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Jovens baianos vivem dia de cidadania
Foto: Ricardo Prado
A escola estadual Marquês de Maricá, no Pau Miúdo, em Salvador, vivenciou hoje (22) um momento muito especial: recebeu cerca de 200 jovens para falar sobre cidadania. O tema do encontro era `sexualidade sem preconceito` mas a conversa foi além e tratou também sobre cultura, negritude e política.
O público – integrantes do projeto fábrica cultural, mantido por Margareth Menezes, Instituto Cultural Pé de Moleque e Associação Cultural Os Negões – foram recebidos na sede do projeto Adolescente Aprendiz mantido pelo Instituto Beneficente Conceição Macedo (IBNC).
A jornalista Rita Batista iniciou a conversa agitando os jovens com um jeito extrovertido de ser. Brincando, só falou de coisas sérias – sobre filhos precoces e prazer. “Existe muitas formas de prazer, mas na hora do `vamos ver` é preciso usar a camisinha”, lembra a jornalista, que tem um programa na rádio Metrópole na capital baiana, o Rita para maiores e responde perguntas sobre sexualidade pelo e-mail rita.batista@radiometropole.com.br.
Padre Alfredo, coordenador do IBNC atentou sobre DST/AIDS e a obrigação de se fazer exames periódicos. “Existe outros problemas além da gravidez, alguns que levam, inclusive à morte”.
Margareth foi direta: “Ouvi algumas meninas dizerem que tem vergonha de levar camisinha na bolsa porque o menino pode achar que ela está sendo oferecida. Mas, quando a menina fica grávida e o pai some, é geralmente a família dela que a acolhe e se responsabiliza pela criança”.
A cantora ainda falou sobre a valorização e o conceito de amor. “Não dá para imaginar que em três meses é um amor para a vida toda. É preciso pensar na vida que você quer para daqui a quatro ou cinco anos”.
Margareth atentou também para o crescimento econômico do país, ressaltando que isso requer profissionais capacitados. “Vai haver vaga e não vai ter gente para trabalhar porque nossas meninas estão em casa cuidando dos filhos e não foram para a escola. Todos tem que ir para a escola”, disse a cantora, depois de dois shows badaladíssimos em Salvador, um na quarta-feira no Festival de Verão e outro na quinta-feira, no Afropop.
Maria Paquelé, especialista em sexualidade, alertou os meninos sobre a existência de sexualidade, prazer, tesão além dos vinte anos. “Aos trinta, quarenta, sessenta anos também se sente prazer, só que de forma diferente. Ela explicou que a sexualidade é uma energia que vibra em todos os indivíduos em todas as idades. “O neném fica de pinto duro não porque tem tesão pela mãe, mas porque ele está experimentando a sua sexualidade”.
Os seres humanos vivenciam sua sexualidade no corpo e na mente, diferente dos animais que são só instinto. Ela falou também da dificuldade de se falar sobre o tema. “Apelidamos todos os órgãos genitais, mas não fazemos isso com outras partes do nosso corpo, com braços e pernas, por exemplo”.
Quanto ao preconceito, ela disse que isso faz parte do respeito que se tem em relação ao prazer do outro, respeito enquanto uma questão de cidadania, em todos os sentidos. “Quando eu implico com o prazer do outro estou sendo preconceituosa”.
Zulu Araújo, presidente da Palmares, falou da instituição que comanda. “A Palmares é a primeira instituição do governo brasileiro que trata de cultura negra – nossa comida, nossa forma de se expressar, nossas roupas coloridas, fruto de nossas raízes ancestrais”.
Ele lembrou de dois momentos quando esteve meses atrás no Haiti e ficou hospedado no hotel que desabou com o terremoto, e de quando Caetano Veloso – no Pelourinho ao seu lado – escreveu a música o `Haiti Não é Aqui`. A inspiração foi uma briga entre meninos e a chegada da polícia. “Essa barbaridade que está acontecendo lá por causa de comidas e roupas acontece aqui também”.
E o que o Haiti, Salvador e a Palmares tem em comum? “Temos muita coisa em comum. Parte daquela tragédia não é coisa de Deus e ele por si só não vai resolver tudo, não se trata de ter ou não ter fé, mas de que grande parte do problema do Haiti é político e responsabilidade dos seres humanos”, disse Zulu.
Ele explica que o Haiti foi o primeiro país a brigar contra a escravatura e que sempre foi um país de resistência, mas depois que passou a sofrer retaliações dos países europeus, tornou-se um país pobre. Zulu acredita que a forma de se evitar a destruição das raízes é por meio da consciência, a mesma que o Haiti teve quando deu um basta na escravidão. “A cultura é uma arma que bate e não doi”.
Zulu recorda também de como foi a paternidade na sua geração. Conta que era legal fazer um filho em cada mulher. “Só que muito de meus amigos perderam seus filhos para o tráfico, para o crack, para morrer na mão da polícia. Paternidade exige responsabilidade. O Olodum cuidou muito desses meninos, mas muito se foram cedo”.
“Por isso, a Palmares apóia Margareth, o Afropop, o Giro Cultural, assim como apóia outros grupos, como o Ilê, o Olodum, o Cortejo Afro, porque somos também um espaço de combate ao racismo, ao preconceito. A nossa arma é a cultura”, enfatiza.
Margareth atentou sobre o cuidado da cultura que é consomuda hoje. “Lamentavelmente a música baiana é colocada da pior forma possível”. A Bahia é destaque no turismo internacional, mas isso faz parte de um legado deixado por Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carmem Miranda – a primeira imagem que se teve do Brasil lá fora foi a imagem da baiana estilizada pela cantora. Por isso temos que cuidar da cultura da Bahia.
Parte do sucesso do resultado dessa conversa pode ser conferida alí na hora, quando a atriz Andréa Elia fez uma dinâmica de grupo com os meninos pedindo que perguntassem ao outro ao lado `quem é você?` e que a resposta teria que vir do coração.
A travesti Paulete Furacão, 25 anos, foi firme: “eu sou a perseverança porque acredito em mim, na minha capacidade e, por isso, conquistei meu espaço neste lugar – no projeto Jovem Aprendiz. Para as travestis o que sobra é a prostituição, na hora que a fome bate a gente sabe o que é preciso fazer. Estou feliz onde estou porque sou perseverante”.
Também estavam presentes na reunião o diretor do Departamento de Fomento e Promoção da Cultura Afro-brasileira da Palmares, Elisio Lopes, o músico Roberto Mendes e o editor da revista Raça, Mauricio Pestana.
Assessoria de Comunicação da FCP