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Manifestações culturais e criações artísticas nas comunidades quilombolas
Por Jacqueline Freitas
“A promoção e proteção das criações artísticas, dos bens culturais e dos registros da memória das comunidades quilombolas”. Este foi o tema discutido no seminário Quilombo Vivo, na tarde da última quarta-feira(14). Entre os palestrantes estavam Sérgio Mamberti e Josilene Brandão, das secretarias de Políticas Culturais e de Diversidade e Cidadania Cultural, do Ministério da Cultura, e a professora Ilka Boaventura Leite, coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Identidades em Relações Interétnicas da Universidade Federal de Santa Catarina.
Sérgio Mamberti – contemporâneo de ícones da cultura afro-brasileira como Abdias do Nascimento e Solano Trindade, com quem conviveu de perto – apresentou em linhas gerais os aspectos do Plano Nacional de Cultura e destacou a importância e, ao mesmo tempo, a dificuldade de levar os saberes tradicionais a serem tão reconhecidos quanto os saberes acadêmicos.
Seguindo a linha de apresentação do secretário de Políticas Culturais, Josilene Brandão ressaltou a necessidade de escutar as comunidades quando se pensa em elaboração e desenvolvimento de políticas públicas. “Quem diz quais são as referências culturais é a comunidade, e não nós. É preciso respeitar seus ciclos festivos, seus ritos, mitos e simbologias, seus acervos sagrados. Tudo isso constitui seu patrimônio cultural”, destacou.
Josilene ainda acrescentou que quando se fala em quilombola, não podemos esquecer que a terra é um de seus elementos de identidade e, por isso, ela é um aspecto cultural que nunca pode ser dissociado dos demais. “Ações como o tombamento de quilombos devem ser complementares à regularização fundiária para que se possa proteger e preservar a cultura dessa população”, afirmou.
Arte quilombola – Dedicando-se aos estudos e ao ensino da cultura afro-brasileira, a antropóloga Ilka Boaventura identifica uma trilogia na questão quilombola nos dias de hoje: educação, trabalho e terra. Atendo-se à qualificação profissional, ela questionou o artesanato nas comunidades remanescentes de quilombos: “O que predomina é a produção em série, direcionada à indústria do turismo. Mas será que tem de ser assim? Penso que investir em qualificação é o que realmente muda essa condição”.
Para embasar seu argumento, Ilka Boaventura fez uma breve retrospectiva histórica, lembrando o Brasil Colonial. “Dessa época saíram os maiores artistas que o país passou a conhecer. Escultores, artífices, escritores, músicos… a expressiva maioria era de negros escravos e, depois, seus filhos e descendentes”. A professora mostrou como exemplo uma pintura da época, que retratava a entrega do plano urbano da cidade do Rio de Janeiro ao então governador da província. O urbanista contratado para a tarefa foi o Mestre Valentim, homem negro responsável por grande parte do que ainda hoje existe na capital fluminense. “Esse e outros artistas só se transformaram no que foram porque receberam educação. Por isso, defendo que a arte quilombola deve ser pensada no seu sentido mais pleno, e não para reproduzir subalternação”, argumentou a antropóloga.
Vozes quilombolas – Durante evento, a professora Waldicéia Silva, que leciona História e Geografia e também preside a Aliança de Negras e Negros Evangélicos do Brasil e o Conselho de Negras e Negros do Brasil e do Distrito Federal e Entorno, reivindicou a inclusão da história dos quilombos como um todo nos livros didáticos: “O conceito mais difundido é de que apenas existiu o Quilombo dos Palmares”, disse.
Remetendo-se ao nome do seminário, o coordenador estadual das Comunidades Quilombolas da Bahia, Valmir dos Santos, enfatizou: “Não existe quilombo vivo se não houver a regularização da terra”. Antonio Bispo, quilombola piauiense, afirmou que a melhor forma de promover a nossa cultura “é não desmantelá-la”. Adalmir José, de Pernambuco, entende que não é possível discutir cultura “sem discutir o nosso território”.