Notícias
Ex-presidente da Palmares Interpreta Lima Barreto no Teatro
No último sábado (06) Brasília recebeu o ex-presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), o ator Hilton Cobra, que apresentou monólogo sobre a ficção Traga-me a Cabeça de Lima Barreto . A peça escrita pelo dramaturgo Luiz Marfuz e dirigida por Fernanda Júlia é um embate entre Lima Barreto e um grupo de eugenistas que, após sua morte, busca exumar seu corpo para examinar seu cérebro. A motivação: o fato de um homem negro ser capaz de produzir uma brilhante obra literária.
Trabalhada a partir do Díario Íntimo e do Diário de Hospício , a peça foi feita em 2016 para celebrar os 135 anos de nascimento de Lima Barreto, 40 anos de trajetória de Hilton Cobra e 15 anos de carreira da Companhia dos Comuns. “Quarenta anos de carreira tinha que ser algo com bastante substância, seriedade, abertura e uma certa humildade para apresentar esse grande homem através do teatro”, afirma Cobra.
O monólogo que já rodou o país, traz questões íntimas de Barreto como a sabedoria em lidar com questões emblemáticas, situações em que foi vítima do racismo, o alcoolismo e a frustração de não ter sido contemplado como imortal pela Academia Brasileira de Letras, assim como outros grandes autores de sua época, a exemplo de Machado de Assis.
Em entrevista à Assessoria de Comunicação da Fundação Cultural Palmares (Ascom/FCP), o ator Cobra, que presidiu a FCP entre os anos 2013 e 2015, fala do prazer e dos desafios de trazer Lima Barreto ao público. Desenha um Lima Barreto atual, desenvolto, carregado de emoções e de compromissos sociais.
Confira:
Ascom/FCP: O que significa interpretar Lima Barreto?
Hilton Cobra: É uma honra. Estamos falando de um dos grandes, dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, um cronista espetacular, um romancista de muitos detalhes, de muita firmeza literária. Um dos escritores brasileiros que mais escreveu sobre o Brasil a partir de sua obra, de seus romances, de suas cartas, de correspondências, de crônicas. Todo ator brasileiro que se depara com um personagem como Lima Barreto se sente meio realizado com a sua carreira.
Ascom/FCP: Qual o comprometimento por trás do espetáculo, ao trazer esse grande escritor?
Hilton Cobra: É uma questão política: é poder levar ao público brasileiro a vida e obra desse grande homem e, a partir disso, tratar da eugenia que, na minha opinião foi o que institucionalizou o racismo de tal forma que até hoje não conseguimos vencer esse grande mal.
Ascom/FCP: Qual o maior desafio em interpretar Lima Barreto?
Hilton Cobra: Foi a atualização do corpo para receber o Lima Barreto e dar atualização à sua obra, aos seus escritos e a tudo sobre ele para trazer o personagem. Tive que mergulhar fundo para fazê-lo chegar mais perto de mim, não somente intelectualmente, mas, como eu estava a cerca de nove anos sem subir aos palcos, tive que atualizar todo o corpo: a cabeça, a mente, o físico, o muscular, a voz e o olhar aberto para receber e oferecer ao público todos os ensinamentos sobre o Lima, sobre o racismo, sobre a eugenia.
Ascom/FCP: Para além do escritor, quem foi Lima Barreto?
Hilton Cobra: Foi uma vítima do racismo durante toda a sua existência, um homem que morreu ressentido, rancoroso e revoltado porque não teve em vida o reconhecimento devido às suas ideias, às suas obras e aos seus pensamentos. Ele tinha consciência de que era uma figura absolutamente atual e autêntica. “De mim para mim eu tenho certeza de que não sou louco, mas, devido ao álcool e às dificuldades materiais da vida, de vez em quando deliro, dou sinais de loucura”, é o que diz Lima na peça. Ele sabia que não era louco.
Ascom/FCP: Qual o legado de Lima Barreto:
Hilton Cobra: Muitos, mas ele morreu devendo uma coisa extraordinária para todos negras e negros, e, por extensão, à toda a população brasileira. Ele desejou escrever a História da Escravidão no Brasil, mas não teve tempo. Faleceu aos 40 anos de idade, alcoólatra, triste, mesmo com toda aquela genialidade. Ele tinha a certeza que outros escreveriam essa obra e mesmo assim estamos aqui, de Lima Barreto, buscando falar sobre o negro no Brasil.
Ascom/FCP: Qual mensagem você deixa a partir da peça?
Hilton Cobra: Ainda precisamos estar atentos e fortes para o racismo que é persistente no Brasil. O público tem respondido de forma bastante honesta e estou muito feliz com o sucesso do espetáculo, embora o tema não nos traga qualquer felicidade.