso foi discutido, com a apresentação de todas as peças processuais que envolvem a certificação e o pedido de titulação, o qual está envolvendo o INCRA e o Ministério Público carioca. Damião veio solicitar a participação da Palmares na reunião do próximo dia 19, pois considera que a presença da entidade, que emitiu a certidão de auto-reconhecimento aos quilombolas é de fundamental importância para somar a luta pela titulação da área.
O dirigente conta que a luta pela posse da área quilombola vem trazendo desgaste a toda a comunidade. Damião citou o caso de antigos moradores que até já deixaram a área, assustados com o litígio envolvendo o grupo e a Igreja Católica. O presidente da Arqupedra diz que a área exigida para a titulação não inclui a Igreja da Prainha. “Não entendo o porque da reclamação sobre o espaço da capela. A Igreja da Ordem Terceira fica no centro do Rio de Janeiro e até agora a sociedade católica não deixou claro o porque de estar reivindicando todo um espaço o qual não lhe pertence”, disse Damião, lembrando que a instituição está argumentando que precisa dos imóveis para implantar um projeto social, algo que, de acordo com o dirigente quilombola, é desnecessário, pois a Ordem Terceira dispõe de outros espaços pelo Rio e Grande Rio.
Damião concluiu a sua participação no encontro chamando atenção para o fato de se preservar não só os imóveis. “Garantir a titulação da Pedra do Sal é garantir a guarda de uma história de resistência para todo o povo negro. Ele afirmou que a luta dos quilombolas da área não irá parar. “Caso não haja acordo entre todas as partes envolvidas, vamos (quilombolas da Pedra do Sal) ingressar com ação civil pública junto a Justiça para exigir o cumprimento do Decreto 4.887, visto que é um instrumento legal de garantia para a posse da terra”, confirmou. O presidente da Fundação Cultural Palmares, Zulu Araújo, que já havia se pronunciado sobre o caso em entrevista à Rede Globo de Televisão, garantiu total apoio aos quilombolas da Pedra do Sal e irá indicar um representante da instituição para acompanhar a reunião do próximo dia 19 no Rio de Janeiro.
Entenda o caso:
A Ordem Terceira da Penitência afirma ser proprietária de todo o espaço após receber os mesmos de herança de um padre há mais de 300 anos. Os quilombolas dizem que na verdade a polêmica começou a se acirrar em 1999 quando o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, anunciou a realização de um projeto de revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro, o qual incluiria ações de restauro e modernização da área onde está localizada também a área da comunidade quilombola. A partir da valorização dos terrenos, cujo metro quadrado fora estimado ficar em torno de US$ 5 mil a partir da revitalização aumentou a cobiça tanto do setor imobiliário quanto da própria Ordem Terceira, que anuncia utilizar os imóveis para compor um projeto social com benefícios para mais de 40 mil pessoas.
A Comunidade Quilombola da Pedra do Sal recebeu a certidão de auto-reconhecimento da Fundação Cultural Palmares/MinC no dia 12 de fevereiro de 2005. A certidão é o passo inicial para a promoção das ações de identificação, reconhecimento e titulação de terras quilombolas, conforme garante o Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003. Cinco famílias participaram do processo de certificação feita em conjunto com a Fundação Cultural Palmares. Mas um primeiro certificado, emitido de forma preliminar foi feito pelo então secretário de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, à época, Darcy Ribeiro, no dia 20 de novembro de 2004. Em 27 de abril de 1987, o governo do Estado do Rio de Janeiro deferiu a certificação da área e as demais ações em favor da certificação da área da Pedra do Sal se estenderam com a produção de peças para a comprovação da área, como laudo antropológico deferido pelo Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi com todas estas comprovações, apresentadas pelo grupo de moradores, que a Fundação Palmares emitiu a certidão à comunidade.
De porto de escravos a berço do samba carioca:
A Pedra do Sal, que fica no pé do Morro da Conceição, no mesmo bairro, nas cercanias da Praça Mauá, era o local onde os negros foram negociados como escravos logo que desembarcavam no Porto do Rio de Janeiro, vindos da África e da Bahia. Mais tarde, livres, fizeram ali seu ponto para rituais, cultos religiosos, batuques e rodas de capoeira. Sambistas e chorões, como João da Baiana, Donga e Pixinguinha também se reuniam na Pedra do Sal. A Pedra do Sal, assim chamada devido ao sal que ali era desembarcado e comercializado, foi o berço do Samba carioca no final do século XIX. O ponto de encontro do ritmo carioca era um ambiente recheado de inspirações vivas de grupos de samba e ranchos de carnaval.