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Filme expõe a exploração sexual infantil
Recém-chegado a Brasília para participar do X Festival Internacional de Cinema de Brasília (FIC), o cineasta Joel Zito Araújo recebeu a equipe da Fundação Cultural Palmares para falar sobre seu mais novo documentário: Cinderelas, lobos e um príncipe encantado.
Psicólogo, mineiro de Nanuque, com mais de 20 anos de carreira, Joel Zito Araújo dispensa apresentações. Premiado em diversos festivais, o diretor vem a Brasília propor uma reflexão sobre alguns dos principais problemas sociais enfrentados pelo Brasil: turismo sexual e exploração infantil.
O documentário, patrocinado pela Fundação Cultural Palmares, é um verdadeiro choque sobre a realidade do que acontece nas esquinas de nossas casas. Filmado por entre ruas nordestinas e mansões européias, o filme desvenda alguns dos sonhos das cinderelas, em busca do príncipe e os indesejáveis encontros com os lobos. Melhor nome não poderia ter. É a história encantada que faz com que essas meninas ainda persistam no jogo sujo da prostituição.
Apesar de a filmagem ter sido feita nas praias nordestinas, conhecidas por serem redutos de turistas em busca de sexo, Joel Zito alerta: “O problema está longe de se concentrar no Nordeste, isso é um problema em todas as cidades, em todo o Brasil”.
A idéia de produzir um filme que mostrasse essa realidade surgiu de uma conversa com a amiga Helena Oliveira, coordenadora do Unicef, que apresentou ao documentarista uma pesquisa reveladora: 75% das mulheres procuradas pelo turismo sexual são negras.
“O conteúdo racial forte foi o que me chamou a atenção. Pensei inicialmente em fazer um filme de ficção, mas ao começar a pesquisa para o filme, percebi que um documentário seria muito mais fiel de se retratar esses problemas, principalmente, no que se refere à relação racial. Afinal, uma das funções da arte é ajudar a revelar e entender os tabus da questão racial”, relata ele.
Ainda durante as pesquisas de produção, Joel comenta que é muito clara a diferença entre os turistas brasileiros e estrangeiros: “Para os brasileiros, quanto mais branca a mulher for, mais valorizada ela é; quanto mais negra, mais inferiorizada. Nós ainda temos internalizado o pensamento colonial. Mas acontece que o gringo também! Quando ele vem ao Brasil, ele tem o imaginário da mulher liberal, sexualmente atraente, de esposa submissa, o que quase não se encontra na Europa. O turista é o navegador em busca do bom selvagem”.
Exploração sexual e racial se confundem, pois, se marginalidade e prostituição afligem a parte pobre da população, conseqüentemente, ela irá recair sobre a parcela negra da sociedade. Afinal, a pobreza no Brasil tem cara e ela é negra.
Assim, o filme aborda uma faixa da população de origem muito pobre, por isso, o sonho é tão intenso e a ilusão custa a desaparecer, pois há uma possibilidade real de mudança de vida por meio do turismo sexual.
“A intenção foi buscar mulheres negras que trabalham nessas condições, no Brasil, até entrevistamos mulheres brancas, mas na Europa, simplesmente não achamos. Todas eram negras. A maioria das mulheres entrevistadas moram em regiões relegadas. Elas nunca tiveram acesso a nenhum lazer da classe média. Com a chegada dos gringos, elas freqüentam restaurantes caros na zona sul, tomam banho de loja, passeiam em shoppings, têm uma vida que não conseguem de outra forma”, conta.
Uma das cenas mais fortes do filme é a de uma criança de 13 anos, esquelética, acabada pelo uso de crack, que acabara de sair do hospital ao ser violentada por um de seus clientes, refugia-se aos braços da mãe para explicar sobre a vida nas ruas de Fortaleza. Mas nem a mãe, com um semblante de decepção e agonia, atônita com aquela circunstância, sabe explicar. Enquanto conversam, a única preocupação da criança, é se prostituir para pagar uma dívida de droga no valor de 20 reais.
Outros depoimentos também constrangem o espectador. É o caso de uma jovem, cuja afirmação é contundente: “Estou nessa vida por causa da minha mãe!” Ou o caso de uma outra, que culpa os pais por ser pobre e não ter bens materiais algum.
Joel Zito o fenômeno, que para ele não dá para especificar: “É um fenômeno muito amplo. Não há como especificar uma ou outra razão, seja ela social, familiar. É uma questão complexa. Foi muito impactante a entrevista com a criança e a mãe. Ver aquela menina magérrima, fazendo uso de drogas e se prostituindo. Uma das razões que o próprio filme mostra é que a mãe já havia sido presa por ter roubado comida no supermercado. É isso que choca. Não só o problema social, mas também a diferença do tratamento da Justiça. Enquanto temos banqueiros que não podem ser algemados, temos pessoas que ficam presas por anos, por roubarem comida.”
Joel Zito faz outra observação sobre o sistemático aumento do número de mulheres que se propõem a irem embora de suas casas para morarem no exterior.”Há um detalhe interessante. Muitas das meninas vão atrás do consumo. A mídia atua de forma co-responsável. A todo momento a televisão faz com que você consuma, queira comprar, queira ter o que você não pode. Mas não há uma ou duas justificativas, é um assunto complexo”.
Durante o filme, o espectador é levado a pensar e refletir sobre a vida desses personagens e imaginar sobre outros milhares desses personagens que existem por esse país. “O filme não quer explicar, mas mostrar o problema e colocar no colar sob a responsabilidade do público para refletir. Gosto de fazer filmes para as pessoas pensarem. O objetivo é mudar os estereótipos sociais, rever nossas posturas e conceitos”, finaliza.