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Imagem do século XVIII é furtada em igreja do Quilombo do Carmo
Uma imagem de Nossa Senhora do Carmo do século XVIII foi furtada da Igreja de mesmo nome no Quilombo do Carmo, localizado no município de São Roque, interior de São Paulo, na última terça-feira (13). A peça reconhecida como Patrimônio Cultural Brasileiro pelo Ministério da Cultura, em 2000, representa a padroeira da comunidade. Especialistas acreditam que o crime foi um aviso aos quilombolas devido à organização política para o reconhecimento de seus direitos.
O furto foi percebido no início da noite. Ao chegar à igreja, uma religiosa notou uma das janelas aberta e a fechadura da porta traseira arrombada. A peça com cerca de três séculos tem alto valor no mercado de colecionadores, porém para a comunidade seu valor é inestimável. “Trata-se de importância histórica e religiosa. Representa a origem, identidade e coesão do grupo”, explica a antropóloga Rebeca Campos Ferreira.
A polícia de São Roque investiga o caso, mas ainda não tem suspeitos. Por se tratar de peça rara, a ocorrência já foi notificada ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Fundação Cultural Palmares (FCP) e encaminhada ao Departamento de Repressão aos Crimes Patrimoniais (Depatri) da capital paulista. O Ministério Público Federal acompanha as investigações.
De acordo com o diretor do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-brasileiro, Alexandro Reis, o furto representa uma grande perda não apenas para a comunidade do Quilombo do Carmo, mas para toda a população negra que tem na peça uma representação do sincretismo religioso que também caracteriza a cultura brasileira.
Escravos da santa – Há mais de dois séculos um grupo de três mil escravos constituiu o primeiro quilombo do Estado de São Paulo. De acordo com Rebeca e a antropóloga Deborah Stucchi, do Ministério Público Federal, a vida social do quilombo é regrada pelo calendário religioso. Isto porque a maioria dos moradores descende de escravos que serviam com produção agrícola e pecuária à Ordem de Nossa Senhora do Carmo, que com o tempo se escravizaram pela fé.
A comunidade possui documentos do período colonial e luta para provar que o território de 470 alqueires foi doado pela Igreja Católica a 27 negros logo após a assinatura da Lei Áurea, em 1888. Porém, existem registros recentes das terras em nome de terceiros. Neste processo, os quilombolas já identificaram perda territorial de 99,72% em 100 anos e aguardam pela conclusão de laudos quanto às terras que ocupam na contemporaneidade.