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Histórias sobre o jongo abrem projeto Memória e Identidade no Rio de Janeiro
Fotos: Tarisa Faccion e José de Andrade
Motivação, curiosidade, alegria. Esta foi a tônica da roda de conversa sobre o jongo, que abriu o Projeto Memória e Identidade e as comemorações dos 25 anos da Fundação Cultural Palmares – MinC (FCP) no Rio de Janeiro. O encontro aconteceu na tarde da última quinta-feira, 29 de agosto, no Palácio Gustavo Capanema, patrimônio histórico e arquitetônico da cidade, que abriga as instalações do Ministério da Cultura, assim como representações regionais das instituições vinculadas na cidade.
Estudantes, militantes do Movimento Negro, professores, artistas, religiosos, gestores ou produtores culturais, a comunidade negra fluminense puderam interagir com os convidados de honra, representantes de comunidades quilombolas e grupos jongueiros consagrados como Antonio do Nascimento Fernandes, o Toninho Canecão, de São José da Serra, em Valença, e Maria de Fátima da Silveira Santos, a Fatinha, de São José do Pinheiro, em Pinheiral, ambos do interior do Estado; e Luiza Marmello, da Serrinha, na capital do Rio de Janeiro.
Os três jongueiros levaram para a comemoração carioca do Palmares 25 anos uma de suas principais características: a alegria. Também provocaram a curiosidade da plateia, que ficou motivada a fazer inúmeras perguntas ou apresentar relatos pessoais históricos. Tamanho era o envolvimento dos presentes que, em alguns momentos, pediram até que alguns pontos (como são chamadas as cantigas do jongo) fossem cantados. Ao final, duas participantes chegaram a improvisar a tradicional dança, acompanhadas pela voz de Luiza e o coro e as palmas dos demais.
Origens do Jongo – São José da Serra e São José do Pinheiro são comunidades remanescentes quilombolas situadas no Vale do Paraíba, ao Sul do Estado do Rio de Janeiro, na região que historicamente se tornou conhecida como o Vale do Café, por ter chegado a produzir, com mão de obra eminentemente de negros escravizados, 75% do café consumido no mundo. Já a Serrinha, localizada no subúrbio carioca de Madureira, é uma comunidade originária da especulação imobiliária que deslocou os negros para os morros da cidade do Rio de Janeiro, e onde se mantém o único jongo urbano do Estado.
História e histórias – “O jongo tem a cara preta”, afirmou um orgulhoso Toninho Canecão. Mas antes de contar qualquer “causo”, ele reverenciou e enalteceu os ancestrais, “os velhos jongueiros”, que definiu como negros valentes que garantiram a sobrevivência do jongo até os dias atuais. “Nosso jongo começou nas lavouras de café e depois foi para o terreirão da fazenda, mas isso porque o dono de escravos descobriu que o negro, quando estava cantando, rendia mais no serviço”, contou.
Toninho explicou que a sua comunidade viveu praticamente isolada – inclusive sem luz elétrica – até o início dos anos 1990. A partir de então, a festa do jongo de São José da Serra, que é sempre realizada no mês de maio, foi ganhando visibilidade e hoje recebe visitantes de diferentes pontos do Brasil e do exterior. “Mas nem todo aquele tempo longe das condições normais que as pessoas precisam para sobreviver tirou a nossa alegria”, afirmou declarando seu reconhecimento e agradecimento ao “jongo da cidade grande” (referindo-se à Serrinha) e aos demais grupos jongueiros pela integração que hoje lhes permite fazer apresentações em diversos eventos.
Resistência Negra – Segundo Maria de Fátima Santos, nos tempos da escravidão, os negros, que trabalhavam de sol a sol, só tinham a noite para se reunir e se expressar. Em volta da fogueira, eles dançavam, louvavam seus orixás, arquitetavam fugas. “Tudo acontecia na roda do jongo. Esta é a nossa história”. A jongueira conta ainda que a folia de reis, o calango, a capoeira e bandas de música centenárias, manifestações tipicamente negras, também compõem o rico patrimônio cultural do sul fluminense. Para Fátima o jongo trouxe visibilidade e respeito para a comunidade jongueira, “e está fazendo muitas transformações, inclusive colocando nossos jovens nas universidades”.
A representante do Jongo da Serrinha, Luiza Marmello, ilustrou a conversa com informações sobre como a prática do jongo, no passado, em comunidades como Salgueiro e Mangueira. Luiza lembrou, também, de Vovó Maria Joana, fundadora do Jongo da Serrinha (junto com Mestre Darcy), que era sacerdotisa de Umbanda e a responsável pelas rezas, ladainhas e festas de devoção dos santos da comunidade. “Naquela época, eram só cabeças brancas que podiam participar da roda de jongo, e com isso a cultura não era repassada para os jovens, ou eles não tinham interesse. Os mais velhos começavam a ‘ir embora’ e a levar com eles a nossa cultura. Então Vovó convocou Mestre Darcy para que alguma coisa fosse feita no sentido de não deixar isso acontecer”.
O Jongo – Sua origem remonta à região africana do Congo e Angola e chegou ao Brasil Colônia com os negros bantos. Na verdade, o termo bantu refere-se não a um povo, mas a um grupo etnolinguístico que, apesar de englobar cerca de 400 subgrupos étnicos africanos diferentes, tem como unidade a língua materna.
A estrutura da festa do jongo segue ritos tradicionais consagrados, como a fogueira ao centro e o terreiro rodeado por tochas. Antes de iniciar os pontos, a mulher negra mais idosa e responsável pelo jongo, pede licença aos pretos-velhos – antigos jongueiros que já falecidos – benzendo-se nos tambores sagrados. A festa atravessa a madrugada até o nascer do dia.b
É costume dançar o jongo no dia 13 de maio, em homenagem aos ancestrais sacrificados pela escravidão, assim como nos dias de santos católicos de devoção da comunidade, nas festas juninas, em casamentos e, mais recentemente, em apresentações públicas. Originariamente o jongo é dançado ao som de tambores, confeccionados com troncos de árvore e considerados sagrados, por seu poder de comunicação com os antepassados, indo “buscar quem mora longe”.
Os pontos de jongo costumam retratar o contato com a natureza, fatos do cotidiano, o dia-a-dia de trabalho braçal nas fazendas e a revolta diante da opressão. Misturam o português com a língua quimbundo, outra herança expressiva dos povos banto. No início, o jongo funcionou como uma das várias estratégias de resistência à escravidão.
Pela sua importância histórica e cultural, o jongo já ganhou o seu próprio dia no Estado do Rio de Janeiro: 26 de julho, dia de Sant’Ana, em homenagem aos mais velhos. Em Pinheiral, a conquista foi mais longe e o jongo também tem um dia municipal, 7 de abril. As manifestações em Serrinha e Pinheiral são reconhecidos como patrimônio histórico imaterial.