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Lei 10.639 foi tema de debate no 2º dia do Seminário sobre Intolerância Religiosa
Durante o período da manhã da última sexta-feira, os debates do Seminário Políticas Públicas e Intolerância Religiosa, realizado pela Federação Brasiliense de Umbanda e Candomblé e apoiado pela Fundação Cultural Palmares – giraram sobre a implementação da lei 10.639 (que obriga o estudo da história e cultura da África e dos afro-brasileiros nos ensinos fundamental e médio) e a importância do papel dos professores na educação infantil para o combate ao preconceito religioso e discriminação social.
Um dos organizadores do evento, pai Ribamar, ressaltou que o Seminário quer chamar a atenção dos governantes para a falta de políticas públicas voltada às religiões de matriz africana, bem como, para a solução da questão da Prainha, considerada um local sagrado para os praticantes da umbanda e do candomblé.
Os professores Agnaldo Cuoco Portugal (doutor em filosofia da religião pela UnB) e Táta Francisco N´Gunzentala participaram da primeira mesa do dia, explanando sobre o ensino religioso e a lei 10.639.
Agnaldo Portugal fez um breve histórico sobre o surgimento das religiões e a educação do ensino religioso dentro das escolas. O professor reconheceu o valor das manifestações afro-brasileiras explicando sobre alguns dos requisitos para tais manifestações serem consideradas como religiosas. Dentre os principais pontos, colocou:
- apego à tradição;
- existência de narrativas e histórias para ilustrar a realidade, e mitos, para servirem de modelos e darem sentido à ação humana;
- idéia de salvação, preenchendo de forma plena as necessidades fundamentais e existenciais do ser humano;
- existência de lugares e objetos considerados sagrados, como templos, além de rituais, danças, músicas e cantos que obedeçam à ordem da tradição; e por fim;
- a existência de uma comunidade sagrada para coordenar os rituais sagrados.
Todos esses pontos são inerentes a qualquer religião, contudo, nem todas obtêm o mesmo respeito. Por isso, Portugal defendeu que o ensino da disciplina deve abordar igualmente, as principais religiões praticadas no Brasil, e não só a de maior expressão, o que daria ao aluno uma percepção melhor sobre a diversidade religiosa, impedindo o surgimento do preconceito no futuro.
Já Tata Francisco salientou o valor da existência das cotas para negros em universidade públicas: “A cota é para colocar o negro no seu lugar de direito dentro da sociedade, já que vai fazer um recorte educacional que a sociedade nunca permitiu por conta do preconceito”.
Táta relatou também, a importância da educação como construção de uma força política e de organização contra o preconceito, principalmente, contra a religiosidade de matriz africana, que sofre muita discriminação pela sociedade. “A lei 10.639 deve incluir e não excluir, pois não há como se falar na história e cultura do negro sem perpassar pela religião afro, pois essa é a maior força de resistência étnica que tem existido para os negros, mas é também a maior causa de discriminação”, afirmou.
Discriminação essa que Beatriz Cristina, 12 anos, iniciada no candomblé aos 9, relatou-nos ter sofrido em sua escola. “Quando cheguei na minha escola com a cabeça raspada e vestida toda de branco, ninguém falou comigo. Nem as outras crianças, meus amigos, nem os professores e os diretores da escola. Foi muito chato. Acho que esse seminário é importante para esclarecer e tirar dúvidas, para que se conheça melhor a religião”, comentou.
No período da tarde o evento prosseguiu trazendo o tema da intolerância religiosa. Na mesa, estiveram presentes: o professor Wanderson Flor; o assessor da deputada distrital Jaqueline Roriz, Marcos Pato; e o professor doutor Jorge Manoel Adão.
Flor abriu seu discurso atribuindo à sociedade o problema da discriminação religiosa: “a intolerância é um problema de todos e do Estado, que deve garantir que os cultos tenham proteção para se realizar. É preciso que a gente se capacite para resolver o problema e crie diálogos com as outras religiões. Não queremos ser tolerados, mas sim respeitados. Não pedimos favor, é um direito fundamental garantido na Constituição. Isso não deveria ser reivindicação de um grupo”.
Wanderson relatou ainda, que não há leis específicas para se combater a intolerância religiosa e que toda a comunidade deve buscar conhecer as armas de combate, como por exemplo, as instituições a que se pode recorrer na hora da discriminação. “Por isso, devemos levar essas discussões para os espaços jurídicos. Além do mais, é responsabilidade do estado laico proteger e permitir todos os tipos de cultos, pois combater intolerância religiosa não é brigar com outras religiões”, afirmou.
O professor Jorge Adão enfatizou o caráter familiar das religiões afro-brasileiras e a necessidade de compreensão e respeito entre as diversas manifestações de fé. “As religiões de matriz africana são pequenas famílias onde se constroem a identidade e o caráter dos indivíduos. Lá se ensina a compreensão, a harmonia, o amor e a paz” assegurou.
Em seguida, Marcos Pato falou sobre o contexto constitucional da liberdade religiosa, apresentando aos presentes, algumas formas de combater o preconceito e fortalecer os direitos das religiões de matriz africana. “Temos que voltar ao STF, como fizemos ontem (o Seminário começou com uma manifestação do povo de santo em frente ao Supremo Tribunal Federal) – temos que preparar o Supremo e outros tribunais para receber as ações de danos morais por preconceitos raciais e religiosos, a própria Constituição Federal nos reserva esses direitos. Temos que atuar no Congresso Nacional e nos organizar politicamente, mostrar que temos força”.
Encerrando o segundo dia de atividades, Mãe Railda pediu mais apoio para que políticos negros sejam eleitos e possam, dentro das Casas Legislativas, defender os interesses da enorme comunidade afro-brasileira. Por fim, convocou os tambores e convidou a todos para dançar e cantar as orações.