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DIÁSPORA AFRICANA
Memória, reparação e reconstrução em debate na Bahia
À mesa do trabalhos sentaram-se autoridades brasileiras e do Togo
A potência das falas não deixou dúvidas quanto aos propósitos e impactos da 6ª Conferência da Diáspora nas Américas, aberta nesta quinta (29), em Salvador/Bahia: sob a égide do movimento pan-africanista, reparar violências (físicas, simbólicas) e restituir aos africanos sequestrados e escravizados mundo afora o que lhes foi tomado.
Incluindo a memória, que precisa ser resgatada – e cultivada.
Mas não de forma a “criar um repositório sentimental estático”, como advertiu o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, na solenidade de abertura do encontro, na Reitoria da Universidade Federal da Bahia.
A memória deve ser elemento propulsor para a transformação de povos e nações africanas e diaspóricas, rumo à realização do direito humano ao desenvolvimento, que – considerou – é o grande tema do encontro.
O pensamento foi corroborado pela secretária de Promoção da Igualdade Racial da Bahia, Ângela Guimarães, para quem preservar a memória coletiva, avançar na agenda da reparação e promover o pan-africanismo são parte de um só compromisso.
E ela o disse com a consciência de que o pan-africanismo é muito mais do que uma corrente política ou filosófica: “É a expressão concreta da nossa unidade enquanto povo, independentemente das fronteiras geográficas que nos separam”.
O MOVIMENTO. Importante pontuar que o movimento pan-africanista surgiu na década de 20, na América Central, nos EUA e no Caribe, agregando intelectuais da diáspora, como o sociólogo Du Bois e o ativista jamaicano Marcus Garvey.
Engrossando a fileira da resistência às amarras do colonialismo e do escravismo, artistas e músicos extraordinários, como a bailarina Josephine Baker e os músicos Louis Armstrong, Countie Basie, Duke Ellington e Ella Fitzgerald, entre outros.
Uma dimensão que a ministra da Cultura, Margareth Menezes, fez questão de destacar, reafirmando a cultura como “elemento estratégico na promoção do crescimento econômico sustentável e no fortalecimento das políticas de memória, restituição e reparação”.
PALMARES. Muito aplaudida, lembrou o papel da Fundação Palmares, “que cumpre a missão de salvaguardar a memória da cultura afro-brasileira dentro do sistema do Ministério da Cultura”, ressaltando a liderança de seu presidente João Jorge Rodrigues.
Aliás, quase todos(as) à mesa mencionaram a liderança do presidente da Palmares. De Zulu Araújo, um de seus ex-presidentes, também. Esforço de cultivo da memória coletiva da luta pela igualdade racial, nítido no governo Lula.
Lembrando que a cultura é fonte de desenvolvimento econômico “e está no cerne da economia criativa”, resumiu: “O panafricanismo é um legado de liberdade, emancipação, democracia, justiça social e reparação”.
Um legado que continua pulsante, como se depreende da fala da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco: “Somos desafiados a cada dia a transformar a dor em resistência, a perda em força. E é isso que fazemos, é isso que sempre faremos”.
Desafios constantes, atuais, como os que envolvem as relações entre a África e os territórios da diáspora – a sexta região africana. E que serão enfrentados “sob o signo luminoso do pan-africanismo”, como externado pelo reitor da Ufba, Paulo Miguez.
Miguez lembrou que existem atualmente, na Academia, 13 acordos de cooperação com instituições africanas de oito países — África do Sul, Angola, Benin, Guiné-Bissau, Moçambique, Namíbia, Nigéria e República do Congo.
Acordos que abrangem desde atividades de ensino de graduação e pós-graduação até pesquisa e extensão, promovendo a mobilidade de estudantes e docentes – esboço de um dos vários caminhos de fortalecimento dos “americanos” – ou africanos das Américas.
Último a falar na abertura da conferência, o ministro de Relações Exteriores, Cooperação e Integração Africana, Robert Dussey, agradeceu publicamente, em nome do presidente da República Togolesa, ao Presidente Lula, pelo acolhimento da conferência.
E fazendo um exame do processo de falsificação da história, que faz com que os negros desacreditem em sua produção intelectual, garantiu: “Na origem estava o negro!”. E prometeu: “Amanhã também estará o negro”!
Foi ovacionado.
Etapa preparatória
Primeira a ser realizada fora da África, a 6ª Conferência da Diáspora Africana nas Américas é etapa preparatória para o 9º Congresso Pan-Africano, que ocorrerá no Togo de 29 de outubro a 2 de novembro de 2024, sob o tema "Renovação do Pan-Africanismo e o Papel da África na Governança Global: Mobilizar Recursos e Reinventar-se para Agir".
O Brasil, que possui a maior população negra fora da África e acumula duas décadas de políticas voltadas para a promoção da igualdade racial, foi escolhido pelo Alto Comitê Ministerial da União Africana sobre a Década das Raízes Africanas e da Diáspora para sediar o encontro.
Organizada pela União Africana e governo do Togo, em parceria com o Governo Federal e o Governo do Estado da Bahia, com o apoio da Universidade Federal da Bahia e do Instituto Brasil-África, reúne representantes de mais de 50 países, entre chefes de governo e de estado e lideranças da sociedade civil.
As atividades do primeiro dia da conferência aconteceram, pela manhã, na Reitoria da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Após a abertura, aconteceram diálogos temáticos e vivências culturais afro-brasileiras, com palestras de:
- Dr. Gnaka Lagoke (pan-africanismo). Professor assistente de História na Lincoln University, fundador da Africa Alliance for the 21st Century e especialista em conferências internacionais e atividades comunitárias.
- Dra. Helena Theodoro (memória). Professora visitante no Programa de Pós-Graduação em Filosofia do IFCS/UFRJ e cátedra Maria Firmina dos Reis no CBAE/UFRJ, com destaque na pesquisa e divulgação da cultura afro-brasileira e dos direitos humanos.
- Dra. Thula Pires (memória). Doutora em Direito Constitucional pela PUC-Rio, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Direito e NIREMA, com foco em temas ladino-amefricanos e afrodiaspóricos.
- Dra. Barryl Biekman (Reparação e restituição). Ativista e política formada em pedagogia pela Rijksuniversiteit Leiden, coordenadora de projetos entre Suriname e Haia e presidente do Landelijk Platform Slavernijverleden.
- Yolian Ogbu (reconstrução). Ativista jovem e estudante de Ciência Política e Comunicação na Universidade do Norte do Texas, com ênfase em engajamento cívico entre jovens e mulheres.
À tarde, coordenadas pelo presidente da Fundação Cultural Palmares, João Jorge Rodrigues, aconteceram visitas guiadas à Sociedade Protetora dos Desvalidos; à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e ao Museu Nacional de Cultura Afro-brasileira. Na sexta (30), as atividades ocorrem no Hotel da Bahia.