Notícias
Mãe Stella de Oxóssi: 90 anos de vida, sete décadas de lutas contra a intolerância
Considerada uma das mais importantes defensoras da cultura negra no Brasil, a yalorixá Stella de Azevedo dos Santos, Mãe Stella de Oxóssi, se prepara para mais um momento especial de sua vida. Às vésperas de completar 90 anos, a matriarca de uma das mais reconhecidas casas de religiosidade de matriz africana do país, o Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, desmitifica o candomblé, fala sobre ancestralidade e sobre a valorização e humanização social.
Em tão respeitável data, a Fundação Cultural Palmares (FCP/MinC) ressalta a importância de Mãe Stella, não apenas como líder espiritual, mas também no campo intelectual, onde desempenha importante papel pela igualdade racial e pelo respeito mútuo entre as religiões. Recém-nomeada, a presidenta Cida Abreu destaca que, pelos próximos quatro anos, a Fundação estará fortemente atuante para o combate à intolerância religiosa.
Stella, nascida em 2 de maio de 1925, em Salvador-BA, soube cedo que deveria ser iniciada na religião e que seu caminho seria o de yalorixá. Iniciada aos 14 anos por Mãe Senhora, foi designada sacerdotisa de Oxóssi, o orixá da caça e da natureza. “É a Oxóssi que rogo que me abasteça de sabedoria para entender as fraquezas de muitos de meus filhos e também orientá-los”, diz.
Inspiração ao povo de santo de todo o país, é também reconhecida internacionalmente, especialmente na África. Cidadã consciente dos seus deveres, sempre defendeu diálogo e a educação como possibilidades ao combate às diferenças. “O que existe de mais doloroso é a discriminação entre iguais. A sabedoria não tem cor e não pertence a nenhuma raça específica”, ressalta.
Lição de respeito e lealdade – De acordo com Mãe Stella, todo e qualquer preconceito só pode ser superado através do conhecimento. “A intolerância religiosa parte da discordância de outras religiões e crenças em relação às práticas de matriz africana. O candomblé não é uma crença, é uma prática religiosa”, afirma Mãe Stella.
Preocupada com os destinos da religião, a sacerdotisa que tem como uma de suas habilidades a oratória se utiliza de ferramentas da comunicação para alcançar adeptos do candomblé, mas também, esclarecer e divulgar seus valores filosóficos com o objetivo de combater o extremismo religioso.
Serena e sensata em um país que se intitula laico, a yalorixá afirma que sua luta é, e sempre será pela equidade de direitos. “Não é nosso interesse forçar alguém a crer em nossas verdades, mas é nossa obrigação fornecer subsídios para que as pessoas ampliem seus conhecimentos, a fim de que seus corações possam ficar cada vez mais livres de preconceitos, mais purificados”.
Celebração – A festa em homenagem à matriarca acontecerá neste sábado (02), a partir das 19h, no Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, localizado no bairro de São Gonçalo do Retiro. Estarão presentes representantes de religiões de matriz africana, artistas e autoridades. A organização conta com apoio das secretarias estaduais de Cultura (Secult), de Políticas para Mulheres (SPM), de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), da Administração (Saeb) e da Casa Civil.
Indagada sobre quantos anos mais espera viver, com sabedoria a Mãe responde apenas que não importando a idade, um bom presente seria ver uma humanidade que se entendesse e se valorizasse. “Não sei se vou alcançar, mas minha felicidade seria uma humanidade onde um respeitasse o outro para ser respeitado, pois quem agride ao próximo não se respeita”, destacou.
Condecorações – Autora de oito livros e de inúmeros artigos foi a primeira yalorixá a escrever sobre religiosidade e saberes de matriz africana. Na maior parte de suas obras, busca a desmitificação dos orixás. “Todo descendente de africano já tem por osmose essa coisa de orixá. É uma herança que cultuamos, uma força espiritual que cada um tem no sangue, na mente, no pensamento”, explica.
Por suas obras, recebeu diversos prêmios literários, sendo considerada “imortal” pela Academia de Letras da Bahia (ALB), onde ocupa a cadeira 33, que tem como patrono o poeta, escritor e abolicionista Castro Alves. Já como defensora da cultura negra, recebeu homenagens como o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb), o troféu Esso para escritores negros, a comenda Maria Quitéria, o troféu Clementina de Jesus, a comenda da Ordem do Cavaleiro (pelo Governo do Estado da Bahia), e a comenda do Mérito Cultural (pela Presidência da República).
A yalorixá está entre os grandes nomes do candomblé, tais como os de Mãe Aninha de Afonjá, Mãe Menininha do Gantois e da própria Mãe Senhora de Oxum Muiwà. Mãe Stella não chegou a ter filhos biológicos, mas como líder espiritual é mãe de mais de 1.000 filhas de santo que repercutem seu legado de luta pela igualdade.