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Fundação Palmares homenageia mulheres em alto estilo
A comemoração da Fundação Cultural Palmares (FCP) em homenagem ao Mês da Mulher, nesta quarta-feira (7), em Brasília, foi um verdadeiro sucesso. O auditório da instituição lotou, com a presença de cerca de 250 mulheres, de várias faixas etárias, que compareceram para prestigiar as rodas de diálogo, apresentações culturais, exposição de fotografias e lançamento de livros.
O evento teve presença do presidente da Fundação Palmares, Erivaldo Oliveira, e do secretário de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do governo federal, Juvenal Araújo. A FCP e a Seppir realizaram a programação em parceria, com apoio do Ministério da Cultura (MinC). Outra convidada foi a atriz, escritora, roteirista, youtuber e defensora das Mulheres Negras na Organização das Nações Unidas (ONU), a carioca Kenia Maria. A sambista baiana-fluminense Dhi Ribeiro, campeã da última edição do programa The Voice Brasil, encerrou o evento com uma interpretação à capela de Canto das Três Raças, sucesso de Clara Nunes nos anos 70.
O encontro teve início com uma fala da chefe de Divisão de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro da FCP, Adna Santos, também conhecida como Mãe Baiana. A líder religiosa agradeceu à presença do público e leu um texto sobre Iansã, divindade das religiões de matriz afro. Mãe Baiana comparou as características de guerreira de Iansã com o caráter batalhador da mulher negra brasileira. Em seguida, outras lideranças religiosas femininas saudaram a plateia e entoaram cânticos.
Tá Bom pra Você?
Kenia Maria destacou em seu discurso a importância do combate permanente ao racismo e da inclusão da população negra nos principais espaços do país. Ela contou que há cinco anos criou com a filha, a atriz Gabriela Dias, o canal Tá Bom pra Você?, no YouTube, justamente para questionar, por meio de uma novela, a ausência dos negros na mídia e nas campanhas de marketing. A palestrante criticou duramente o meio artístico, acusando-o de racista. “A arte no Brasil poderia mostra uma visão diferente do negro, mas prefere perpetuar os estereótipos”, comentou.
Kenia se emocionou ao lembrar da agressão que ela a filha sofreram há exatamente uma semana, em um shopping no Rio de Janeiro. Elas foram assediadas e ofendidas por um turista polonês. As duas registraram queixa na delegacia do bairro de Botafogo, onde o episódio ocorreu. “O pior de tudo é que ele pagou pouco mais de R$ 900 e saiu livre para curtir o final do verão carioca. Na audiência de conciliação, ele, em tom de deboche, veio me pedir perdão e eu falei que não o perdoava”, contou Kenia Maria. Ela encerrou seu discurso em tom de valorização das mulheres. “Somos todas rainhas!”, exclamou.
Mulheres na mídia e no mercado de trabalho
As rodas de diálogos tiveram dois temas. A primeira, Mulheres e Mídia, contou com Marília Marques, jornalista do portal de notícias G1; Cristiane Sobral, escritora; Edileuza Penha, documentarista; e a trans Rosa Luz, artista multimídia criadora do canal Barraco da Rosa. Marília abordou sua trajetória de estudante e profissional de imprensa, revelando que procura inserir um olhar diferenciado em coberturas como a do recente julgamento da titulação de terras quilombolas no Supremo Tribunal Federal (STF), ouvindo o lado da população e não apenas as questões políticas. Rosa Luz falou do preconceito sofrido por ser negra, trans e da periferia, mas destacou que a trajetória artística lhe ajudou a conquistar espaço na sociedade. Já Cristiane Sobral rememorou sua trajetória pessoal no curso de artes cênicas e a criação em Brasília de uma companhia de teatro só com atores negros, vencendo obstáculos em um meio com enorme exclusão racial.
A segunda roda de diálogo teve como tema A Mulher no Campo da Gestão Pública e Privada. Participaram a autônoma Adeni Santana, a empresária Adriana Ribeiro, a procuradora da Advocacia Geral da União (AGU) Kizzy Collares Antunes, a quilombola e gestora de Goiás Lucilene Santos e a ialorixá Francesly de Oyá. Esta mesa foi extremamente marcada por relatos do dia a dia profissional e da vivência destas mulheres entre a necessidade da sobrevivência e a luta constante por um espaço, enfrentando a discriminação e o preconceito.
Empoderamento
Na opinião do presidente da Fundação Palmares, Erivaldo Oliveira, eventos desse tipo contribuem para promover a reflexão sobre o papel feminino e da mulher negra na sociedade brasileira. “A mulher negra precisa ocupar os principais postos estratégicos do nosso país, tanto no setor público quanto no privado, tomando decisões que influenciem no nosso destino”, ressaltou Erivaldo.
Para Juvenal Araújo, a parceria entre a Seppir e a FCP nesse tipo de evento só contribui para o empoderamento da mulher negra no Brasil. “Infelizmente as afro-brasileiras ainda ganham salários menores, têm menos oportunidades de emprego e são as maiores vítimas da violência sexual e do feminicídio. Temos que discutir com a Justiça e o Ministério Público como tornar mais céleres os processos que vitimam as mulheres negras e desenvolver políticas que transformem a realidade delas”, destacou Juvenal Araújo.
Menores aprendizes
Parte da plateia foi composta por cem meninas menores aprendizes da Rede Nacional de Aprendizagem, Promoção Social e Integração (Renapsi). “Estamos participando de uma programação voltada à Semana da Mulher e este evento da Palmares veio de encontro aos temas que estamos discutindo com essas jovens, como o empoderamento feminino e a luta contra o preconceito”, observou a instrutora da rede Ana Clara Pereira.
Ana Paula Miranda, de 16 anos, subiu ao palco para dar um depoimento sobre a condição de mulher negra. Ela afirmou ter ficado maravilhada com o que ouviu. “Já sofri com o racismo. É muito triste, mas esse tipo de incidente nos dá força para aprendermos e seguirmos com mais força. Hoje eu incorporei cada uma das histórias que escutei aqui”, disse.
Gabriela de Sousa, de 16 anos, também se empolgou com a programação. “Achei fantástico. Realmente as mulheres negras precisam ocupar os principais espaços da nossa sociedade. Temos que lutar por isso”, frisou.
O cerimonialista Edirley Martins, que articulou a vinda das adolescentes ao evento, fez um balanço positivo da tarde. “Foi incrível. Grande participação do público e um enorme aprendizado vindo das mesas”, sintetizou Edirley.
No encerramento, Renata Nogueira lançou o livro Irmandades Negras: Reconhecimento e Cidadania. A publicação traz a dissertação de mestrado no curso de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB) que venceu o II Concurso Nacional de Pesquisa sobre Cultura Afro-Brasileira, realizado pela Fundação Palmares.