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Fundação Palmares leva a Campanha Filhos do Brasil para o Rio
Nessa sexta, 26, no auditório do Armazém II da Casa Brasil, localizada na zona portuária do Rio de Janeiro e ponto de convergência de milhares de turistas durante os Jogos Olímpicos, a Campanha Filhos do Brasil teve inaugurada sua fase nacional.
De acordo com Erivaldo Oliveira, presidente da Fundação Cultural Palmares, o lançamento da Campanha na cidade do Rio de Janeiro é “o início de sua fase itinerante, em que vamos também a Salvador, São Paulo, Porto Alegre e todas as cidades fortemente marcadas pela presença e pela cultura negra.” Essa campanha “tem o objetivo de conscientizar a sociedade de que religião se liga a liberdade e de que temos que respeitar a opção de cada um”, destacou.
A Campanha Filhos do Brasil é uma ação da FCP, encampada pelo Ministério da Cultura, em defesa da liberdade de crença e de culto, direitos garantidos por nossa Constituição Federal, que reconhece o Brasil como uma nação pluralista, formada por uma população culturalmente diversa.
Mitos, fatos e desafios
Sabemos que, embora um dos mitos de origem de nossa nação nos caracterize como um povo oriundo do encontro de três raças que se misturaram e se acomodaram harmonicamente neste território, nossa história revela como a intolerância, em várias de suas vertentes (racial, social, de origem, quanto à orientação sexual ou em relação à religiosidade) sempre fez parte de nossa sociedade. Não obstante, ao longo de nosso processo civilizatório, passamos a assumir uma postura de enfrentamento e recriminação frente a atos de intolerância, entendidos, cada vez mais, como atos inaceitáveis, pois cruéis.
Perante o crescimento recente no número de casos de intolerância religiosa no Brasil (Confira matéria!); por entender que um país que abriga inúmeras religiões e práticas religiosas, e garante aos seus filhos e filhas a liberdade de crença e de culto não pode admitir tais manifestações, bem como por acreditar que a judicialização e a punição aos casos de intolerância religiosa são necessárias, mas não suficientes, foi organizada e lançada neste ano a Campanha Filhos do Brasil, que visa sensibilizar e educar nossa população a encarar a diferença entre as pessoas como algo valoroso.
O músico Arlindo Cruz mostrou a dimensão dos desafios a superar, haja vista sua fala ter revelado o quanto a intolerância religiosa está disseminada nos vários segmentos sociais: “Minha escola [de samba] é a Império Serrano, todos sabem que eu sou espírita e saiu uma manchete no jornal dizendo que o novo presidente de honra não tolera espiritismo na nossa escola. Tá certo que tem certa maldade do jornalista, pois ele falava só dos enredos, o que seria também uma castração à cultura imperiana. Uma escola fundada por babalorixás da região de Madureira, da região da serrinha… Toda nossa cultura é de espírita, sim, e hoje eu respondi dizendo que sou um filho do Brasil, usei o texto da campanha: sou filho de Xangô, sou filho da D. Araci, sou filho do samba, mas continuo imperiano e espírita!”
Celebrar as diferenças é preciso!
Assim como em Brasília, líderes de diversos segmentos e entidades religiosas e a-religiosas foram convidados e sentaram lado a lado para arguir em defesa do respeito à diversidade. Além do embaixador da Campanha, o cantor e compositor Arlindo Cruz, e do presidente da Fundação Palmares, Erivaldo Oliveira, integraram o dispositivo da cerimônia o representante da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA), Alexandre Freitas, o rabino da Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro (ARI-RJ), Dario Bialer, o líder islâmico, Sheikh Adam Muhammed, o diácono da Igreja Metodista do Largo do Machado, Rolf Malungo, o vigário das paróquias de Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora Aparecida, ambas de Nilópolis, Frei Tatá, e a iyalorixá Rosiane Rodrigues.
O rabino Dario, em sua declaração, deu o tom de como deve se dar o enfrentamento às manifestações de intolerância. Para ele, é preciso encarar a diversidade cultural como oportunidade. Não se trata de tolerar, mas de “compreender que na vida as diferenças têm que ser celebradas. Não precisamos focar apenas o que temos em comum tentando minimizar o que temos de diferente. Ao contrário, temos que dizer: ‘Temos coisas diferentes, graças a Deus! Porque podemos aprender, podemos nos enriquecer'”, afirmou.
Todos os participantes do evento celebraram a oportunidade de defender a possibilidade do convívio harmonioso entre as diferentes formas de viver e de pensar, porém foram mais enfáticos os adeptos das religiões minoritárias e o representante daqueles que em nada creem, justamente os principais alvos desse tipo de discriminação.
O Sheikh Adam foi categórico e frisou que os ensinamentos islâmicos mostram que o Islã “nunca incentivou a maldade, nunca incentivou o terrorismo. Embora, existam muçulmanos que cometem esses atos. […] o comportamento e a conduta da pessoa não refletem aquilo que é a religião. Muitas vezes nossos comportamentos estão distantes daquilo que a religião nos ensina”.
“Não raro, pessoas denunciam à ATEA preconceitos, maus-tratos… É uma luta constante de conscientização que tenta mostrar para as pessoas que o ateísmo não tem nada de ruim”, disse, por sua vez, Alexandre Freitas.
Ao final, a iyalorixá Rosiane condensou tudo o que se buscou dizer naquela tarde: “A intolerância religiosa não tem nada a ver com religião! Nós [adeptos das religiões de matriz africana] estamos sendo mortos. Nossas casas estão sendo depredadas e invadidas, incendiadas, nossos sacerdotes assassinados, nossas crianças espancadas, impedidas de assistirem aulas em escolas públicas em todo o território da federação. Isso não tem nada a ver com Deus, dogma ou doutrina!”