Notícias
Mapeamento trará mais segurança a terreiros
As comunidades de religião de matriz africana receberam com expectativa o Mapeamento dos Terreiros do Distrito Federal, que está sendo realizado pela Fundação Cultural Palmares (FCP), vinculada ao Ministério da Cultura (MinC), em parceria com a Universidade de Brasília (UnB). O estudo vai ajudar na definição de políticas públicas para promover o acesso a serviços sociais e o combate à intolerância.
Dados preliminares da pesquisa mostram a existência de aproximadamente 350 terreiros no DF. Duzentos e cinqüenta desses já receberam a visita da equipe do Mapeamento. A primeira fase do trabalho começou no dia 5 de junho e seguiu até terça-feira, 31 de julho. As atividades recomeçaram em 16 de outubro e vão até 31 deste mês.
Os representantes dos terreiros responderam 19 perguntas sobre assuntos como nome da nação à qual o terreiro pertence, quem é a liderança e projetos culturais e sociais promovidos. A cartografia do Mapeamento trará localização geográfica precisa dos terreiros, formando um banco de dados com referências espaciais, registro da fachada e outras informações.
Na opinião do presidente da Fundação Cultural Palmares, Erivaldo Oliveira, é necessário que as religiões afro-brasileiras tenham espaços e direitos garantidos, como as outras crenças. “Mapear é necessário para sabermos quanto somos. As pessoas não entendem o que acontece em um terreiro. Para enfrentar esse preconceito, estamos disseminando o ensino da cultura afro nas escolas públicas com o projeto Conhecendo a Nossa História: da África ao Brasil, que inclui capacitação de professores para abordar temas como racismo e intolerância religiosa junto aos alunos”, conta Erivaldo. Para o presidente da FCP, o Mapeamento deve ajudar a tirar os terreiros do gueto. O projeto, que acontece em caráter piloto no DF, será levado a outras unidades da Federação em 2018.
A chefe da Divisão de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro da FCP, Adna Santos, conhecida como Mãe Baiana, já sofreu com a intolerância. Há dois anos, o seu terreiro, o Ylê Axé Oyá Bagan, localizado em uma região próxima do Lago Norte, foi destruído devido a um incêndio criminoso. O episódio motivou o Governo do Distrito Federal (GDF) a criar a Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin).
Mãe Baiana acredita que o Mapeamento permitirá que políticas públicas como saneamento básico passem a beneficiar os terreiros. “A eletricidade só chegou aqui em 2012 e até hoje não temos água encanada. Precisamos comprar de caminhões-pipa”, revela. “O Mapeamento vem para afirmar que queremos nossos direitos. Precisamos do agente de saúde nos visitando para ver se tem foco de mosquito da dengue, entre outras ações”, assinala Mãe Baiana.
Responsável técnico pelo Mapeamento, o chefe de Cartografia do Departamento de Geografia da UnB, Rafael Sanzio, explica que o trabalho utiliza tecnologia para obter informações precisas sobre os terreiros. “A Academia participa desse projeto com objetivo de contribuir para melhorar a vida dessas pessoas. Os dados vão apoiar as autoridades na definição de políticas públicas que proporcionem mais segurança às comunidades”, afirma Sanzio.
Vítimas da intolerância
O religioso Pai Kajamungongo conta que sofreu bastante com a intolerância e o preconceito. “Jogavam pedra em nosso telhado e até bombinhas. No dia de Cosme e Damião, pessoas, por ignorância, não deixavam as crianças comerem os doces que distribuíamos, dizendo que eram coisa do diabo”, relata. Na opinião do Pai Kajamungongo, o Mapeamento pode ser uma ferramenta para desfazer estereótipos, já que os povos de terreiro muitas vezes são descritos de maneira pejorativa.
Pai Nino D’Osumaré, do terreiro Ylé Asce Sitomei, relata situações desagradáveis pelas quais passou devido à intolerância. “A gente desenvolvia um trabalho social em nosso centro, mas quando a vizinhança descobriu que se tratava de um terreiro, começaram a nos ver de forma diferente, não muito positiva”, lembra. “O mapeamento é importante porque permitirá que os irmãos se unam em uma única força, com um objetivo comum, enfrentando todo esse preconceito”, afirma Pai Nino.
Para Mãe Oya Delamase, o Mapeamento tende a romper com estigmas. “É preciso aparecermos, para nos incluirmos na sociedade. Somente com uma política pública vamos garantir a proteção e a integridade dos nossos lares”, observa.
Já o Pai Mejitór Geovane Bessén, do terreiro Kwe Dan Faleimeji, diz que a intolerância provoca o medo, o que enfraquece os povos de terreiro. “Terminamos privados da liberdade, mas não podemos nos calar e nos esconder. O mapeamento se torna essencial, pois permite o resgate da nossa cultura e história, para que saibam que nós existimos e somos seres humanos como todos os outros”, afirma Geovane. “Preconceito não traz conhecimento e sim informações passadas de forma incoerente. Procurem saber do que se trata antes de nos atacarem. Antes de tudo, nos respeitem”, pede o religioso.